Marjorie Mildred
No sábado, como era meu aniversário, meu pai resolveu fazer um piquenique comigo no topo de uma colina em Gracefall. O lugar parecia mágico: a grama se estendia sob meus pés como um tapete esverdeado áspero. Ao nosso redor havia macieiras, além de um campo repleto de flores. Era uma fusão de violetas, margaridas e rosas que me lembrava o arco-íris. O vento gélido daqui de cima era refrescante, o sol brilhava no alto das nuvens e eu usava um óculos de sol, além de ter passado uma camada considerável de protetor solar nos braços e pernas expostos.
— Você está tão parecida com ela — a voz de James Mildred, mais conhecido por mim como pai, alcançou meus ouvidos, fazendo-me parar no meio de uma mordida em um sanduíche de peito de peru e tomate.
O carinho presente em suas íris combinava com a melancolia em seu tom de voz enquanto ele me fitava. Meu pai foi completamente apaixonado por minha mãe. Tanto que não conseguiu superá-la até hoje. Ele nunca conseguiu se manter em outro relacionamento. Seus encontros casuais de Vancouver eram somente aquilo: casos de uma única noite. Parecia que ele era fiel a ela até mesmo após a morte. Seu coração permanecia com ela. Eu sorri um pouco, aceitando como um elogio.
Minha mãe era a mulher mais deslumbrante que eu já havia conhecido. Ela tinha um nariz pequeno e arrebitado, os cachos volumosos e lábios carnudos além de um corpo escultural. Sua descendência era italiana. Ela conheceu meu pai quando se mudou para o Canadá na época da faculdade. Eles tiveram aquele lance de amor à primeira vista e coisa e tal. E é nesta parte que eu entro: o fruto de um amor meio épico. E como todo romance épico tinha um final trágico, com meus pais não havia sido diferente. Minha mãe fora vítima de um câncer nos pulmões.
— Também sinto muita falta dela — finalmente disse, quebrando o silêncio confortante entre nós.
Afundei meus dentes na massa macia e perfumada do pão, mastigando. Meu pai ficou em silêncio por alguns momentos, depois encheu uma taça com o vinho caro que guardava para ocasiões especiais e tinha trazido para cá. Era cômico bebê-lo enquanto comíamos um sanduíche de uma lanchonete que não custou mais que cinco dólares sob um sol escaldante. O clima em Gracefall ainda era uma incógnita para mim — eu não sabia que poderia fazer mais de vinte graus aqui. O que era quente considerando que os invernos beiravam aos -5ºC.
— Jorie, trouxe algo para você. — Ele limpou as mãos num pano, pousando a taça no chão.
Me endireitei sobre o cobertor, ficando meio extasiada. Eu adorava receber presentes. Meu pai se levantou e andou até a picape estacionada a alguns metros de distância. Quando voltou, alguns segundos mais tarde, estava segurando uma caixa meio velha e empoeirada, o que me fez franzir levemente as sobrancelhas e os lábios. Não parecia um presente. Não parecia algo legal.
Seus olhos encontraram meu rosto e eu disfarcei minha desconfiança.
— Esperei que você fizesse dezenove anos para te entregar.
Aquela frase fez com que eu ficasse ainda mais inquieta. Mordi meu sanduíche. Mastiguei. Engoli. Mordi outra vez, mastiguei e engoli com um pouco de pressa quando meu pai começou a tirar a tampa de madeira. O pão acabou. Engoli uma última vez e limpei as mãos na saia do vestido azul de corte simples que eu estava usando. Me apoiei nos joelhos, sentando-me sobre meus calcanhares. Tirei os óculos de sol.
Na caixa havia um livro. Meu pai me estimulou com seu olhar, como se disse para que eu fosse em frente e fizesse as honras. Peguei-o cuidadosamente de lá, porque parecia ser bem antigo e importante. A lombada era grossa e pesada, o exemplar era velho. As páginas estavam amareladas e a capa meio estropiada. Entretanto, os retalhos do título brilharam como ouro sob os raios de sol, fazendo-me semicerrar um pouco os olhos para poder ler as palavras.
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Breathe
WerewolfMarjorie é nova em Gracefall - cidadezinha pacata e congelante que fica no Canadá. Sua vida monótona de boa aluna e atendente de uma livraria muda com a chegada de um trio de rapazes misteriosos com sorrisos predatórios e íris que parecem sugar tod...