Capítulo Seis

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- Não achas que estás um pouco paranoico? – pela primeira vez em muito tempo, o destinatário daquela pergunta não era eu e sim Caleb. Nunca pensei que uma inversão de papéis daquela magnitude fosse possível, mas ali estava ela.

- Não! – ri baixinho para o tom frustrado do meu amigo e parceiro e abanei a cabeça.

Eram três da manhã. Estávamos sentados num dos muitos carros pretos da esquadra, designados especialmente para aquela função: a de observar. Ao contrário de quando eu e Caleb observávamos os nossos colegas, na cantina da nossa antiga esquadra, à espera que eles dessem um passo em falso, naquela noite o ambiente estava mais...tenso. No entanto, isso não significava obrigatoriamente que era um ambiente pesado; nós conseguíamos manter um ambiente confortável, mesmo quando estávamos numa missão de vigilância que pedia toda a nossa atenção. Toda a minha atenção, porque eu estava constantemente à espera que a cara adolescente conhecida me aparecesse em frente aos meus binóculos.

- A Candy tem três anos. – reafirmei, numa voz que geralmente não daria espaço para discussões. Mas, porque conhecia bem o meu melhor-amigo, sabia que teria precisamente o resultado oposto. – Ela sabe dizer um total de dez frases e achas mesmo que uma delas é que quer namorar com um rapaz que conhece há duas semanas?

- Ei! Ela sabe bem mais que dez frases. – gargalhei, embora pedisse um grande esforço da minha parte para manter o som baixo e a minha atenção fixa nos binóculos. – A professora dela até me disse que eles faziam um bom casal.

- Isso é só perturbador. Deixem os miúdos viverem como querem sem imaginar logo que se vão casar e ter vinte filhos. – pelo canto do meu olho esquerdo, vi o meu melhor-amigo a empalidecer com a ideia prematura da sua filha a casar. Mordi o meu lábio inferior para não voltar a rir dele. – Típico homem demasiado protetor. A Candy mal sabe o que vai passar, quando envelhecer.

- Hipócrita. – Caleb tossiu a palavra, mas eu sabia que ele sabia que eu tinha ouvido. – Tu és o pior homem das cavernas que eu conheço, nesse sentido. Se algum dia tiveres filhos...

Antes que eu pudesse responder, a nossa atenção foi roubada por duas figuras a entrarem no nosso campo de visão. Caleb apressou-se a tirar fotografias, já que era a sua tarefa predileta, e eu tentei fixar na minha memória tudo o que havia a observar. Uma das figuras era um homem alto, com músculos que, embora estivessem presentes, não eram exagerados – não como os meus ou de Dax, por exemplo. Notava-se, ainda assim, pelas suas mãos, que era um homem que não tinha qualquer problema em partir para a violência: os nós das suas mãos estavam coloridos por um vermelho-vivo. Mas, no meio de tudo aquilo, foi o seu cabelo que me chamou a atenção; todos os fios eram brancos, um branco suave que me fez lembrar...neve. Frost.

A tensão que os ombros do meu parceiro ganharam disse-me que ele estava a pensar no mesmo que eu.

Pelo que eu conseguia ver, nada de ilegal estava aparentemente a acontecer. Nós estávamos ainda bastante longe, no entanto, por isso não seria de estranhar que algo estivesse a acontecer no edifício, ou mesmo nos arredores daquela zona. Por enquanto, eu e Caleb continuaríamos naquele sítio, a tentar captar o maior número de informação em relação aos membros da rede de tráfico de Frost. Era uma quarta-feira à noite, por isso eu esperava que Connor estivesse em casa e não perto daquele tipo de pessoas. Nada aconteceria – o meu Capitão proibiu-me explicitamente de fazer uma emboscada -, mas odiaria voltar a mentir a Lexie.

De vez em quando, quando chegava a casa de manhã, era cumprimentado por um tupperware com algum tipo de pastelaria. Um bolo, um queque, ou mesmo panquecas e waffles. Eu tinha entendido que Alexandra se tinha sentido endividada comigo depois de eu levar Connor até ela, mas nada justificava aquilo. Ainda assim, não era boa pessoa o suficiente para ir bater à sua porta e pedir para ela parar, ou pedir justificações, e aceitei toda a comida de bom grado. Geralmente, chegava a casa e caía diretamente na cama, mas não era raro ter demasiado energia presa dentro de mim e, nesses dias, um queque e um chá eram o melhor tipo de comida para mim. Depois, via um bocadinho de televisão e dormia até ao final da tarde, pronto para começar outro turno. Andava desencontrado de Lexie, mas dali a uns dias voltaria a trabalhar a horas de pessoas normais, e pretendia fazer qualquer coisa para a recompensar por todo o trabalho que ela deveria ter.

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