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Marjorie Mildred

     Morar em Gracefall não podia ser tão ruim assim. Não sabia por que exatamente havíamos nos mudado para cá. Talvez fosse a necessidade de meu pai de caçar renas e lebres durante temporadas glaciais. Eu não concordava com a caça. Sempre que ele tentava fazer cachecóis ou botas para mim com a densa camada de pelos de animais, meu estômago se revirava. A verdade era que eu sentia falta de Vancouver. Mas meu pai estava animado nos últimos dias — como nunca tinha o visto desde que minha mãe havia falecido (há cinco anos atrás) — que parecia errado eu não me sentir feliz também.

Então sempre que ele chegava em nossa nova casa (um chalé pequeno e aconchegante próximo das montanhas) e me dizia sobre como estava se adaptando bem ao frio ou me contava o quanto estava adorando seu novo trabalho em uma indústria que distribuía lenha para comércios, eu me forçava a parecer entusiasmada. Dava sorrisos complacentes e ouvia com atenção. Embora meu pai fosse ótimo, ele não era tão bom em perceber as coisas ao seu redor. Ele provavelmente se sentiria culpado se eu mostrasse que estava entediada abertamente.

Foi difícil me adaptar na primeira semana porque eu estava acostumada com as tardes ensolaradas com sol a pino de Vancouver. Eu costumava correr pela manhã, mas tudo o que eu queria fazer em Gracefall era me entupir de marshmallows e tomar canecas de chocolate quente enquanto estivesse enrolada em diversos cobertores para suprir a necessidade que eu tinha por calor. Quando minhas aulas estavam se aproximando, finalmente ousei sair de minha bolha antissocial e parei de ficar enjaulada entre as quatro paredes cor de creme do meu quarto.

Vesti um suéter vermelho e cobri meu pescoço com um cachecol felpudo. Calcei Uggs e uma jeans justa. O clima estava um pouco menos agressivo e eu torcia para que a minha escolha de roupas fosse o suficiente. Depois de uma checada em meus cabelos enrolados, dei o primeiro passo para fora da soleira. Os pinheiros estavam cobertos parcialmente por uma fina camada de neve. Havia poças de água sobre o chão e os cristais empoleirados nos galhos das árvores estavam derretendo, anunciando a breve chegada do verão.

Meu pai estava cortando pedaços de lenha com um machado a poucos metros de distância, próximo à floresta de coníferas. Seus olhos suaves encontraram os meus e ele pareceu extremamente surpreso ao notar que eu finalmente havia saído de casa. Indiquei a picape parada próxima à varanda com um aceno de cabeça.

— Posso dar uma volta? Estou a fim de conhecer a cidade.

Ele acenou positivamente, parecendo apreciar a ideia.

— Estava começando a ficar preocupado, Jorie. Você não saía daquele quarto.

Pisquei rapidamente, escondendo a surpresa. Uau, Gracefall realmente tinha feito bem a ele, eu havia pensando que ele não desconfiaria de nada. Havia um brilho de hesitação em seus olhos  enquanto eles esquadrinhavam meu rosto meticulosamente. Eu apenas sorri um pouco, tirando uma mecha de cabelo escuro que caía sobre minha visão.

— Não se preocupe, pai. O senhor sabe que tem dias em que prefiro ficar em casa lendo livros e assistindo algum filme. Não é como se fosse o fim do mundo.

— Para alguns estudos, é preocupante sim — ele rebateu-me, ainda parecendo desconfiado.

Mexi os ombros, desconfortável com seu novo lado paternal. Voltei para dentro e peguei as chaves do carro. Gritei um "até logo" para meu pai e deslizei para dentro da picape. E, sentando-me sobre o banco estofado, comecei a dirigir cautelosamente pelas ruas que estavam cobertas por gelo.

Quando cheguei ao centro da cidade, onde as estradas pareciam melhores, me permiti ir gradativamente mais rápido. Passei em frente a diversas lojas, avaliando as fachadas coloridas de tijolos. Parei do lado de fora da faculdade local de Gracefall. Não era tão grande quanto as que eu era acostumada a ver, mas a arquitetura era impressionante, num estilo rudimentar. Parecia que toda a cidade havia sido programada para parecer-se rústica.

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