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— Passa tudo ou leva bala — uma voz forte e levemente conhecida diz atrás de mim, deixando seu hálito de paiol pairar pela minha nuca.

— Calma, tô pegando a carteira — Dudu diz rapidamente, com uma mão levantada e outra no bolso.

— Eu to calmo companheiro.

— Posso me virar? — pergunto, nem sei o motivo, tentando controlar minha respiração e fazer minhas pernas pararem de tremer. Não é a primeira vez que acontece, nem a última. Pelo menos não comigo.

— Vira.

— Não passa nada não, Dudu — digo quando vejo o rosto da pessoa apontando uma arma para minhas costelas. Aparentemente a mira dele não melhorou nada, se quiser me matar vai ter que mudar um pouco o foco.

— Ju, tudo bem, só entrega as coisas pra ele.

— Ouve seu boy ai — ele diz, me olhando estranho, e eu levanto as mãos sem acreditar que ele não está me reconhecendo.

— Koe Lucas, tá me tirando de patricinha? Euen.

— Que que ce tá falando maluca? — ele diz e aponta a arma pra minha cabeça. Okay, talvez a mira dele não esteja completamente como antes.

— Me respeita vagabundo, minha mãe te criou, a gente brincava junto no parquinho, eu te dei minhas Barbies, babaca, se for me roubar vai ter que me devolver elas.

— Ju? Caralho ce ta com cara de novinha... Que isso Julia, perdão ai — o assaltante diz enquanto passa a mão livre no cabelo e começa a rir.

— Que Julia o que menino? É a Juliana! — meu sangue ferve e quase não consigo conter minha vontade de socar o abdômen dele.

— Né nada, Juliana é mais nova que eu.

— Tá falando que eu tenho cara de velha?

— Ce deve ter o que? Uns 20 anos? A Ju tem tipo... 15 anos.

— Tá me tirando de otaria né, eu tenho 18 Lucas!

— Tá namorando playboy? Tem vergonha não? — ele analisa o garoto atrás de mim tremendo mais que vara verde, com a carteira e celular na mão.

— Vergonha de namorar, Lucas? E você roubando na véspera de Natal?

— Tava indo pra casa né, mas vocês moscando ai no meio da rua...

— Com arma! Sua mãe sabe disso?

— Ah Júlia, para né, você nunca foi x9.

— Posso ir embora ou quer levar meus brincos também?

— Não po, que isso, sua família é igual a minha mesmo, sua mãe tá na luta lá todo dia.

— Passa lá em casa um dia desses com a sua mãe, tempão que não vejo.

— Tá, vou falar com ela.

— Vou embora, se eu tivesse visto que era você antes tinha nem tremido na base, sua mira era uma chacota.

— Eu cresci né Ju — ele diz enquanto coloca a arma na cintura, como se não tivesse percebido que ainda estava apontando para minha cabeça.

— To vendo.

— Falou, to indo.

Começo a rir enquanto Lucas anda rapidamente em direção a casa dele, que é logo na rua debaixo, lugar que eu conheço bem e já passei muitos e muitos dias brincando de cozinhar barro e fazer a casinha da Barbie no chão desenhando com giz. Brincávamos de chazinho da tarde sentados no meio fio da rua enquanto as crianças mais velhas jogavam queimada.

Então é NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora