Trinta

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Já fazia um mês desde... desde a morte dele, meu Deus como é difícil escrever isso. Lá estava eu deitada na cama de meu antigo apartamento que ficava no mesmo prédio de Liliam.

Comendo algo sem gosto, assistindo um filme sem graça e vendo um mundo sem cor. Eu tinha ido treinar naquele dia, mas não tive um bom desempenho como em todos os outros dias e para piorar sabia que os patrocinadores estavam olhando.

Todos me olhavam, com olhos cheios de pena me forçando a lembrar de tudo, mesmo que eu quisesse esquecer. Não me refiro a esquecer de Ward, longe disso, só queria poder fechar as pálpebras sem imaginar como tudo acabou. No final essa era minha maldição, remoer todos os acontecimentos e recordar que a culpa pertencia a Catherine Turner.

Quanto ao meu pai, ele acabou ficando com a porra da taça. Um Mundial a mais para a estante, no entanto assim como eu, Dylan sabia que ela estava manchada com o sangue de quem outrora chamou de filho.

Ele se dói por essa razão bem como Liliam, a idosa nunca mais colocou um cigarro na boca depois do que ocorreu refletindo no quão curta a vida é.

Queria contar aqui que eu também tive um aprendizado ou uma evolução que seja, entretanto Inês e eu fomos as que mais decairam. A mãe de Ward permanecia numa tristeza absoluta e jurou jamais entrar na casa do filho, deixando a limpeza e esvaziamento da mesma por minha conta.

Em qualquer outra situação o faria com prazer, mas também seria doloroso para mim e mesmo assim aceitei para poupa-lá. Somente pedi um tempo até que me sentisse pronta para encarar meu passado.

Algo que parecia cada vez mais longe, visto que nem minha própria casa eu arrumava. Nada fazia sentido, cada conversa que tinha parecia sem nexo e piorava sempre.

Até que a vizinha idosa invadiu meu quarto na madrugada enquanto eu comia, ela estava com o rosto inchado e os olhos vermelhos mas sua postura era de quem pretendia impor respeito. Sentou em minha cama e encarou-me.

- Não pode ficar assim para sempre - Disse arduamente na tentativa falha de autoridade máxima.

- Se veio me falar que ele está melhor, sugiro que vá à merda!

- Uma vez você ficou brava por que ele usou a mesma expressão contra o juíz e agora a fala com a mesma naturalidade que respira - Contou, amenizando a voz para uma tonalidade mais macia - Quando amamos demais uma pessoa ela começa a fazer parte de nós e com certeza o garoto vive em você. Mas se por um acaso a sua esperança na vida se pôr, o último resquício dele desaparecerá.

Então Ward vivia dentro de mim? "Quanta bobagem" pensei imediatamente, mas não tive tempo de responder já que a velha continuou:

- Eu não quero perder vocês e se matar essa última parte dele, logo um pedaço seu irá junto - Liliam terminou coçando a cabeça me fazendo questionar se era ela mesma passando essa lição de moral chata dos infernos.

Então foi embora com seu cheiro de naftalina tão inesperadamente quanto chegou me deixando sozinha para refletir sobre o que disse. Desse modo coloquei a vasilha em que comi sob a cômoda e me acomodei na cama.

Imediatamente me veio em mente o dia em que Ward me convidou para morar com ele. Minha cabeça estava encostada em seu peito enquanto o rapaz brincava com meu cabelo e no exato momento em que eu adormeceria ele impediu que isso acontecesse.

- Eu poderia acordar com essa visão todos os dias - Disse com seu tom mais galanteador usando suas cantadas bregas das quais tinha muito orgulho.

- Realmente é uma linda visão!

- Você está ficando convencida - Ward falou se forçando a rir pela ironia da vida.

- Com quem será que aprendi?

O Caminho até VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora