Ana, Ana. Sempre Ana
Já estava rascunhando esta carta, quando recebi seu cartão. Faço o seguinte. Deixo esta carta do jeito que está e respondo o cartão quando eu chegar em Peçanha. Você conhece Peçanha? Nem eu. É que os professores do meu colégio estão em greve e meu pai irá até lá fazer um trabalho para a prefeitura. Vou com ele. Ele diz que Peçanha é uma cidade centenária escondida no mapa de Minas. Deve ser uma cidadezinha gostosa e devagar. Depois te conto mais de Peçanha. Quero te escrever de lá.
Quero te dizer, Ana, e não sou misterioso. Não sou de guardar segredos ou inventar histórias é que as coisas acontecem quando tem que acontecer. É só aparecerem as andorinhas-tesouras para gente saber que vai chover. O inhambu-xororó Só canta quando anoitece e clareia o dia. Acho que o mundo deveria ser governado pelos animais. Eles sabem todo da natureza e não haveria poluição nem desmatamento.
Vou tentar responder tudo que me pede, não quero que pense que faço charme ou que sou insinuante. Quero é insinuar.1°· — você me pede para ensina-la no futebol e a gostar do meu Atlético. na verdade não sei como fazer isto. É como ensinar alguém o que é o amor. A propósito, você ama ou já amou alguém? Essas coisas de gostar acontecem sem a gente querer. Agora você não imagina a emoção que me dá quando vejo o time jogando. O meu mundo se transforma. Vira uma bola preta e branca (as cores do Atlético) e bagunça o meu coração. Quando você começar a gostar do galo (símbolo e apelido do Atlético) você vai entender tudo, talvez até o amor. E não vai saber explicar nada. Certo?
2°· —poeta não sou. Gostaria. Uso caneta-tinteiro de verdade. Tem uma Parker 51 que herdei de vô João, e dela não me separam. É o meu terceiro braço.
3°· —sou contraditório. Gosto de ver a tinta da caneta inventando rabiscos no papel. as palavras de desenho surgem lentamente. Mas tenho pressa de viver. Por isso te falei em morte. Tenho medo de não dar conta de tudo o que quero. tenho fome do futuro. Não se preocupe. Doenças não tenho. Só que meus sonhos não cabem em minhas mãos. Espero que nenhum asteroide cai em minha cabeça.
4°· — O " T " de seu nome me deixou encabulado desde a primeira carta. fiz suposições, adivinhações. Pensei até bombagem. Só não tive coragem de escrever essas coisas. Agora conto. Se você não gostar, me perdoa ou xinga, tá?
Esses dias fui a uma discoteca (ainda prefiro samba). 3000 pessoas. Uma zoeira. E no meio das legiões urbanas, Paralamas do sucesso, Titãs, Michael Jackson e A-Ha, mil gatinhas, gurias, garotas.
Aí tentei decifrar o "T" de seu nome. apareceu uma "meninas" de rosto corado, cabelos vermelhos, bonita de doer e a chamei de Ana tomate. Enquanto me enamorava de Ana Tomate surge uma morena de fazer inveja a Iracema de José de Alencar, de dar sede e só poderia se chamar Ana Tutu.
E Ana Tutu passeava nos meus olhos, quando uma gatinha, muito graciosa e formosa, de trança, e sardas, desfila no salão de meus olhos substituindo a Tutu. Era Ana Tetéia.
E naquela indecisão — a Tutu valia mais que a Tomate e menos que a Tetéia? — irrompe, na passarela, uma mulher de vestido azul, que me lembrou seu biquíni. fiquei extasiada e estático diante daquela mulher que mais parecia uma lua quarto crescente e bonita e esguia como uma onça negra. Não tive nenhuma dúvida. Aquela Ana Só podia ser a Ana Tesão.
Apesar da irreverência que seu " T " provocou, fui ao Aníbal Machado: Surpresas e coincidências. A bibliotecaria é sobrinha dele. E contou que a tia também é escritora. A Lúcia Machado de Almeida. Fui no fundo nos parentescos e descobrir que o marido de Lúcia é irmão do Guilherme de Almeida, o seu príncipe dos poetas. Viro um detetive qualquer dia.
Pergunto. Onde se encontra o seu "T" Aníbal? Será que é em Tati, a garota? Preferia que fosse em Duília. Amei a história da viagem aos seios de Duília.
Depois de tudo que do Aníbal, fiquei uma certeza: o Zé Wilker nunca leu os seios de Duília.Pedro (com saudade de seu beijo, por isso tiro novamente a mão do queixo).
P.S. Revelo um segredo. Você começa a fazer parte dos meus projetos. Comprei caquis e guardei um para você. Você gosta de caqui?
Ate
Pedro
Belo Horizonte, 15-5-89
Revisado
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Ana e Pedro cartas
Teen Fiction"Oi, Pedro, vou te avisando: você não me conhece. Quem me falou em você foi a Malu, que eu conheci nas últimas férias, em Cabo frio. (...) estou escrevendo, mesmo sem saber se você vai gostar. Se você for responder, te juro vou adorar. Adoro cartas...