Pedro, meu amor,
quero te dizer que meu pai morreu. Estou triste, cada dia mais ponto penso nele quando estou em casa, na rua, na escola, lanchonete, na fila do banco .
minha mãe chega do trabalho com os olhos vermelhos e o meu irmão procura menos os amigos .
A casa não ficou vazia, mas é como se faltasse um pedaço.
Meu professor disse que a gente se acostuma, que o tempo resolve essas coisas.
meu pai morreu na cadeira de balanço, conversando com a minha mãe falando em eleição. Ele ia votar no Roberto Freire.
um dia, na hora do almoço, disse que estava querendo votar no Covas. Ele riu muito, dizendo: “o Fernando Sabino tem razão, quando diz que o mundo está de cabeça para baixo. Você, com 16 anos e votando pela primeira vez, volta no conservador. E eu, com quase 50, voto no comunista”
Ele se esqueceu de dizer que votava pela primeira vez também. Para Presidente, Claro.
Logo que ele morreu, fiquei pensando em votar no Roberto Freire. No lugar dele, não é, Pedro? Em homenagem a ele.
Mudei de ideia se eu voltar por ele, quem vota por mim?
se ele estiver entre as nuvens, com seu avô e aquele meu amigo, deve estar torcendo para eu votar no Covas para eu conservar meu jeito conservador. talvez mais tarde eu me torne uma revolucionária, quem sabe? Mineiro conta em quem vota? Eu queria saber quem é o seu candidato.
Ontem, na Caixa econômica (minha mãe me pediu para resolver umas coisas lá para ela) , o pessoal começou a reclamar da demora, da fila que não andava, de tudo. Um cara de 50 anos começou a falar mais alto que os outros, como se fizesse um comício.
Disse que o Brasil não tem solução que geração dele recebeu dos pais e avós um país melhor do que o que estamos recebendo. Que aqui existem três raças, todas começadas com M:a dos milionários, que abusam as militares, que controlam, e a dos miseráveis, que sofrem e pagam as contas.
Do lado de dentro do guichê, ou a moça disse que as coisas vão melhorar depois das eleições. Que o Brizola vai ganhar em mudar o país.
Ele disse que admirava a juventude os entusiasmo dela mas que ela não tivesse ilusões. Depois que passasse para o lado de lá, Brizola (ou qualquer outro) mudaria de atitude com tranquilidade com que muda de camisa.
O que você acha?
a última carta é muito bonita ponto de muitas vezes. Se meu pai não tivesse morrido, ele ele mostrar, porque você faz uma espécie de resumo da história da gente, né? e eu andava a fim de falar de você com heliponto principalmente depois que você disse que estava pensando em vir aqui.
tenho saída e entrada no prédio prestando mais atenção nas pessoas uma delas pode ser você. Outro dia, dia de noite, eu voltava da aula de inglês quando vi um cara conversando com o zelador, na portaria. Meu coração disparou. “é ele” , pensei ponto dei uma ajeitada na franja (com a mão), tirei os óculos (já te contei que uso óculos?).
era o namorado de uma garota do 5° andar. Um cara legal, sabe? Se você for parecido com ele, vou gostar.
ah, Pedro, sabe que você me faz bem? Gosto de te escrever, de imaginar. Gosta de falar de mim vírgulas e meus sonhos e medos .
sonho com você, mas ando com medo de você morrer conversando comigo sentado numa cadeira de balanço.
Bobagem, né porque eu tô terrogação não é possível a mesma coisa acontecer duas vezes, quase do mesmo jeito. Além disso, nem sei se algum dia a gente viver junto.
seja como for, acho que ainda vou te escrever muitas cartas. Tenho milhares de troços para te contar.
Quero te falar dos meus amigos, da minha família nas músicas que eu curto, dos livros.
Quase ninguém da idade da gente gosta de ler, né? Somos exceção.
Você já leu um livro chamado Judas o obscuro? Eu ainda não li, mas era um dos preferidos do meu pai ponto aqui em casa tem. Posso te emprestar, um dia. no vôlei tão cedo ponto andei dando uma olhada e achei meio pesado. Não do vocabulário, nada disso. É triste, sabe? Denso demais, tenso demais. Vou dar um tempo.
Prefiro ir ficando com os meus conhecidos: João Ternura, Nunca te vi... Sempre te amei, A vingança do Timão, O apanhador no campo de centeio.O livro maior que eu já li foi minha vida, a biografia do Charles Chaplin. Você já leu? Fiquei fascinada. Tenho mania de biografias pontos já li a da Shirley maclaine, da Agatha Christie, a da Dina Sfat também.
ah, e gosto de diários. Desde aquele da Anne Frank, dos tempos do nazismo, até os dias de hoje, que tem por diárias e de preocupação ecológicas.
Você disse que eu sendo mulher, vasculha com exatidão Salma. Achei isso muito bonito. Tanto que vou vasculhar mais. Quero saber de que jornal você tirou aquela frase: “a esperança é um segredo que se revela no encontro”.
Estou desconfiada que você tirou isso foi de você mesmo, que é meio poeta. E tá sem coragem de dizer.
Outra coisa: gostei do “Ana, meu amor”, mineiramente, no final da carta. Que imaginei vermelho, tímido e que estar perto, te olhando fundo nos olhos e dizendo: “te gosto”.
Te gosto tanto que vou te confessar uma coisa: meu pai foi antes da hora por todos os motivos. Mas principalmente por dois: não ter votado no Roberto Freire, como ele queria, e não ter sabido de você, como eu queria.
Fico te esperando na entrada na saída do prédio. Não sei com que roupa vou Star, porque não sei quando você virá.
também, tudo isso É desnecessário tenho certeza que você vai me conhecer. Acho até que você já me conhece muito tempo.Ternura pra você.
AnaP.S. você disse que convivemos com palavras perigosas: Liberdade, empregos, reformas, dinheiro, amor e AIDS.
Nenhuma delas é tão perigosa quanto à morte.Beijo da
ANA T.
SÃO PAULO, 20-09-89
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Ana e Pedro cartas
Teen Fiction"Oi, Pedro, vou te avisando: você não me conhece. Quem me falou em você foi a Malu, que eu conheci nas últimas férias, em Cabo frio. (...) estou escrevendo, mesmo sem saber se você vai gostar. Se você for responder, te juro vou adorar. Adoro cartas...