Vinte e Três

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Andei em círculos após meu pai ir embora. Pensei diversas vezes se realmente deveria abrir a carta que parecia me encarar constantemente.

Acontece que eu sou ansiosa, por exemplo se me dizem que um grande evento acontecerá às 16hs desde as 13hs estarei desesperada para descobrir o que se passará. Então eu tentei ignorar aquele papel simples escrito com caligrafia tosca, porém era dificílimo.

Fui guardar os matérias de limpeza na intenção de tirar um pouco da minha atenção da folha, falhei miseravelmente. Embora tudo que eu mais quisesse fosse esquecer Ward e sua atitude indiferente, não conseguia.

Logo ele voltava a minha mente como uma daquelas músicas chiclés que não param de tocar dentro da nossa cabeça. Pra falar a verdade estava sentindo falta das piadas ruins e da autoestima quase inabalável dele e qualquer lugar que eu olhasse me trazia recordações com o piloto.

Mas dessa vez eu não queria perdoar ele, não poderia quebrar o meu orgulho. Não sem ao menos ouvir um pedido de desculpas, o que é irônico já que nem dei a oportunidade dele falar comigo. As vezes gosto de pensar que nessa fase da vida eu era apenas uma coisa: um emaranhado de sentimentos confusos.

E como a maioria das pessoas, julguei que fugir de meus problemas seria infinitamente menos doloroso do que enfrentá-los. Nesse caso, mais literalmente do que me orgulho de contar, vi que estava ficando sem ter o que fazer em minha casa e cheguei a conclusão de que visitar Luana não era má idéia.

Dessa forma fui para meu quarto e arrumei uma pequena mochila com o necessário para uma semana, tempo suficiente para que eu pudesse esvaziar a cabeça e retornar pronta para seguir a vida. Quanto a esse "seguir a vida" não estava bem definido, visto que tinha perdido meu noivado, meu emprego e meu melhor amigo. Logo quando eu voltasse ao Canadá teria que encontrar uma nova vocação, ou quem sabe até me mudar, tudo dependia de como eu me sentiria naquela perspectiva renovada.

Assim que tranquei a porta com a mala em mãos senti uma enorme dor no coração, como se soubesse que estava prestes a cometer um grande erro. Mesmo com essa sensação não parei, eu estava motivada a ser como Luana Stone, decidida!

Doía me distanciar da minha realidade, eu imaginava que isso seria necessário para ver melhor a situação, contudo era sofrido. Afinal eu já estava longe de Ward e deveria permanecer assim, pois ele não me deu motivos para fazer o contrário.

Resolvi que a melhor escolha para o trajeto seria pegar um táxi até o terminal rodoviário, lá um ônibus de viagem seria tomado. Subindo no carro escutei o taxista me cumprimentar, mas não o dei muita atenção pois meu olhar estava voltado para o ambiente de fora.

Finalmente o frio estava indo embora, a neve que eu tanto odiava se derretia. Lógico que sempre estaria frio perto do que meu corpo se acostumara em Los Angeles, porém era irônico saber que eu estava prestes a ir embora na época que mais aguardei durante o tempo que lá passei. Eu partiria justamente no desabrochar das flores que outrora sonhei em ver.

Esses foram os pensamentos que dominaram minha cabeça durante o tempo que passei no carro do taxista, mal percebi quando ele perguntou do pagamento. Não havíamos chego ainda, mas o trânsito nos fez parar de modo que ele aproveitou para cobrar nessa oportunidade. Abri a bolsa e fui pegar o dinheiro, porém antes esbarrei com um objeto que nem sabia que lá estava perdido.

Os óculos em formato de coração me olharam e eu devolvi o olhar, os estúpidos óculos de Ward me perseguiram. O dono deles os colocou em meu rosto no dia em que terminei com Will e desde então esqueci de devolver.

Talvez eu devesse voltar, me ocorreu, retornar e entregar os óculos do piloto e quem sabe conversar com ele. Contudo logo desisti desse plano desesperado e paguei o motorista.

O Caminho até VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora