Eram duas da manhã. Eu estava sentado, dentro da carrinha negra, por sua vez estacionada a cerca de quinhentos metros do armazém que servia de sede para o...negócio de Frost. Caleb e mais dois dos nossos colegas tinham saído na hora anterior e espalharam-se pelos vários pontos de entrada, enquanto eu ficara para trás, a comunicar com eles e, juntamente com o melhor informático da esquadra, a observar as nossas câmaras e escutas. Tinham passado cerca de duas horas daquela monotonia e, contra o meu próprio instinto, eu sentia que algo estava errado. Deixara o meu telemóvel na esquadra, porque não precisaria dele para contactar quem importava – os polícias -, mas o meu cérebro estava constantemente a pensar no dispositivo. Quando dei por mim, já tinha desenvolvido toda uma teoria paranoica que só me faria mal.
- Estás muito irrequieto, Farrell. O que é que se passa? – John, o tal informático, comentou e olhou para mim. Apesar da sua expressão séria, comum a todos os polícias, os seus olhos castanhos estavam suaves.
Os meus polícias preferidos eram aqueles que o eram porque queriam honestamente proteger pessoas. Nos meus anos naquela carreira, passara por todo o tipo de pessoas: aquelas que só queriam poder, aquelas que gostavam da adrenalina, aquelas que tinham seguido os passos de antepassados e aquelas que se viram obrigadas a seguir aquela carreira por motivos maiores. No entanto, alguns de nós tinham motivos honrados: eu gostava de me incluir nesse grupo, mas não era sempre verdade. Eu era bastante egoísta, como polícia; não tinham sido raras as vezes em que dera prioridade a algo que me convinha, devido à minha família, ou que desprezara casos que me parecessem simples demais para aquilo que eu procurava do trabalho. Para não falar de que o meu motivo para ser polícia não tinha sido tanto um produto do meu desejo para proteger a minha família e melhorar o mundo à minha volta como para canalizar todo aquele instinto protetor em algo útil.
Culpava os meus pais.
Ainda assim, eu considerava-me um bom polícia e nunca abusara do meu poder. Bem, quase nunca abusara do meu poder – mais que uma vez tinha contornado as regras por considerar os motivos maiores que eu, mas isso não era propriamente condenável. Mas John, que raramente saía da frente do seu computador a não ser para casos que dependiam mesmo, mesmo dele e das suas habilidades, fazia muito mais que qualquer homem ou mulher mais musculado que ele. A partir das pontas dos seus dedos, ele protegia toda uma cidade; conseguia arranjar informação confidencial e importante e tudo isso porque sabia que, com a sua inteligência, conseguia fazer muito Bem. Eu admirava qualquer pessoa que soubesse que podia ajudar todo um mundo e o fazia.
- Tenho um pressentimento mau. – encolhi os ombros e passei a mão pelos meus cabelos, suspirando – Vês alguma coisa de suspeito?
- Até agora, não. – abanou a cabeça, voltando a focar-se nos ecrãs à sua frente.
- Exato.
- Não achas que estás só a ser paranoico? – inconscientemente, comecei a rir. As vezes que ouvia aquela pergunta deveriam servir-me como uma dica de que, de facto, eu era paranoico, mas já só me faziam rir.
- Foi a minha paranoia que nos trouxe aqui. Acho que, desta vez, temos de lhe agradecer.
John riu, mas não continuou a nossa conversa. Sorri, entretido pela capacidade única que um polícia tinha de ignorar e abstrair-se do que o rodeava, e abanei a cabeça. Em silêncio, continuámos a trabalhar em equipa, até que uma figura num dos ecrãs à minha frente chamou a minha atenção. Juntei as sobrancelhas e inclinei-me um pouco mais para a frente, para conseguir ver melhor, enquanto esperava não ter razão. Lexie dissera-me que o seu irmão tinha planeado ficar em casa do seu tio e até fazer o seu próprio jantar – um ótimo motivo de orgulho para mim, tendo em conta que eu era praticamente duas décadas mais velho e não tinha aquele tipo de motivação -, mas os meus olhos raramente me enganavam. Era Connor que estava a entrar no campo de visão de uma das câmaras, a caminhar na direção do armazém daquele que eu sabia ser o seu tio.
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Contrabalançar
RomanceSteve estava habituado a proteger e a cuidar. Foi ensinado a fazê-lo quando as suas irmãs mais novas nasceram e fez disso trabalho. No entanto, a quase-década como polícia não lhe serviu de muito quando foi confrontado com a verdadeira essência do m...