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Depois do que foi uma longa crise de riso e, logo após, uma maior ainda crise de consciência pensando que eu não deveria rir do meu irmão tentando imitar nossa tia, dou uma olhada no quarto de Jão e descubro que, por algum motivo estranho, ele roubou um de meus cremes hidratantes. Meu primeiro instinto é pegar de volta e gritar com ele, mas começo a pensar no porquê dele estar ali e deixo pra lá.

Fecho a porta do quarto fazendo o máximo de barulho possível para minha mãe entender que eu ainda estava lá, e não tentando fugir do trabalho. Embora eu saiba bem que não importa o que eu faça, é exatamente isso que ela vai pensar de qualquer forma.

Do corredor consigo ver meu irmão na sala sendo convencido pelas crianças de brincar de o que elas chamam de "cavalinho", que nada mais é que xadrez. Quando esse interesse todo das crianças por xadrez começou eu pensei que poderíamos ter alguma coisa no estilo de Gambito da Rainha aqui, mas não, eles só gostavam de ficar mexendo com as peças mesmo. Maior parte delas jogavam damas, só que com as peças de xadrez. Não as julgo nem um pouco, damas é muito melhor de qualquer forma.

Entro na cozinha e vou para a mesma estação que eu estava antes, agora sem os dentes de alho, mas com vários legumes esperando para serem cortados. Minha mãe olha para mim com uma expressão estranha e então começa a rir. Se fosse outra pessoa, talvez eu tivesse entendido, mas não fazia a mínima ideia do que ela estava tentando me mostrar. Então simplesmente comecei a cortar uma cenoura.

— Não vai descascar não? Tá achando que sou um coelho? — meu tio aleatoriamente entra na cozinha e começa a mexer com os legumes que eu estava cortando. Olho para minha mãe pedindo, por favor, que ela lide com a situação.

Ela não gosta como ajo assim, mas meus primeiros reflexos em frente a muitos dos meus tios é de nojo. Que foi exatamente o que aconteceu com esse ser tocando meus legumes. Agora vou ter que lavar tudo de novo. Não confio nem um pouco que a mão dele está limpa, provavelmente não tomou banho desde ontem.

Nem eu.

O sentimento que estou suja e suada começa a me incomodar de novo e eu passo as costas da mão na testa, não sei onde ficou toda a base, corretivo e pó que as meninas passaram aqui, mas não está mais no meu rosto. Aparentemente sobrou apenas a sombra chamativa e os cílios enormes.

— Desculpa Bia, não precisa dar piti também — ele responde alto e eu reclamo internamente de estar tão focada em minha sujeira que não prestei atenção na patada que minha mãe disse.

— Sai da minha cozinha! — ela grita, e eu novamente mordo as bochechas para não rir, daqui a pouco elas vão começar a sangrar — Na minha cozinha! Falando que eu dou piti! Vai comer sua própria comida então!

— Mãe, quero tomar um banho — falo com ela, com a voz baixa, mais cansada do que já estive em qualquer dia da minha vida.

— Não, vai fazer salada — eu reviro os olhos automaticamente com a resposta, claro que ela quer me obrigar a trabalhar mesmo eu querendo fazer outra coisa.

— Eu to suja — contínuo, como uma súplica, mas ela nem olha para a minha cara de cachorro pidão.

— Todo mundo tá sujo, parece que vivemos o ano inteiro em uma madrugada, para de chorar e vai cortar chuchu.

— Mãe... — tento reclamar, mas ela se vira pra mim segurando uma enorme concha e com um olhar muito sério.

— Sai da minha cozinha você também! Fica fazendo tudo com má vontade. Esse ano eu vou mudar, você vai ver, não vai ter tudo de mão beijada aqui não.

— Pede o Jão pra te ajudar! Porque só eu tenho que fazer as coisas? — falo em um tom mais alto do que eu pretendia.

— O João não sabe fazer, Juliana — ela enfoca muito na pronúncia das palavras, então eu sei que ela está realmente nervosa.

— Ensina! Eu aprendi, porque ele não aprende? Tem algum gene especial em mim que só eu sei cozinhar, e ele não? Ele não consegue aprender as coisas?

— Tá gritando comigo, Juliana? Tá achando que sou suas amiguinhas? Fala baixo comigo! — ela começa a grita de volta comigo, balançando a concha pra lá e pra cá.

— Eu to cansada! — grito em resposta, e lágrimas começam a escorrer de meus olhos sem eu nem perceber que estava acontecendo.

— Tá, porra, eu também, você ta me vendo gritar com as pessoas?

— Sim!

— Eu sustento essa casa! — ela bate na mesa e faz um barulho enorme que me assusta e me faz dar muitos passos para trás.

— Eu faço tudo que eu posso. Tudo e mais um pouco. Ele não faz nada — aponto para sala, onde meu irmão estava, sem nem mesmo me importar todas as outras pessoas na casa prestando atenção na nossa discussão.

— Para de envolver seu irmão nisso, fica colocando a culpa nos outros.

— Não to colocando a culpa nele.

— É minha então? Eu que não ensinei? Ah, eu sou mesmo uma mãe horrível! Me perdoe, Juliana! — ela começa a vir em minha direção e fazer gestos exagerados como se estivesse pedindo meu perdão.

— É literalmente só falar pra ele cortar os legumes. Só isso. Ele não faz nada nessa casa. Nada, mãe. Ele mora aqui, e come, e traz os amigos, e não ajuda com nada!

— Gente, não precisa brigar por minha causa, eu corto a merda dos legumes — meu irmão aparece, ficando entre nós duas, e ri um pouco, o que me faz ficar mais nervosa ainda.

— Sai daqui! — nós duas gritamos em uníssono.

— Se eu não ajudo, é problema, se eu ajudo...

— E para de se vitimizar a cada cinco segundos! A gente não devia ter que pedir pra você fazer alguma coisa, é a porra da sua casa — me viro para ele enquanto ele anda em direção ao ser quarto.

— Tá, tá — é a única resposta que eu recebo, e sei que as coisas nunca vão mudar.

— Chega. Acabou o show. Jão pro seu quarto. Juliana vai procurar seu namorado. Beatriz, vamos ter uma conversa no quarto — a voz rouca de meu pai soa mais alto do que a de todos nós e nos assusta, ele nunca se envolve nesse tipo de briga.

— O almoço... — minha mãe começa a argumentar, mas ele vira de costas.

— Sobrou bastante comida ontem — e sai, sem dizer mais nada.

Não olho para nenhum dos dois, apenas limpo as minhas lágrimas e começo a andar em direção à porta de casa. Procuro Dudu com meus olhos e o encontro encostado no portão de ferro, olhando diretamente para mim com a feição de quem se desculpa, e Maria do lado. 

Então é NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora