Sexta Carta - Ana

71 5 0
                                    

Pedro, Pedro,

Ainda bem que a greve do correio não foi para frente...
Vou acabar indo aí, só para ficar sabendo o resto das coisas que você começa a dizer e não termina. Só insinua. (Estou te achando um cara muito insinuante...)
você tá me deixando super curiosa. Concordo que nem tudo que a gente começa a dizer tem fim, mas podia ter ao menos continuação, não podia?
Vou te dar um - ou vários- exemplos:

1) te pedi para me iniciar em futebol. Você disse que, na "próxima" cartas, para me ensinar a gostar do clube Atlético mineiro. Por que na "próxima"? se tivesse sido nessa que acaba de chegar e que não me canso de ler, talvez eu já tivesse te ajudar a ganhar algum jogo... Você não disse que tem pressa? Que o mundo podia ter acabado?pois então? Ele acabava e eu morria e sem nem saber as cores do seu querido, amado e idolatrado ("salve, salve!") Time.

(Em tempo: sabe que o mundo quase acabou mesmo? No dia 23 de março um asteroide passou mais perto da terra do que devia e a humanidade esteve por um triz. Ficou sabendo? Li no "Estadão" e fiquei roxa de medo. E o pior é que em outubro esse esteroide vai voltar. O que consola e anima a gente é que o pessoal da NASA pesquisou e concluiu que ele vai passar longe demais. Impossível qualquer choque. Só na outra volta dele, mas aí não é problema nosso. Não vamos viver bilhões de anos, vamos?)

2) você disse que quando minha carta chegou , foi "colocar tinta na caneta". Isso é verdade ou você tá fazendo poesia? Anda te achando com jeito meio de poeta, sabia? Um jeito que me agrada muito.
Quero saber essa história direitinho. Se você usar daquelas canetas que a gente coloca tinta, aquelas que ninguém usa mais, te juro que vou te achar o príncipe dos poetas brasileiros. Já disseram que era o Guilherme de Almeida. Mentira pura.  É você.
ao mesmo tempo, te conto um segredo. Eu só uso daquelas cartas. Acho maior charme. Todo mundo acha, Você já notou? Só que ninguém usa, não consigo saber o por quê. Tão mais bonito. Tão antigo.
você, que a mineiro e vive cercado de profetas e aleijadinhos, deve tirar de letra essa de antiguidade.
Ah, Pedro, Me conta, vai: É por isso que você coloca tinta na caneta? Você antigo?

3) você disse que acha que não vai durar muito. Não gosto de ouvir esse tipo de coisa. Ficou arrepiada de puro pavor, penso logo em aids, pô! Ah, Pedro, pelo amor de Deus, fala logo: você tava só fazendo poesia, não é?

4) essa é super importante: quando eu elogiei seu nome, pensei que você também fosse elogiar o meu. Cara desligado, você.

Você lê Ana T. no envelope e não consegue ficar nem um pouquinho curioso? Pensei que fosse me perguntar que T. era esse. Será Ana Terra, ou coisa parecida.
poderia até ser, se meu pai e minha mãe gostasse do Érico Veríssimo. Eles gostam é de um escritor mineiro de chamado Aníbal Machado. Já morreu, já morreu. Pai da Maria Clara Machado, sabe quem é? Aquela do Pluft, o fantasminha. Lembra dos seus "antigos" tempos de criança? Pois é.
agora chega, não vou enumerar mais nada. Não tenho muita paciência com números. Aliás, paciência nenhuma.
Quero te dizer que achei a glória você com ciúme do José Wilker ciúme de mim, né? De mim com ele.
Pena ele nem sabe que eu existo, para história ficar mais emocionante.
sabe de uma coisa, Pedro? Estou acabando de ter uma ideia brilhante. Vou lhe escrever uma carta, assim como fiz com você. José Wilker, TV Globo, Rio.
garanto que chega na mão dele direitinho. Nos olhos, no nariz. E tem mais: se ele já tiver lido o Aníbal Machado, vai sacar meu nome no ato...
fico me perguntando se você estará de tocaia de novo, esperando o correio. Se estiver vai se surpreender ao contrário, porque desta vez te respondi voando.
Recebi sexta, passei o fim de semana e o feriado de ontem, 1° de maio, pensando em você e na resposta, e hoje estou aqui, não de tocaia, mas de plantão, te procurando.
exagerei dizendo que passei o feriado e o fim de semana pensando em você. Fiz mais coisas. Assisti uns filmes no vídeo (viagem insólita, com meu irmão, Paris, Texas, com meu pai), fui a duas festas, dancei.
Não vi ninguém com a mão no queixo, tipo o filósofo grego. Só a gente de todo dia, tipo a gente mesma. Tudo igual, sem grandes nem pequenas surpresas.
Sabe que vou votar para Presidente? Só não sei em quem, porque meus candidatos preferidos ficaram de fora. Para você não ficar morrendo de curiosidade, te adianto que um deles é o Suplicy. Entre outras coisas, porque ele correu na São Silvestre, no último dia do ano. Um homem de grandes e pequenas surpresas.
os outros são segredo. Estou te imitando. Começando e não terminando assunto que podem não ter fim mas tem, certamente, continuação. Na próxima a gente continua.
hoje, quem tira a mão do queixo sou eu. Quem sabe, assim, você me dá um beijo?

Até,

Ana

P.S. comecei esta carta dizendo que vou acabar indo aí. É verdade. Mas não quero saber só do resto de suas conversas. Quero saber de você.

Sempre,

Ana
S. Paulo, 2 de maio de 1989


Revisado

Ana e Pedro cartasOnde histórias criam vida. Descubra agora