O herdeiro negro

Catorze

As irmãs de Jasper chegariam naquele dia, então a prova da semana foi adiada. Os pais de Emory pareciam calmos demais devido a nossa situação, arriscando uma preciosa semana apenas para receber bem as irmãs de um dos príncipes. Era manhã, e eu estava especialmente animada para meu café da manhã, porque seria uma manhã de chá com Jasper. Uma semana se passou desde a prova em que ele ganhou, mas nos distanciamos apesar dos muito momentos em que passamos juntos. A cada jantar Jasper parecia cada vez mais distante, a cabeça focada em planos de guerra e estratégias que planejava ao lado de Zander. Depois do terceiro café da manhã que ele perdeu comigo, eu decidi que também usaria meu tempo para algo além de ler livros inúteis de história romântica. Insisti com Lúcios para que ele me treinasse. Então assim, matei minha curiosidade sobre o garoto enquanto reforçava minhas defesas e ataques. Afinal, eu também lutaria, não serviria apenas de reprodutora da possível melhor combinação de poderes.

Mas mesmo com as fugas de Jasper de nossos compromissos, eu havia preparado um café da manhã extremamente especial. Pedi ajuda para Nanni e Buni, e juntas estendemos um pano no centro do jardim real, organizei uma certa com bolos e bolachas, frutas e sucos e algumas tortas. Eu já estava sentada no chão de pernas cruzadas com um sorriso estampado no rosto quando Jasper chegou. Atrasado. Mas eu não me importei muito, porque pelo menos ele estava ali. Me levantei e joguei meus braços ao redor de seu pescoço, feliz pelo toque que senti tanta falta.

— Oi

Me afastei o suficiente para segurar seu rosto com as mãos quando as suas se firmaram em minha cintura.

— Kali, me desculpa mesmo mas... eu só vim pra te avisar que não vou poder ficar muito.

Franzi o cenho tentando controlar a cara de decepção. Levei um bom tempo pra preparar tudo, levantei antes do alvorecer para que desse tempo... mas era por uma boa causa certo?  Ajudar os outros príncipes a montar uma estratégia e vários planos reserva era o que garantia nossas vidas. Mas eu ainda me perguntava como Lúcios tinha tanto tempo para treinos e passeios mesmo ajudando como Jasper. Afastei o pensamento traiçoeiro com um aceno de cabeça positivo.

— Me desculpa mesmo.

Jasper me soltou e se agachou para pegar uma das pequenas tortas salgadas antes de depositar um beijo em minha testa e sair apressado. Suas espadas batiam na lateral do corpo devido ao movimento apressado, e por alguns segundos fiquei apenas observando o movimento com palavras não ditas ardendo na garganta. Observei até que o príncipe entrasse no castelo e não saísse mais. Derrotada e abatida, me permiti deslizar até onde meu suposto piquenique romântico estava, me contentando em decorar as guloseimas sozinha. Quanto faltava um pouco mais da metade para acabar com tudo, meu estômago começou a doer. Talvez comida excessiva não fosse uma boa ideia. Mas a raiva me fez comer ainda mais.

— Você com certeza é a princesa menos princesa que eu conheço.

Finn cantarola ao meu lado, antes de se aproximar devagar como um felino perfeito. Ele se senta graciosamente, mordendo um pedaço de bolo que eu segurava, mastigando impossivelmente bonito.

— Não sei como ainda tinha alguma dúvida sobre isso.

Solto uma gargalhada fraca quando o príncipe tenta alcançar o glacê preso em seu queixo e falha. Ele desiste e usa os dedos, mas em vez de limpá-los, passa em meu nariz.

— Ei!

Me viro para outra fatia de bolo buscando vingança, mas ele é mais rápido, já pegou outra fatia e se prepara para me sujar. Ignorando a pouca postura que as pessoas naquele castelo pensavam que eu tinha, mergulho em sua brincadeira, e passamos a manhã arfando e correndo um atrás do outro com as mãos sujas de glacê. Quando não restam mais coberturas e nem recheio, nos jogamos no chão exaustos e extremamente sujos, um sorriso bobo insistente em nossos lábios.

— Chegou uma carta do meu pai pra mim hoje.

Fechei os olhos deixando que o sol queimasse minha pele. Senti as bochechas formigarem enquanto o príncipe engolia em seco algumas vezes.

— Aparentemente não houve sinais do herdeiro negro em lugar algum. Ele contatou a rainha de Rithan também, e ela disse o mesmo. Segundo nossos espiões Kibtaysh já foi deixada pelos invasores, então é relativamente seguro que seu pai volte para lá.

— E Orn?

A ideia de meu pai voltar para casa, era música para meus ouvidos. Ele estava em Elliwe tempo demais, nosso povo precisava dele. Mas a chance de Orn estar tão perto, o homem que mandou matar minha mãe...

— O engraçado de Orn... é que não houve nenhum ataque grave as fontes deles. Seja lá quem for esse cara, ele não quer destruir Orn, porque provavelmente veio de lá.

Mas estatisticamente falando, os ataques haviam diminuído consideravelmente desde que nos movemos para Elliwe. Agora eles se resumiam em pequenos assaltos para roubar mantimentos, nada de matar a natureza sem motivo. O que me fazia pensar...

— O herdeiro negro está entre nós, e isso está mais claro do que nunca.

Finn se deitou de lado para me observar curioso. Os raios de sol batiam em seu cabelo igualmente dourado, lançando o brilho por toda a parte. Era como se ele fosse um segundo sol humano, os olhos de safira brilhando a cada movimento. Hipnotizante e lindo.

— Eu acho que você tem razão.

O príncipe mordeu o lábio inferior enquanto formava alguns pensamentos. Passei distraidamente os dedos pela grama fresca fora do tecido, até eles toparem com algo duro que me fez parar o movimento. Com a curiosidade atiçada, me sentei para analisar o objeto mais de perto.

Uma ponta mais como uma curva despontava do chão, pequena como a ponta do meu dedão. Usei as unhas para cavar ao redor dela, sem me importar com a terra que se cravava nelas. Quando já era possível puxar o objeto, eu o fiz, revelando uma pequena chave de metal escura pela ferrugem. Finn olhava para o objeto com as sobrancelhas franzidas enquanto eu o girava nos dedos. Tinha o tamanho de uma chave normal, mas na parte de cima tinha um símbolo cravado. Leões cuspidores de fogo, o símbolo de Kibtaysh.