Desço as escadas tentando controlar minha respiração e fico feliz em ver a outra parte da minha família sentada no sofá aparentemente jogando FIFA. Niklaus, o filho mais velho de Laura, parecia xingar em uma língua muito estranha enquanto se levantava.
— Lugar pra mais dois?
— Pra você sempre, Ju — Jeremiah me responde e começam a se espremer no sofá.
Hudson muda do sofá indo se sentar no chão encostado no parede com seu namorado e reparo que o parceiro dele, o qual simplesmente não consigo lembrar o nome no momento, está com uma cara horrorosa como se alguém tivesse cagado ali perto dele e ele fosse obrigado a ficar sentindo o cheiro. Quando Hudson tenta se aproximar ele senta se afasta e tento parar de encarar no momento que ele me encara de volta.
Me sento com Dudu e encaro a TV. Nunca fui fã de video games, meu irmão tentava me ensinar quando era mais nova mas eu nunca nutri nenhum tipo de interesse e preferia jogar futebol na rua. Pra mim não faz sentido nenhum gostar de fazer algo sentado na sala estragando minha visão e postura se eu posso sair, pegar Sol, correr, ficar em forma, conversar com outras pessoas... Enfim, é uma longa discussão entre eu e Jão.
Dudu, como acontece irritantemente várias vezes, fica do lado de meu irmão dessa vez. Os dois já estão combinando de jogar a próxima ou algo do tipo, quando olho para meu irmão ele faz uma careta e movimentos estranhos com o quadril que eu prefiro tentar não entender o significado, simplesmente fecho meus olhos e tento descansar.
Em um dia normal, em um dia qualquer, eu já estaria dormindo a muito tempo, ou estaria estudando. Mas hoje não é um dia normal, é Natal. E mesmo que as coisas não tenham acontecido exatamente como eu queria, ou nem de perto como eu queria, ainda é Natal e ainda é minha comemoração favorita e, apesar de tudo, eu estou feliz, estou com Dudu, e...
Ainda não comi rabanadas.
Tudo bem, daqui a pouco podemos voltar para o terraço e eu pego tudo que conseguir carregar e vazo. Cada vez mais eu entendo minhas tias que se mudaram para o mais longe possível dessa família.
Não, não posso pensar assim. Eu deveria estar agradecendo por ter uma família grande. Mesmo que eles não sejam de grande ajuda, não me apoiem em nada, nunca tenham pagado nada para mim nem para minha família mesmo vendo nós sofrermos todos os meses com as contas...
Cada um tem seus problemas. Não posso pensar assim deles. Se pudessem estariam me ajudando.
Claro que tem a parte mais rica da família que só aparece para as festas e de vez em quando nos deixa usar o sítio para nossa festa junina, ou para o Ano Novo, como aconteceu ano passado. Não são pessoas ruins, com certeza tem seus próprios problemas.
Embora... seja um pouco irritante que minha prima sempre fale comigo como é incrível estudar fora e morar sozinha, como eu deveria fazer isso também, como se fosse tão fácil como querer ir para conseguir passar na federal, arrumar um lugar pra morar e pagar as contas e tudo isso.
Chega de devaneios sobre minha família.
Quero rabanada.
— Mor, vou subir e pegar rabanada, quer algum tipo de doce?
— Pega um pedaço da sua torta pra mim, por favor — ele me diz, passando a mão no meu rosto e sorrindo. Entramos aqui tão rápido que não o perguntei como estava. E todas as vezes que estive mal hoje, que foram muitas, ele ficou no meu lado e me apoiou, e eu simplesmente sentei no sofá e cochilei. Não sei se mereço esse homem.
— Não acho que vai querer comer essa, não deu exatamente certo.
— Vou adorar.
— Não tem que gostar de tudo que eu faço, sabe né?
— Traz um pedaço pra mim e se tiver ruim eu cuspo e faço um show, que tal? — ele ri e eu imagino a cena, com todos olhando, um dos meus primos filmando e mandando no grupo da família...
— Isso ajudaria na sua imagem com a minha família — digo, pensando que se ele demonstrasse gostar um pouco menos de mim, e se não ficasse do meu lado sempre, ele provavelmente faria mais sucesso entre todos.
— O que?
— Que? — repito, não querendo repetir e me explicar.
— Sabe que eu não gosto quando me responde assim né, eu não ouvi, pode repetir por favor?
— Não, me arrependi de ter falado.
— Tá, Ju — me responde com monossílabas, então sei que ficou chateado com a situação.
— Tá, pudim? — faço biquinho e me levanto, meu irmãos rapidamente toma meu lugar.
— Só torta.
— Nem um docinho?
— Juliana cada dia você tá mais igual a mãe —meu irmão se intromete na conversa e logo pede um pedaço de bolo de chocolate. Tantas sobremesas maravilhosas e ele ainda insiste em ficar no simples bolo de chocolate com recheio de doce de leite. E eu posso dizer com certeza que é apenas pelo doce de leite, Jão nunca foi chegado em chocolate. Fato que eu amava durante a infância, quando quase toda a caixa de bombom que deveríamos dividir ficava para mim. E eu fingia, como ainda finjo, que ele fazia isso por não gostar de chocolate, e não por eu ser mais nova e ele sempre me deixar escolher e pegar tudo primeiro.
Me viro e saio da sala para não dar a resposta que eu realmente quero a Jão. Quando escrever minha lista de desejos para o ano que vem vou pedir para todos os santos arrumarem um emprego para ele bem longe de casa, na Ucrânia ou na Rússia, o lugar não importa, mas que ele desapareça.
— Ju? — alguém me chama e eu paro no primeiro degrau da escada.
— Oi? — me viro rapidamente e dou de cara com cabelos platinados e sobrancelha riscada — Ah não, Henrique, me deixa em paz.
— Olha, não queria fazer aquele surto coletivo todo, só queria falar com você, mas seu namorado não sai de perto, parece que nasceu colado em ti.
— Ele gosta da minha presença, e é mútuo, dá licença por favor?
— Porra Ju, me ouve pelo menos. — ele segura meus braços mas quando percebe meu olhar de indignação me solta rapidamente — Eu sei que foi uma declaração estranha e o momento foi horrível, mas é verdade, tenho saudades de você, sempre lembro do nosso beijo...
— Henrique, nós somos primos, na época nós éramos crianças e nem sabíamos o que é beijo nem DNA nem nada, mas eu sei muito bem agora então faz favor de me dar licença.
— Sabe muito bem né? — ele sorri de lado, mostrando seus dentes perfeitamente brancos e alinhados — Por minha causa.
— Ai menino, se toca, tu me deu um selinho anos e anos atrás, acha que isso fez alguma diferença na minha vida? — fez sim, mas ele que nunca vai saber disso.
— Não foi só isso não, quer que eu te lembre como foi? — ele chega mais perto e coloca a mão na minha cintura.
— Da próxima vez que você encostar em mim vou quebrar todos os seus dedos e você nunca mais vai tocar violão — o garoto dá alguns passos para trás, confuso — se bem que eu deveria fazer isso de qualquer jeito, será meu presente para a sociedade nesse Natal.
— Não precisa ser assim.
— Tô indo embora, se me encostar já sabe.
— Eu nunca faria algo que você não quer.
— E esse é o problema, você cria na sua cabeça teorias sobre o que eu quero e o que eu não quero, mas quem sabe disso sou só eu, então me deixe em paz.
Ele continuou com a mesma expressão de dúvida como se não tivesse entendido nada que eu tinha acabado de falar, então simplesmente o empurrei para o lado e subi as escadas com a cabeça erguida porém preocupada da visão que ele estava tendo no último degrau e o que faria com isso.
Não consigo ter um segundo de paz, pois no minuto que piso no último degrau e me viro em direção à mesa no terraço alguém me dá um soco no nariz e eu desmaio. A última coisa que eu ouço é "Claudio!".
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Então é Natal
RomanceO Natal é o feriado preferido de Juliana desde que se entende por gente, é completamente apaixonada pela decoração, músicas, a ideia de um velhinho bondoso que presenteia crianças, e, principalmente, rabanadas. Ju sempre sonhou em ser a anfitriã de...