Vinte e um

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Ando de um lado para o outro no salão de reuniões, todos os herdeiros reunidos me observando com os olhos cautelosos. Menos Zander e Edwin. O resto se encolheu quando os chamei, provavelmente cientes da raiva que fulminava em mim. Minhas sapatilhas machucam meus pés, assam meus calcanhares mas eu não paro de andar. Porque sei que se parar, minhas forças serão concentradas em um soco na cara de alguém. Emory finalmente entra pelo salão, indicando que os guardas já estão longe, então nossa conversa é segura.

— Relatório.

Uma palavra. É o suficiente para que Vlad comece a falar:

— Você não estava em nossa luta, mas assim que começou, as pupilas de Owen de dilataram e viraram carmesim, depois voltaram a ser negras. Após isso eu não faço ideia do que aconteceu, é como um branco na memória.

— Depois disso, — Owen se adianta— as suas pupilas ficaram vermelhas. E você atacou. Estava tão descontrolado quanto Kai, então percebi que aquele combate não valia minha vida e me rendi. Mas você continuou atacando, e eu fugi por um tempo. Só que eu me cansei e não queria te machucar. Sai da arena mesmo com as vaias do público.

Trinquei o maxilar tentando conter a raiva que me consumia. Pessoas fúteis, loucas por ver sangue, desde que não fosse deles. Paro de andar quando Lúcios se coloca de joelhos na minha frente e começa a puxar um dos meus tornozelos. Eu não protesto quando ele retira uma sapatilha, e depois outra, mesmo com olhares estranhos sobre nós. Um filete de sangue escorre da parte de trás do meu pé até meu calcanhar, duas feridas tomam forma de cada lado. Lúcios pega as sapatilhas como se fossem troféus, as agarra junto ao peito esperando que eu continue, ignorando todos envolta. Meu olhar corre até Jasper, que ainda mantém a máscara da luta no lugar, os olhos pregados no chão.

— Quem estava sendo controlado na luta de vocês?

Eu já sei a resposta, mas quero ouvir dele. Quero que ele se sinta arrependido, não por ter atacado Lúcios, mas por ter colocado a própria vida em perigo. Porque eu tinha uma teoria.

— Eu estava. Mas teria lutado para matar de qualquer forma.

Lúcios solta uma risadinha irônica antes de dizer com a voz zombeteira:

— Não teria conseguido de qualquer forma.

Jasper desgruda da parede em que se recostava e avança contra Lúcios, que permanece ao meu lado com os braços cruzados, o olhar afiado de desafio brilhando com malícia. Eu me interponho entre os dois, fazendo Jasper parar bruscamente com uma sobrancelha levantada.

— Está defendendo o demônio?

Jasper me olha com nojo, como se sequer tivesse o direito. O sangue me sobe a cabeça e o esforço de me controlar quase se torna em vão. Sinto que falta muito pouco para o fio da paciência dentro de mim se estourar, muito pouco para que eu soque o rosto lindo de Jasper na minha frente.

— Quando terminarmos, você pode apanhar o quanto quiser de Lúcios. Mas enquanto eu falar, enquanto essa reunião durar, você vai ficar longe dele e manter suas emoções para você. Tá me entendendo?

Meu nariz roça o seu, fazendo-me sentir o calor do toque mesmo através da máscara. Mas o tecido não é o único que me impede de beija-lo, eu percebo que simplesmente não quero. Me cansei desses jogos e decidi que não faz diferença o que eu quero, ou com quem meu coração se acelera mais. Reivindicarei o príncipe mais forte, independente de tudo.

— O que sabemos, é que um participante em cada rodada estava sendo controlado. Mas como eram escolhidos?

Emory questiona se recostando contra a mesa, a qual nenhum de nós optou por se sentar. Owen mordisca a ponta do dedo nervoso antes de analisar:

— Não deve ser uma questão de força física, porque Zander é nitidamente mais forte que Kai.

— Tenho uma teoria. — todos olham para mim curiosos esperando que eu continue — Eu acho que a pessoa que controla é o herdeiro negro. E não acaba por aí....

