23:04

149 31 47
                                        

Depois do que foram longos e longos minutos das duas brigando, gritando, jogando copos e pratos uma na outra, pararam após Cassandra arrancar o aplique de Eduarda e seu marido finalmente se pronunciar e separar as duas. O silêncio durou por pouco tempo, pois logo que as duas saíram do terraço a banda voltou com o batuque e, irônicos, cantaram de três a cinco músicas sobre traição.

— Ju, pode me situar um pouco? Achei que conhecia sua família toda mas não conheço ninguém aqui — Dudu estava franzindo o cenho, parecendo mais confuso do que nunca, e até um pouco assustado. E eu não posso julgá-lo.

— Nem eu conheço minha família toda — ele sorri e revira os olhos para mim — okay, você conhece minhas irmãs e irmão, meus sobrinhos e meus pais, sim?

— Certo.

— Como pode ver, essa é só a ponta do iceberg — eu respiro fundo e olho melhor o ambiente para identificar todos que estavam ali e os que ainda iriam chegar — no Natal nós temos o iceberg inteiro, todos os tripulantes do Titanic e todos os monstros do oceano.

— Que metáfora maravilhosa.

— A Cassandra, que estava gritando e jogando copos mora aqui na rua também, é casada com José e tem dois filhos. A outra, acusada de dar em cima de José é a Eduarda, solteira, mora por aqui também e essa não vai ser a última briga que ela se envolve essa noite, pode anotar

— Quer explicar melhor?

— Ela realmente tenta seduzir os maridos das irmãs e primas, principalmente os que têm dinheiro. Se olhar pra ela agora ali está passando a mão na coxa daquele homem? É o marido de outra tia minha.

— Então essa outra tia também vai gritar, xingar e jogar copos? — ele levanta uma sobrancelha e sorri de lado e eu rio um pouco com a perspectiva de Laura gritando e jogando pratos.

— Não sei, provavelmente não, Laura é mais classuda que isso, talvez só tente conversar com ela... ou nem se importe, ela é minha tia da Noruega, que me emprestou esse vestido, é um ser bem mais calmo que Cassandra — bem mais calmo é eufemismo, Laura parece um monge tibetano sempre que está aqui, ouvindo as reclamações de todos, aguentando xenofobia e o discurso de que ela largou a mãe e irmãs para trás sem pensar em ninguém... A mulher incrivelmente só sorri, ouve, muda de assunto.

— O marido dela é norueguês? — Dudu encara o homem que não parece de forma alguma o estereótipo de norueguês, com seu corpo fino e poucos músculos, cabelos ruivos e olhos escuros, com o óculos que aparentava ter muitos graus, parecia uma versão mais velha do Ed Sheeran que acolheu Laura como sugar baby. 

— Não, ele é daqui, eles se conheceram na faculdade e trabalharam muito pra conseguir mudar juntos. Ali, tá vendo aquela menininha dançando perto da árvore? É uma das filhas deles. Tem outro ali comendo...

— Quantos filhos eles têm?

— Quatro.

— Todo mundo na sua família tem quatro filhos? Que tradição mais estranha.

— Bolso chega a doer né? — ele ri e olha para longe, evitando contato visual, pode ser que eu tenha ido longe demais com a brincadeira. Cedo demais.

— Então, conta mais.

— Aquela loira ali é Ana, e aquele homem sentado sozinho com cara de perdido é Mark, marido dela, eles moram nos Estados Unidos e ele não fala nada de português — apresento minhas tias favoritas, e também as que tenho menos contato primeiro, para mostrar que alguém nessa família louca conseguiu sair e continuar sã.

— Coitado.

— Sim, quase ninguém aqui fala inglês então ele sempre fica meio sozinho — encaro Mark por um tempo e o observo entretido com um dos gatos da minha tia pulando na árvore de Natal e derrubando várias das bolas dos galhos — mais tarde você pode ir lá conversar com ele.

Então é NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora