Décima segunda carta - Pedro

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Olá, Ana!

Está carta não tem pé, tampouco terá cabeça. Só não falará de amor. Do pouco um tudo. De tudo um nada.
Me espera a resposta das leréias da última carta. Terei resposta?
Minha constituição está pronta e acabada. É simples. Prática, leve e única. Tem apenas um artigo e é o único: Pedro deve amar Ana acima de qualquer ordem ou progresso.
Inventa uma história. Quatro personagens (contando com o que chegará). Caberá a você terminá-la e dar nome, cor e alma aos personagens.

A —Será que ele vem?
B — (olha para A e não responde)
C — e se não vier?
A — ele prometeu
B — promessa não é dívida.
C — gosta dele de bigode.
A — (olha para C com reprovação) ele nunca usou bigode.
B — O bigode suja a cara.
C — ele de bigode fica lindo. Parece com Omar Sharif.
A— Se ele vier de bigode não olho para sua cara (a cara dele)
B — Não se preocupe. Provavelmente não virá.
C — Ele vem e vem de bigode . Tenho muita certeza. Até sonhei com o Omar Sharif.
A — você sonha demais.
B — sonhar é bom. Uma vez sonhei que meu quarto pegou fogo. Já estava sufocada quando eu chegar um bombeiro grandão e me salvou.
C — O bombeiro tinha um bigodão?
A — Ele já está atrasado.
B — Não me lembro se o bombeiro tinha um bigodinho ou bigodão.
C — Faz força que o sonho reaparece. Quero bombeiro com bigodão.
A — Da última vez esperamos horas e horas e ele nem telefonou
B — Já estou lembrando, o bombeiro não tinha nem bigodinho nem bigodão. Aliás nem era bombeiro, era uma bombeira.
C — Ah!
A — Mas virá hoje. Não ganharemos bolo.
B — Adoro bolo com creme de chantilly.
C — se vier sem bigode, não recebo.
A — ...

(Senhoras e senhores, o espetáculo continuará sob a batuta da muito querida e formosa Ana T. Não percam o próximo capítulo de  A visita. Fica uma pergunta: Será que ele vem?)

De Sting, Raoni, Sabiás e Curiós vem a moda. O hoje agora. Melhor ULTRAJE A RIGOR Será que tava de tacape, farofa de Formiga aipim, tabaco e cocar. Tudo isso na cor verde desbotada. E quando eu morrer pedirei a papai do céu para passar a semana no céu e o fim-de-semana no inferno.
Ana T. T de Ana. Teana. não conheço mar. Montanha. Domingo na Serra do Curral (esta Serra ainda circunda a minha Belô — as multinacionais estão doidas para acabar com ela e com a cidade) fizemos um piquenique.
Um convescote. Convescote? Apesar da palavra, foi legal. Legalíssimo. Mar não há. Ar de montanha é fundo de mar. É escasso. Pouco. Senti-me náufrago. Afogado no pó de minério. Mergulhei nas suas ondulações. Montanha há. Mistério e silêncio. Pensamento voou. Qual gavião. Buscando as grimpas, as nuvens. Mergulhei no seu mar. No seu ar. E lá e cá estava você no meu convescote (Argh!) Rindo, comendo sanduelo elo de mortandiche, dizendo que gosta de Cae e Pink Floyd. Tempão de conversa. Cara-a-cara. tirei as mãos do queijo, digo queixo. Mas você não tirou. Quase um beijo. Tudo para depois. E depois?
Mulher. Moça. Menina. Montanha vira mar. Sol. Sal.
Um pedaço de mulher que cabe no biquíni azul lá no Cabo Frio. Noite. Agora é tudo igual: mar, montanha.
Brasil vota Presidente. Eu voto. Você volta? Não quero jogar meu voto fora. Quero um presidente com a mistura do tatu-bola, onça-pintada, coruja olho de águia, tamanduá, lobo-guará, Cascavel e carcará. E a China? olhos apertados, cabelos lisos, praça celestial, tanques, tanques, soldados, soldado, soldados, soldados.
Em nome da Liberdade mata-se muita gente. AIDS, amor, sexo. Até de amor se morre. Paixão. Paz. Você morreria?
Só saudade. Sol. Montanha. Mar.
Com as mãos livres e soltas

Um
                      Beijão do

Pedro
Beagá, 29/06/89

P.S. Sabe que dia é hoje?

Ana e Pedro cartasOnde histórias criam vida. Descubra agora