— O que te faz pensar isso?

Kai interrompe com uma sobrancelha levantada em desafio, conheço bem essa expressão mas me volto para todos quando explico:

— Só sabemos de uma parte dos poderes dele. E nunca foi levado ao limite, sempre fugiu disso. Não temos ideia do que ele pode fazer, mas não acho que mais alguém seria capaz de algo assim. Mas, apesar de abrangentes seus poderes também são limitados. Da pra ver porque nem todas as lutas, foi o controlado que ganhou. Ele também é humano, também se cansa assim como sua magia. Eu acho, que ele tentou possuir Owen mas não conseguiu. Mas conseguiu com Vlad, Kai, Jasper e Edwin.

Vlad exala, se encolhe e depois observa a janela. Ninguém diz nada por um tempo, até que Edwin encara o irmão preocupado. Me adianto quando um pensamento novo se forma em minha mente:

— Edwin, o que pensou assim que entrou na arena?

Ele hesita por alguns instantes, mas cede dizendo com os ombros caídos:

— Eu estava com medo. Finn era muito habilidoso, e depois das lutas anteriores... pensei que não tinha chance.

Me viro para Owen, porque falar com Kai é inútil já que sei o que ele sentia. Suas emoções reverberam pelos meus ossos, uma ligação letal que temos desde bebês.

— E você?

Owen me encara confuso, formando uma linha fina em sua testa de preocupação, mas também cede:

— Nada. Eu estava tranquilo.

— Vlad?

— Eu estava com medo de machucar Owen.

Me viro bruscamente para Jasper, que não tira os olhos azul brilhantes de mim. Sua expressão aparece impassível, mas sei que seu coração está acelerado. Parte de mim quer perdoa-lo, quer esquecer tudo e fingir que ainda somos dois adolescentes apaixonados abraçados debaixo de cobertores rosa. Mas depois de tudo o que aconteceu... não sei se é com ele que quero estar enrolada debaixo dos cobertores.

— Eu estava com raiva. Não, ódio. Queria destruir Lúcios, usar a competição para tirar dele qualquer chance de tomar você de mim.

Meu coração retumba dentro do corpo, conforme eu solto as informações, ignorando que qualquer um deles pode ser o herdeiro negro, ignorando que qualquer um pode nos trair a qualquer momento.

— Zander não estava preocupado porque tem uma vasta fama em combate, Owen , que é conhecido por ter grandes picos de emoção não conseguiu ser domado porque pela primeira vez, não sentiu nada. Finn sempre calmo, frio e calculista, raramente tem suas emoções transparecidas. Em compensação Edwin.... Lúcios, apesar da carnificina, sempre foi convencido e confiante — escuto um "ei" vindo do príncipe negro, mas continuo a falar— então não tinha emoções quando entrou naquela arena. O que me leva a seguinte conclusão:

Todos os príncipes arfam, ansiosos com o fim da minha frase, com a conclusão que Emory provavelmente já percebeu. Ela analisa as unhas sorrindo com um ar de triunfo, piscando um olho pra mim quando eu declaro em toda a minha momentânea sabedoria:

— O herdeiro negro não se alimenta só de nossos poderes, como usa nossas emoções para nos controlar. E quem quer que ele seja... sabe o suficiente de nós para tentar controlar Owen antes de Vlad.

Finn suspira e Edwin enterra a cabeça nas mãos, faixas brancas e ataduras envolvem boa parte dos músculos de ambos os príncipes, na perna de um e no ombro de outro. Observo cada um dos garotos, que pressionam pedras de gelo envolvidas em pano em algum lugar do corpo, ou mantém a mão em algumas gaúchas ensangüentadas. Uma carnificina, que teria terminado pior se não fosse a regra contra poderes.

— Como podemos lutar contra isso?

Vlad finalmente solta o pensamento que inunda cada um de nós por completo, os olhos buscando os meus em desespero. Mas eu não tinha a resposta. A partir dali, precisava seguir sozinha. E já tinha três suspeitos em minha mira.

O herdeiro negroOnde histórias criam vida. Descubra agora