Desenove

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Kai e Zander, Finn e Edwin. Depois Owen e Vladmir, e Lúcios e Jasper. Esse era o placar. Os dois primeiros entraram no ringue, o tecido negro dos uniformes colado ao corpo delineando cada curva, deixando pouco espaço para a imaginação. Zander carregava uma lança enquanto Kai usava espadas gêmeas. Era assim que lutávamos melhor, os gêmeos das espadas gêmeas. Nunca conseguimos derrotar um ao outro, então nossos irmãos sempre declaravam que éramos igualmente letais. Mas Zander era... praticamente um deus na arena. Sua fama era notória, não só por Kibtaysh mas por todo o país Dourado. Ele era bom com lanças, espadas ou até escudos, com qualquer tipo de arma que se possa imaginar. Ou qualquer objeto à sua disposição. Mas o que fazia todos se impressionarem... era o quanto ele era bom apenas com as mãos. Zander era puro ferro, seus poderes não eram muletas mas sim catapultas. Ele não precisava deles, só os usava para não perder a prática. Resumindo, o racional seria que ele ganhasse de Kai. Só por ser seu oponente direto meu gêmeo deveria estar tremendo, como já havia acontecido antes, mas ... Kai encarou Zander com um sorriso debochado, e então se aproximou. Mas Zander não se moveu. Ele ficou parado, mesmo quando Kai levantou sua espada e a cravou na perna do guerreiro. Um grito escapou por sua garganta, e esse foi seu único movimento. Olhei envolta, mas ninguém pareceu notar a estranheza da situação. Todos observavam enquanto Kai rodeava o irmão ajoelhado de dor, sangue carmesim jorrando pela ferida recém-aberta. Contive a imensa vontade de me levantar e correr na direção da arena. Não sei o que me motivaria mais: ajudar Zander ou socar Kai. Ele continuou a rodear Zander até que ele caísse no chão, pálido como no dia em que Edwin havia o esfaqueado. Com a faca já fora de sua carne, o sangue se espalhava rapidamente pelo chão terroso da arena, causando arrepios na minha espinha. E então eu me dei conta de que... Kai não estava rápido demais como as pessoas ao meu redor provavelmente pensavam. Zander é que esta lento.

— Pare! Vai matá-lo!

Joguei meu corpo contra a varanda que nos erguia para a arena, fincando as unhas na madeira como se o movimento pudesse deixar minha súplica mais válida. Mas nenhum deles sequer olhou em minha direção.

— ZANDER! RENDA-SE!

Esperneei quando dois guardas me puxaram de volta ao meu lugar. Ao inferno a apresentação, eu colocaria tudo em chamas se meu irmão morresse por essa competição idiota. O sangue já me subia à cabeça, minha visão só enxergava vermelho. Mil maneiras diferentes de defender meu irmão inundavam minha mente de uma vez só. Então quando Kai derrubou Zander no chão, e começou a chuta-lo, eu me desvencilhei dos guardas e corri. Corri para fora do lugar reservado para mim e Emory, corri por entre os braços esticados dos sentinelas que insistiam em tentar me capturar. Desviei de todos sem parar de correr por nenhum segundo. Quando consegui ultrapassar os corredores que ligavam os assentos ao lugar onde os lutadores ficavam, não me importei em nocautear alguns guardas para passar. Em uma sala apertada, os outros garotos esperavam. Quando me viram, pareciam ter visto um fantasma. A porta direita, eu sabia que me levava até a arena. Então voltei a correr, corri com minha vida, mas não foi o suficiente. Porque Owen era mais rápido... sempre foi.

— ELE VAI MORRER!

Eu já não me importava com a garganta dolorida, gritava mesmo com a sensação de cacos de vidro em meus pulmões. Owen me segurava, apertava meu corpo contra o seu em forma de abraço, prendendo meus dois braços.

— Me solta, me solta, me solta!

Me chacoalhei até meu corpo inteiro doer e parecer inútil, mas Owen continuava me segurando. A porta foi aberta por um guarda, então eu pude ver o momento em que Kai pisou na cabeça de Zander com mais força do que uma pessoa normal seria capaz de aguentar. Mas Zander aguentou. Zander levantou uma das mãos ensanguenta em forma de rendição. Mas Kai... não parou. Kai se sentou sobre o corpo quase inerte de Zander e passou a soca-lo. Como se percebesse a situação só naquele momento, Owen me solta, e eu volto a correr. Quando já estou a meio metro de meu gêmeo, a sensação de paralisia me invade. Mas ele ainda não me viu. E como lutar debaixo da água, é como as vezes em que Zander teve que me tirar do jantar porque eu não conseguia me mexer. Mas ele era quem precisava de mim naquele momento, e eu não podia decepciona-lo. Não mais. Então reuni todas as forças que me restavam e quebrei a paralisia. Forcei os músculos até que se acostumassem com os movimentos, até que se tornassem rápidos o suficiente. Então lancei o punho fechado na direção do nariz de Kai, e senti o osso se partindo em minhas mãos. Ele foi jogado para longe, e eu aproveitei a deixa para puxar o corpo de Zander contra o meu. Ele gemeu de dor, sua coxa perfurada nos envolvendo em uma poça de sangue grudento. Rasguei a borda do meu vestido sem me importar com o tecido caro ou com as pessoas olhando, e a enfiei na garganta de Zander enquanto me preparava para cauterizar a ferida. Pelo canto do olho, percebi que Kai se levantava, mas Owen e Vlad já estavam lá para segura-lo. Então estendi o dedo e comecei.

"Não é sobre poder, é sobre controle." Me lembrei de todas as vezes em que Arlo havia usado essa frase comigo. Em pensar que agora meu irmão havia me traído... não me permiti digerir tudo sobre aquela batalha insana, me concentrando na ferida em minhas mãos, metade se foi. Então as mãos gentis da rainha tocaram meus ombros com carinho.

— Os curandeiros chegaram querida. Pode se afastar?

Me arrastei pelo chão terroso dando espaço para o homem que chegou com duas mulheres não muito mais novas que eu, sangue manchando minha pele. Desviei o olhar para o resto de meus irmãos que já entrava na sala de novo, os seguindo logo depois.

— Você tá ficando louco? Ele se rendeu? Qual é seu problema?

Vlad, que era pelo menos um palmo mais alto que Kai, parecia ainda maior enquanto prensava Kai contra a parede, lançando palavras inutilmente contra Kai, que apenas o olhava inexpressivo.

— O que foi aquilo? Por que fez aquilo?

Me ouvi dizer, a voz rouca e machucada, lágrimas quentes de decoração. Kai não me olhou, não olhou para nenhum de nós quando respondeu:

— Ele mandou.

Então como se não fosse nada, Kai deu um leve empurrão em Vlad, que cambaleou para trás abrindo espaço para que meu gêmeo sumisse para o corredor. Encaramos atordoados o vazio deixado por nosso irmão, não só na sala mas no peito. Kai estava vazio também.

O herdeiro negroOnde histórias criam vida. Descubra agora