três

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Marjorie Mildred

   O sininho no alto da porta tilintou assim que alguém passou por ele. A livraria onde eu havia conseguido um emprego se chamava Fortuity. Era um lugar que ficava perto da Gracefall College, umas duas quadras de distância — o que era ótimo, já que eu vinha para cá assim que as aulas terminavam. Eu lancei um olhar para cima, girando o copo de café de isopor fumegante em minhas mãos sobre o balcão. Fiquei meio estática ao me deparar com um rosto familiar.

Engolindo em seco, observei enquanto a figura esguia arrastava o par de All Star gasto pelo assoalho de madeira, vindo em minha direção atrás do balcão. Suas roupas eram despojadas, uma calça jeans rasgada nos joelhos e uma camiseta preta de alguma banda. Sua expressão era indecifrável. Ele apoiou os cotovelos na bancada de madeira, inclinando-se para perto. Seus olhos safiras eram duas bolas de gelo sobre mim. Mal ousei respirar.

— Oi. Marjorie, não é? — ele indagou, ainda analisando meu rosto.

Me forcei a inspirar e expirar.

— Oi. — Limpei a garganta, tentei dar um esboço de sorriso. — Marjorie, ao seu dispor. Como posso ajudá-lo? — Me xinguei mentalmente pela primeira frase, notando o quão aquilo havia soado inapropriado só alguns segundos depois que as palavras haviam deixado meus lábios.

Ele arqueou discretamente as sobrancelhas, um dos cantos de sua boca se ergueram levemente para cima, como se tivesse notado que eu estava constrangida.

— Eu me chamo Adam. Adam Lowell — ele se apresentou, as íris passeando por rosto, descendo por meu pescoço até que dispararam para meus braços expostos pela camiseta sem manga. Ele fixou o olhar em minha pulseira e eu pude jurar que um brilho atravessou aquelas safiras impressionantes.

— Sei quem você é — retruquei, começando a ficar desconfortável. Soltei o meu copo de café, pois percebi que estava segurando-o com mais força do que pretendia e já tinha amassado a embalagem. — Então... — comecei, meio hesitante diante do silêncio constrangedor entre nós. — Está procurando por algum livro?

Ele finalmente ergueu o olhar para meu rosto.

— Sim. É um livro bem antigo... — Ele se dobrou ainda mais sobre o balcão, chegando perto o suficiente para que eu pudesse observar o movimento dos cílios castanhos roçando contra as bochechas. Fiquei estática. Ele soltou uma risada baixa de escárnio. — Me desculpe, é só que... — Ele ergueu a mão, os nós dos dedos escovaram a maçã direita de meu rosto, tirando uma mecha de cabelo que caía sobre minha visão. — Você é muito bonita.

Um calafrio percorreu minha espinha.

Ele se afastou um momento depois. Eu ainda continuava petrificada com o contato íntimo e repentino. Tentando sorrir em sua direção, dei um passo para trás. Meu coração batia de uma forma estrondosa e descompassada. Eu tinha medo de que ele pudesse ouví-las.

— Qual é o nome do livro? Posso dar uma olhada no sistema e checar para você.

Cacce Alla Spada. — Sua voz soou lenta e arrastou cada sílaba.

Italiano. Interessante.

Sem retrucar, digitei o nome do livro no computador. Esperei alguns segundos enquanto ele buscava pelo resultado e quando "SEM RESULTADOS" apareceu no monitor, eu voltei-me para Adam que parecia esperar pacientemente do outro lado do balcão.

— Sinto muito. Não temos esse livro por aqui.

Ele continuou com o rosto inexpressivo, entretanto, não disse nada. Suas íris estavam petrificadas em meu rosto. Ele deu um leve aceno com a cabeça, murmurou um agradecimento e foi embora. Quando sua figura atravessou a porta, eu soltei o ar dos pulmões que nem sabia que estava prendendo.

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