Capitulo 4

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Sentei-me na cama com uma mala grande em cima da mesma. Passara as últimas horas a guardar tudo aquilo que era essencial para a minha viagem. Pasta de dentes, escova, roupa, mantas, dinheiro, tudo o que podia carregar comigo que pudesse ter alguma utilidade num futuro próximo. Apercebi-me quando a tinha acabado de fechar que faltava algo vital: um destino.

Como poderia eu partir sem ter um mente qualquer tipo de ideia do sitio onde iria viver talvez nos meses a seguir a minha partida? Respirei fundo. Tinha de haver algum lugar que me desse qualquer tipo de proteção até fugir do radar de Adam e de todos os outros. Mas todas as minhas relação 7 anos antes tinham sido cortadas e as atuais eram escassas. 

Verifiquei a cor dos meus olhos novamente. Não conseguia parar de os mirar. Relaxei quando reparei  que o azul se mantinha tão intenso como nos anos anteriores. Pelo menos um ponto positivo.

Distraidamente comecei a brincar com o colar que estava preso ao meu pescoço. Acalmava-me sempre em tempos mais tempestuosos. E foi ai que a senti. Uma racha mesmo no meio que dividia o meu colar em dois. Embora as duas metades não estivessem separadas levantei-me e aproximei-me do espelho a rezar para que tudo aquilo não estivesse a acontecer. Mas estava. 

Senti uma raiva incontrolável apoderar-se dentro de mim. Não conseguia acreditar que depois de tantos anos, o meu colar se estivesse a partir. E que era demasiada coincidência que tudo aquilo estivesse a acontecer dois dias depois de encontrar um amigo de Adam. Se é que ele tinha amigos.

Como haveria eu de o consertar sozinha, sem qualquer tipo de ajuda daqueles que realmente entendiam o que estavam a fazer? Se o colar se partisse ao meio então nunca mais voltaria a deitar-me na minha cama a olhar o tecto que tinha sido pintado como se este fosse o céu. Nunca mais voltaria a ver Alexas ou os meus pais. Aquele pequeno pendente era a única coisa que me envenenava de modo a puder viver entre eles. O que iria acontecer se eu ficasse? Provavelmente acabaria por destruir tudo no meu caminho. 

Engoli em seco ao me aperceber de que tinha de voltar a falar com aquele rapaz. E o pior, é que tinha de esperar seis horas para o fazer segundo o meu relógio pendurado na parede.

Abri a palma da mão com cautela e olhei-a atentamente. Vi uma chama pequena que tremeluzia com dificuldade. Fechei a mão com força como se isso pudesse impedir que se voltasse a acender mesmo que concentrada. Mas sabia que isso ter efeito precisava de mais veneno. E precisava dele já.

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Sai de casa um pouco antes das cinco horas. Tinha a mala à porta do meu quarto à espera do meu retorno para então partir para onde for que eu desejasse. Estava sentada na mesa onde ele se custumava abancar todos os dias. A pequena mesa quase ao canto da loja que parecia perfumada pelo cheiro de café acabado de torrar. O estranho chegou e sentou-se a minha frente com ar pasmado por ali me ver. 

-Não esperei que me procurasse tão cedo.

-Estou desesperada- Confessei- E preciso de ajuda. Especialmente porque foste tu que causas-te os meus problemas para os quais eu preciso de uma solução imediata.

-O que fiz?- Perguntou aborrecido.- Estou curioso.

-Não te faças de idiota. Sei que me partiste o colar. -acusei

-E podes explicar-me como é que eu fiz isso? - Ouvi-o abafar um riso enquanto tentava manter uma expressão séria.

-Isso era o que esperava que me dissesses. 

-Lamento se o teu colar se estragou, mas não tive nada a ver com isso. Para além do mais, é só uma bugiganga. Não podes comprar outro ou algo assim?

-Não é esse tipo de colar. Não pode ser facilmente substituido. Para o arranjar, teria de falar com gente que preferia que preferia esquecer que existe.

- Como o Adam? - Inquiriu agora mais sério.

-Sim. Entendes porque é que acho que tens culpa nisto?

Olhei-o severamente. Não estava para brincar. Precisava aquilo arranjado senão ainda me podia magoar a mim própria, ou pior.

Lembrei-me dos olhos escuros de Adam a olhar para mim quando eramos pequenos. Tudo o que ele dizia e fazia de algum modo que me faziam sentir segura. Como se ele pudesse proteger-me de todos os males que o mundo aguardava para mim. Mas foi por essa razão que tinha decidido partir anos antes. Ele não podia faze-lo, e eu não precisava de me lembrar constantemente disso.

-Por muito que eu goste de ser culpado por todos os teus problemas, não gosto de ficar com os louros de outros.

-Não acredito. - O meu tom de voz não transparecia nem uma ponta de receio ou preocupação. Só urgência. - Eu preciso dele arranjado. E acho que foste tu porque sabes o que faz.

-Nem sei o que é que eu faço aqui, okay? - Disse calmamente. - Só me disseram que tinha de te vigiar e de te abordar quando achesse que estavas pronta.

-Para quê? - Perguntei receosa

-Para voltares para casa. Porque aparentemente, por qualquer razão que eu não tenho autorização para saber até voltar, és precisa.

O sangue pulsava-me nos ouvidos. Tinham ido buscar-me. E sabia que me seguiriam até aos confins do mundo se necessário para me levar de volta.

-Diz-me, não foi só o Adam que te pediu para cá vires pois não? - Perguntei desconfiada.

-Não.

Apetecia-me chorar. O meu corpo estava tão pesado que parecia que a única maneira de aliviar a tristeza, a dor, e a frustração, era a chorar. Como se a minha alma estivesse cheia  e necessitasse de transbordar.

-Eu não vou a lado nenhum contigo.- declarei.- Nem hoje, nem nunca. Não vou voltar para lá.

-Não interessa o que queres. - Afirmou com um gesto de desvalorização- Se eu não te trouxer há-de vir alguém.

Algo dentro de mim gritava. Começava a sentir-me presa. Como se estivesse num espaço apertado acorrentada com nenhuma hipotese de fugir. Qualquer coisa em mim acordou e senti um formigueiro na ponta dos dedos. Começava a ficar para além de furiosa. Estava colérica.

-Então é assim que esperam que volte? Com ameaças?

-Se tiver de ser. Vivendo no nosso mundo ou noutro o desespero é sempre perigoso Cassandra. E acredita, eles estão desesperados.

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