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A garotinha suja de brigadeiro se joga no chão e começa a gritar, eu desligo o fogo calmamente e vou até ela, fecho a porta da geladeira e tento deixar minhas lágrimas presas. Começo a tentar acalmar a menina e Jão sai do banheiro.

— Eu sabia que você não gostava da sua sogra mas não achei que era pra tanto.

— Tô com cara que tô pra brincadeira?

— Desculpa — ele tira o sorriso do rosto e avalia a situação da cozinha — vai dar um banho na Tina e eu limpo aqui procê.

— Até parece, nunca limpou um chão na vida.

— Tá vendo, eu tento ser legal e ninguém me valoriza nessa casa — coloca as mãos no bolso e respira fundo, não consigo compreender muito bem sua linguagem corporal, mas faço que sim com a cabeça e passo a mão nos fios de cabelo ralos de Valentina tentando acalmar a menina. 

— Perdão tá, vou dar banho nela mesmo. Obrigada.

Ele sorri para mim de lado e começa a procurar algum pano na cozinha. Mora aqui desde que nasceu mas não sabe onde fica a vassoura, quem dirá um pano para limpar o chão. Nem quero saber como ele vai fazer pra arrumar isso, provavelmente chantagear uma das crianças pra fazer pra ele. Mas não vou pensar nisso agora. Levo Valentina para o banheiro e começo a tirar a roupa suja de brigadeiro da menina.

Minha tia vai me dar um esporro colossal por sujar uma das roupas de marca da criança de brigadeiro, mas o que eu posso fazer? Coloco tudo na pia e deixo a água cair enquanto tento prender o cabelo da menina em um rabo de cavalo, ela grita que estou puxando muito o cabelo delas quando eu tenho quase certeza que nem encostei direito. Mas peço desculpas e tento novamente.

Faço um coque mesmo e dou um banho nela, sem me preocupar em me sujar ou molhar, seco ela com a minha toalha e a levo até o quarto onde elas estão dormindo para pegar uma roupa. A deixo com o pai dela que ri da situação de fala que a Valentina é assim mesmo, quando quer as coisas vai e pega, menina de personalidade forte.

A-t-a, agora ser mimada é ter personalidade forte, mereço ouvir uma coisa dessas?

Só sorrio e não respondo, não quero criar intriga no Natal, esse é um dia que deveríamos deixar o amor reinar na casa e não o ódio, brigas e bagunça.

Está mais difícil que o normal fazer isso acontecer, mas continuo tentando. Esse é o meu primeiro Natal com mais responsabilidade e vai dar certo sim, de um jeito ou de outro, não quero nem saber, todo mundo vai cooperar.

Volto para o banheiro e evito a cozinha, não quero saber o tipo de merda que meu irmão está fazendo no momento. Vou tomar meu banho, chorar em paz, e me arrumar para ir pra casa do Dudu. Pelo menos sei que lá vai estar tudo bem, calmo, tudo em ordem, em seu devido lugar, sem crianças correndo e destruindo tudo, só adultos, conversas interessantes e comida sofisticada.

Não que eu prefira o purê de grão de bico com cenouras grelhadas e bla bla bla ao churrasco da minha família, longe de mim, mas é bom as vezes fugir da loucura que é viver nesse hospício que chamo de casa.

Lá tudo é mais calmo, principalmente porque a família é só Dudu e os pais dele. Não tem irmãos, nem tios ou primos, são só os três. Na verdade, na maior parte do tempo, é só Dudu, já que o pai dele trabalha em outro estado e só vem de quinze em quinze dias e a mãe dele trabalha dois turnos e só aparece em casa de noite.

Quando passo um tempo lá volto pra minha casa descansada, como se tivesse passado o dia em um spa. Essa é a sensação que tenho quando estamos juntos, de calmaria. Graças a Deus, porque aqui em casa é só dedo no cu e gritaria.

Choro debaixo do chuveiro tentando fazer o mínimo barulho possível até ficar mais relaxada, quando as lágrimas acabam já estou atrasada. Um fato interessante sobre minha casa é que a porta do banheiro não tranca, então é perigoso trocar de roupa aqui, principalmente com tanta gente visitando. Não foram poucas as vezes que eu entrei aqui e encontrei... imagens que eu preferia não ter visto. 

Começo a rir debaixo do chuveiro e um pouco de água entra no meu nariz, então começo a tossir e o movimento todo chama atenção de alguém que bate na porta pra perguntar se tá tudo bem.

Sim, tá tudo bem, já tô saindo.

Lavo meu cabelo rapidamente com meu shampoo da seda que deixa meu cabelo com cheirinho de cacau, enrolo uma toalha no corpo e outra no cabelo e saio para o meu quarto.

A cozinha está aparentemente limpa e meu irmão em nenhum lugar para ser encontrado. Tenho que pensar em como justificar para minha sogra que prometi que levaria uma torta e vou chegar de mãos vazias. Ou como justificar pra minha família que prometi que levaria uma torta e vou chegar de mãos vazias. De qualquer forma alguém vai ter que entender o tipo de casa de loucos que eu vivo.

Coloco um pijama e vou pentear meu cabelo no Sol enquanto procuro minha irmã para me ajudar na maquiagem quando avisto minha prima agindo como a cena de um filme: com um vestido lindo, maquiada, cabelos ao vento, tirando fotos com uma rosa.

Só acho engraçado que... aquele vestido parece bastante com o meu que vou usar hoje. 

Então é NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora