Desesseis

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Não sei em que momento Edwin passou de me seguir para me guiar. Só sei que em alguns minutos eu é que estava no quarto dele, com Emory lá. Mas eu não questionei pois ele disse "conte a ela" assim que entramos. Pelo jeito eles eram muito mais próximos que a mãe de Emory deixou transparecer da última vez em que... eu suspeitei que eles tivessem um caso. Mas a forma que eles se olhavam.... pareciam mais irmãos do que amantes.

— Você tem certeza? Sabe que não tem volta.

Deixei meus saltos em um canto do quarto antes de Edwin me puxar para a cama enquanto respondia para Emory que já nos esperava lá:

— Ela tem o direito de saber já que está se envolvendo com os dois. Eles tinham a obrigação de contar, mas não acho que nenhum seria totalmente justo. Nem eu. Só você pode contar tudo.

A princesa respirou fundo e cruzou as pernas abaixo do lençol branco. Reparei que ela estava pronta para dormir quando chegamos. E subitamente senti falta de dormir perto de Edwin. Não pelos motivos ocasionais que garotas queriam dormir com garotos, mas... eu senti falta da segurança que emanava dele, das risadas que me acalmavam tanto. Como nas vezes em que Kai e eu passávamos noites juntos. Antes de... tudo aquilo.

— Certo. Aqui vamos nós... alguns anos atrás, graças às guerras sem sentido por terra e poder, Orn e Rithan eram inimigos mortais. Eles resolveram que uma reunião entre os reis resolveria, mas precisavam de um território neutro, então escolheram Elliwe. Então foi marcada a data, mas demorou mais do que esperávamos, então todos os filhos dos Reis passaram muito tempo juntos. Jeanna e Jannet se aproximaram muito de Lúcios, mas ele só via as duas como amigas, pois ainda estava em luto pela morte de sua amada.

Edwin já roía as unhas de nervosismo quando o olhei de relance. Minha ansiedade palpitava dentro de mim, mesmo que tudo já estivesse ao meu alcance. As respostas.

— Mas Jeanna se apaixonou por ele. Ele amava de verdade as duas, com amizade mas... Jeanna não aceitou muito bem isso. Ela insistiu por algum tempo mas como ele não cedeu, ela partiu pra outra estratégia. — Edwin parecia se contorcer cada vez mais ao meu lado— Ela seduziu Edwin mesmo sabendo que Jannet era apaixonada por ele. Ela o conquistou e fez ele prometer céus e o mundo pra ela enquanto ainda era amiga de Lúcios. Nenhum dos dois imaginava o que ela faria. Até o dia em que Lúcios entrou no próprio quarto e... ela estava nua na cama dele. E... Edwin estava com ele. Ela não esperava que os irmãos entrassem juntos, por isso fez parecer com que Lúcios havia mandado ela esperar ele lá. Mas Edwin... bom, ele não escutou os apelos do irmão e atacou. Mas o ataque de Edwin não era totalmente direcionado para Lúcios, então parte do poder de seu pai acabou... "vazando" . Foi quando ele mudou de personalidade, e Lúcios teve que suprimir o poder sozinho enquanto tentava apagar o irmão. Se Lúcios fosse uma grama menos forte, teria morrido. E o resto do castelo também.

Edwin parecia vermelho. De vergonha, ou raiva de si mesmo. Provavelmente os dois. Corri minha mão pelo lençol até a sua, e a apertei, indicando o quanto entendia. Mas mesmo assim grata pela força de Lúcios.

— Mas quando Jasper escutou o que eu disse, ele só assimilou a parte em que sua irmã estava nua na cama de Lúcios. E como ele sempre foi... superprotetor, a primeira coisa que fez foi correr até o quarto de Lúcios, onde Edwin esperava o irmão inconsciente acordar depois de quase esgotar seus poderes contendo sua personalidade. Eu corri atrás, mas só cheguei a tempo de ver Edwin ter que sufocar Jasper. Lúcios estava sangrando na própria cama, ainda desacordado. Jasper tinha espancado o garoto desmaiado, tentou matá-lo com as próprias mãos. Ele só parou quando os gritos atraíram a atenção de Jannet, que se colocou entre os dois e fez Jasper recobrar a razão. De certa forma... a personalidade dele também muda quando ele quer. Bom... depois disso, depois da quebra de confiança entre Edwin e Lúcios... ele nunca mais foi o mesmo. Nenhum dos dois.

Fiquei um tempo remoendo as informações. Finalmente entendi o olhar assustado de Edwin no dia em que vi os irmãos juntos pela primeira vez. Não era medo, era vergonha de si mesmo, dos próprios atos. Entendi que a rivalidade entre Jasper e Lúcios era muito mais que a simples competição. Entendi o porque de Jeanna me odiar tanto a primeira vista, porque eu tinha a atenção de um homem que ela amou, um homem que eu pensei ser um monstro. Entendi também a máscara de garoto mau que Lúcios exibia. Afinal, cada um tinha uma forma de mascarar suas cicatrizes, e eu via claramente nos garotos ao meu redor. Para Jasper, a superproteção, para Edwin, a felicidade e animação em qualquer situação. Para Lúcios, a máscara de um cretino. Para Finn, seja lá as cicatrizes que ele carregava, sua máscara era a da indiferença. Garotos tão lindos, mas tão quebrados. Eu queria do fundo do meu coração remendar cada um, assisti-los superando seus traumas e ajudá-los com cada pedaço de força que eu tinha. Mas... eu ainda não sabia como. E não podia me meter no assunto deles como se estivesse lá. Só podia impedir que acontecesse de novo, porque dessa vez eu estava lá.

Naquela noite, eu desisti de todas as barreiras que havia erguido contra Lúcios, desisti dos pensamentos ruins que ainda sustentava sobre ele e apenas... caminhei . Caminhei com os saltos balançando nas minhas mãos sem saber onde parar. Caminhei pelo corredor que compartilhávamos e ultrapassei a porta do meu quarto. Depois outra e outra. Não sabia como, mas eu sabia que nenhuma daquelas era a porta de Lúcios. Então continuei andando. Minhas solas do pé estalando contra o piso liso e brilhante recém-limpo. Andei e andei, os olhos semicerrando para me acostumar com a escuridão, abraçada apenas por algumas velas. Continuei a andar até... sentir seu cheiro. E aquele cheiro era tão forte, tão intenso... que parei exatamente onde ele ficava mais forte. Na frente de uma porta. Duas batidas firmes, e então ela foi aberta, revelando o homem mais lindo que eu havia visto na vida. Era Lúcios, despido da cintura para cima, o cabelo negro bagunçado e os olhos confusos. Ele abriu a boca, mas algo em meus olhos o fez parar. Entendimento. Naquele momento, ele entendeu que eu sabia de tudo, que o entendia. Então eu entrei naquele quarto escuro e enorme, banhado em seu cheiro e repleto de provocações que eu mesma criei mentalmente. Ele fechou a porta atrás de si, um pouco nervoso, então eu comecei:

— Você me deixou pensar que era uma má pessoa.

O herdeiro negroOnde histórias criam vida. Descubra agora