Capítulo Nove

52 10 35
                                    

O meu mindinho chocar contra o canto do móvel pela terceira vez naquele dia disse-me o que eu já suspeitava desde que acordara: estava num dia não. Tudo tinha começado uns dias antes, quando os meus pais me ligaram para o telefone fixo do apartamento – que eu nem sequer sabia que existia! – e acordaram-me da minha sesta supersónica de vinte minutos. Bem, vinte minutos graças a eles. Depois de alguns dias de silêncio, e semanas de silêncio acerca da gravidez da minha irmã, eles finalmente cederam. Finalmente colocaram o seu orgulho de parte, a sua imponência nascida das suas respetivas posições políticas na nossa cidade-natal e...pediram para eu organizar um jantar de família.

O facto de eu me ter mudado para o antigo apartamento das gémeas era uma oportunidade perfeita, disseram eles. Dessa forma, continuaram, podiam ver as mudanças que eu tinha feito no apartamento e reunirem-se num sítio minimamente neutro. Claro que com neutro eles queriam dizer o apartamento que foram eles a pagar e que mostrava a Ava e Mia, todos os dias, que só conseguiram estudar noutra cidade porque eles o permitiram com a sua fortuna e poder. Mesmo que elas tivessem criado uma conta bancária e, todos os meses depois de começarem a trabalhar, colocarem dinheiro de parte para pagar a coisa mais parecida a uma renda que conseguiam...os meus pais não queriam bem saber.

Também não queriam muito saber do facto de eu estar a trabalhar num caso estupidamente importante, tanto para a minha vida policial como para a minha vida pessoal. Eu tentei dizer que não era a melhor altura, mas nenhum deles me ouviu; insistiram para eu marcar o jantar e ainda sugeriram uma data. Ironicamente, calhou na mesma data em que nós os três tínhamos planeado passar a tarde juntos, a ver filmes idiotas. O único conforto que isso me deu é que não seria difícil organizar tudo, mas teria de pedir ajuda para a coisa mais importante: a refeição. Sabia cozinhar, seria vergonhoso se não soubesse, mas odiava fazê-lo e evitava fazê-lo o máximo possível. Quando cozinhava, fazia demasiada comida com o único propósito de poupar trabalho nos futuros dias. Tinha o meu congelador cheio de tupperwares.

Se não fosse a Lexie e os seus lanches e pequenos-almoços, raramente comia uma refeição caseira e fresca.

Teria, então, cerca de quatro dias para ganhar coragem para o que seria o jantar mais desconfortável da última década. A Mia tinha ido a casa dos nossos pais, com Asher na sua mão, e revelado a sua gravidez; supostamente, tinham resolvido alguma da tensão, mas a verdade era que não seria fácil. Tanto eu como Ava – e a segunda das minhas irmãs era uma bênção, pelo facto de estar mais no meu lado que no passado – sabíamos que teríamos de trabalhar para acalmar toda a família. Pela primeira vez em muito tempo, eu não estava sozinho no meu lado cinzento; Ava acompanhar-me-ia e ajudar-me-ia a controlar todo o desconforto que inevitavelmente iria aparecer. Principalmente pelo facto de o jantar ser exclusivo para família. Sem Asher lá, o jantar estava destinado a ser mais desconfortável, porque os nossos pais adoravam-no, mesmo quando ele não se abstinha de os julgar por criticarem a sua filha.

Cansado com o meu próprio azar, saí do meu apartamento e quase marchei até ao de Lexie. Bati freneticamente na sua porta da frente até a madeira sair da zona de contacto, revelando-me a minha vizinha com cabelos atados e olhos verdes assustados. Quando me olhou de cima a baixo e viu que não só eu estava de pijama – não tinha tido vontade de vestir outra coisa, depois de tantas horas na farda azul – como não havia qualquer ferida ou nódoa negra no meu corpo, cruzou os braços. Seria aquela expressão a coisa mais irritada que ela conseguia fazer? Era adorável.

- Preciso de ajuda. – ela juntou as suas sobrancelhas e assentiu, mas não falou. – És a única que me consegue salvar, Alexandra! Por favor.

- Steve, mais baixo! Olha os vizinhos.

- Não quero saber dos vizinhos, eles fazem mais barulho durante a noite do que eu estou a fazer agora! – Lexie revirou os olhos e puxou-me para dentro do seu apartamento, com um gesto mais forte do que eu normalmente lhe daria crédito.

ContrabalançarOnde histórias criam vida. Descubra agora