Ana e Pedro cartas

Décima quinta carta - Ana

Pedro, querido (não, assim é muito sério);
Pedro, meu amigo (não, assim é formal);
Pedro, meu caro (piorou!...)

Pedro, meu amor,

Te recebi hoje, depois de mais um mês de silêncio. Sua penúltima carta era do dia 29 de junho dia de São Pedro, lembra?
Hoje é dia 10 de Agosto. Nunca soube dia de quem. Amanhã é dia do estudante, mas não adianta nada ponto nem o feriadinho, ao menos.
chata você não ter tido férias. Eu tive, mas fiquei por aqui mesmo, sonhando com a Serra do Curral, as cidades históricas, e o festival de inverno.
também morri de vontade de te ver. Te conhecer inteiro.no piquenique ou no cinema.
A gente não se conhece apenas através da palavra. da letra também.
sabe que você tem letra de professor? Parece que você vive escrevendo na lousa, que aí em Minas chamam de quadro-negro.
Quem me contou foi a Malu, lá em Cabo frio. Nós estávamos escrevendo umas coisas na areia e ela disse: “praia é melhor que quadro-negro, porque a água apaga pra gente”
minhas palavras apagadas pela água foram:, Sarney, avião, liquidificador, fila, motor.
As da Malu: ordem, progresso, hepatite, banana.
Naquele dia, como você na penúltima carta, a Malu me desafiou: “vamos brincar com as palavras?”.
eu devia relacionar palavras que me deixassem nervosa, enquanto ela e numeraria as amarelas. Deu no que deu.
Quais são as palavras que te deixam nervoso?.
Voltando a sua letra, sabe que já me acostumei com ela? Com envelope também, é sempre do mesmo tamanho e com os papéis coloridos, do caderno que sua amiga te deu, né?
Como é mesmo o nome dela? Você me disse isso numa carta ou eu sonhei?
Você é doido meu prédio pode estar com meu cartas na mão. Conheço a sua de longe. “essa aí é minha”, adianto. Nunca errei.
No meu prédio moram 68 famílias. Se cada família foi de cinco pessoas, são 340. Se cada pessoa receber uma carta por semana, Já pensou? E se receber duas?
A história do seu vô me emocionou. Você disser que meu amigo gostava particularmente de aviões, você talvez acho que eu estou mentindo. Não estou.
Se eu te dissesse, ainda, que ele foi até piloto, você talvez tenha certeza de que estou exagerando. Não estou.
Os dois devem estar voando por perto.
Olha, Pedro, já que o mundo, por enquanto, continue redondo, não vou te falar sobre meus joelhos.
A gente vai se encontrar, não vai? Bem que, se você não fugisse de mim,já tinha me visto inteira há muito tempo. Desde o dia do sonho com biquíni azul.
Escuta, porque é que você não dá um jeito de aparecer por aqui? Não vai encontrar Serra do Curral nem cidades históricas, mas a gente pode fazer um piquenique no pico dob Jaraguá, por que não? E ainda tem o pátio do colégio e a rua dos Aflitos, no bairro da Liberdade. uma rua que termina numa igreja incrível, só que não conheço ninguém que sabe o nome dela. A gente vai lá e acende uma vela. Tenho duas amigas que vivem fazendo isso, dizem que dá sorte.
Uma delas mora aqui, é a Sônia. A outra, Magda, e daí. Você conhece alguém como esse nome aí?
Se você ficar com saudade das antiguidades mineiras vamos ao Embu, pertinho. Lá tem um antigo convento restaurado a pouco tempo, super bonito e domingo tem feira de artesanato com gentes criativas e interessantes.
Às vezes fico pensando em você e achando que a gente vai acabar se conhecendo numa praia. Mineiro é muito ligado em mar conta aqui tem, viu? E também, Ubatuba, Cananéia.
Cananeia uma palavra bonita, não é? Não me deixe nem um pouco nervosa. Me deixa com saudade.

Ana
São Paulo, 10-08-89