Décima quarta carta - Pedro

49 3 0
                                    

Querida Ana T.

Faz tempo que não te escrevo. Não tivemos férias. Os professores fizeram greve e agora estamos correndo atrás do prejuízo. Isso é justo? Sei que não ponto neste Brasil todo saem perdendo. Todos, não. Os que provocam os baixos salários não. Será que estou certo? A única certeza que tenho é que morri de vontade de te ver. Melhor. Te conhecer por inteira. Te conheço através da palavra ponto e palavra não tem corpo. Ou tem? Estou sempre perguntando e nunca respondendo. Sou de natureza inquiridora, daí as dúvidas e dívidas.
estou te devendo uma palavra pela morte de seu amigo. Mãe e amigo deveriam ser mortais. Já que são eternos. E o que é a morte? É o fim de tudo? Vou te contar uma história verdadeira: vovó me levava para ver os aviões. As tardes eram bonitas e os aviões, passarinhos em gaiolas. Um dia vovó não veio. no outro não apareceu ponto passou uma semana ponto passaram duas ponto mas todas as tardes ia para esquina esperar o vovô e os aviões. Um dia, em vez de vovô, apareceu mamãe, que foi logo falando: “levo você para ver os aviões, vovó não vem mais. Vovô morreu”. “E por que não me contaram antes?” “queríamos te poupar”, falou minha mãe chorando. Aí chorei também. Para mim controlar ela disse que vovô hoje é um avião que se esconde atrás da Lua. Até hoje vou a esquina esperando que a lua traga vovô de volta. Hoje sei que os aviões nunca fugiram da gaiola e que atrás da lua não há aviões.
e seu amigo gostava de aviões? Se gostava deve estar passeando com vovô no outro lado da Lua. Façamos um trato: É espero vovô e você espera um amigo. Um dia eles aparecem. Esperemos.
agora, quando Nara morreu, para pai e suspirou e deixou escapar uma frase que fez ciúmes em Mamãe: “Nara morre e com ela os mais belos joelhos da música popular brasileira”. Engraçado alguém achar joelho bonito. E os seus? São como os de Nara?
Sei que estamos vivos e Isso é ótimo. Sei que o mundo é redondo e nas voltas que ele dá poderemos nos encontrar. e como será esse encontro? Será que haverá esse encontro? Perguntas, perguntas, perguntas. Hoje estou perguntador. E nas perguntas que eu faço, Só há uma resposta, que se chama saudade.

Beijos

Pedro
Belô, 8/8/89

Ana e Pedro cartasOnde histórias criam vida. Descubra agora