1. TELEGRAMA EM "ISLANDÊS"

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Magrí* acordou e espreguiçou-se gostosamente, ainda aconchegadinha sob

as cobertas do luxuoso hotel. A perfeita calefação do apartamento amornava o

ambiente, deixando lá fora o gelado inverno americano.

Entre os seus braços, aquecido por toda uma noite junto ao calor de seu

corpo, estava o seu ursinho de pelúcia. Já era um velho ursinho, tão velho quanto

ela, mas a menina sempre dormia com ele. Era um segredo seu. Imaginem se um dos

Karas soubesse disso! Uma aluna do primeiro colegial dormindo abraçada a um

ursinho, feito um bebê!

* Chamamos a atenção para a grafia dos nomes Magrí e Calú. Embora

gramaticalmente incorreta, a acentuação desses nomes visa evitar pronúncia

diferente daquela pretendida pelo autor.

Sobre a mesa de cabeceira, o relógio marcava seis horas. Magrí levantou-se,

escondeu o ursinho na mala e abriu as cortinas.

Lá embaixo estava Nova Iorque, nublada, cinzenta, gelada, e a menina

pensou no calor que já estaria fazendo no Brasil àquela mesma hora.

Sentiu saudades. Do país, da família, do Colégio Elite, de cada um dos

Karas.

Os Karas! Os seus Karas! Miguel, Crânio, Calú, Chumbinho e... e ela! Os

cinco Karas, aquele grupo secreto de alunos do Colégio Elite que Miguel tinha

reunido quase por brincadeira, pelo desejo de aventura, mas que acabara se

envolvendo em investigações perigosíssimas, em riscos tremendos...

Magrí sorriu ao pensar que muitos policiais aposentam-se sem jamais se

defrontar com algo parecido com os desafios que aqueles cinco adolescentes já

haviam enfrentado.

Os cinco Karas! Saudades... Uma saudade diferente de cada um. Uma

dessas saudades era especial. Era imensa.

***

A funcionária da agência do correio sorriu. Nunca tinha passado um

telegrama em "islandês" antes.

Quando o menino que entregara o texto para ser enviado a Nova Iorque ia

saindo, a funcionária perguntou:

— Ei, garoto, o que quer dizer "minisgsais"?

Com o olhar mais cândido e inocente possível, o menino encarou a moça

com um lindo sorriso:

— Em islandês? Quer dizer... hum... quer dizer "mamãe"... Balançando a

cabeça, a balconista releu aquele texto tão estranho:

MINISGSAIS VENTERNPOMBER UFTERSGOMBERLPOMBER.

KINISSINISR OMBERM TOMBERSAISGENTER CHUFTERMBAISLHENTER

"Que língua maluca é esse tal de islandês...", pensava ela, depois que o

menino já tinha ido embora.

***

Como um furacão que chega sem avisar, uma mulher alta e magra entrou no

apartamento de Magrí, empurrando um carrinho com um farto café da manhã

americano que um garçom acabara de trazer.

— Bom dia, bom dia, bom dia, Magrí! O que esses americanos pensam?

Que nós viemos do Brasil para fazer regime de engorda? Se você comer a metade do

que tem nessa bandeja, é melhor mudar da ginástica olímpica para o sumô!

— Bom dia, dona Iolanda! — cumprimentou Magrí, sorrindo, ainda à

janela.

— Que bom que você já está de pé. Vamos, vamos, vamos! Você tem cinco

minutos para tomar o seu breakfast. Só as frutas e o leite, hein? Ginástica olímpica é

como o balé. Meio quilo a mais e é desastre na certa! Depois uma ducha e vamos

direto para o ginásio. Quero que você faça duas horas de aquecimento, antes de

ensaiarmos mais uma vez. Lembre-se que a prova final de ginástica de solo vai ser

depois de amanhã. Vamos, vamos, vamos, menina!

Magrí suspirou. Sua treinadora e também professora de educação física do

Colégio Elite era mesmo um furacão exigente, estafante para os atletas.

— Ainda mais com você, Magrí! — tinha se explicado no avião a

professora, enquanto as duas viajavam para os Estados Unidos, onde a menina era a

única brasileira inscrita para disputar o Campeonato Mundial de Ginástica Olímpica.

— Nunca tive uma atleta como você. Você vai ganhar essa competição. Você tem de

ganhar! No ano que vem são as Olimpíadas. E eu tenho certeza que a medalha de

ouro também será nossa! Quer dizer, sua... quer dizer, nossa mesmo, de todos os

brasileiros!

Magrí lembrava-se dessas palavras de dona Iolanda, mesmo porque a

professora a pressionava tanto nos treinamentos que ela não podia esquecer-se nem

por um momento do que viera fazer em Nova Iorque: vencer o Campeonato Mundial

de Ginástica Olímpica, competindo com as melhores atletas do mundo.

— Vai ser difícil, dona Iolanda. Como vou poder disputar com aquelas

meninas? Principalmente contra aquela miudinha da Ucrânia... Ela é uma pluma.

Vai voar sobre a quadra!

— Ora, ora, ora, Magrí! — cortou a professora, confiante. Você foi

arrasadora nas três provas até agora. Sua nota foi nove e noventa e nove no salto

sobre o cavalo, nove e noventa e oito na trave e dez nas barras paralelas! Daqui a

dois dias vai ser a última prova: a ginástica de solo. Se você estiver concentrada, a

vitória está no papo! Vamos lá: café e ducha. Volto em quinze minutos. Vamos,

vamos, vamos!

Deixou a bandeja sobre a mesa e saiu. Um furacão.

Magrí tomou apenas dois goles do suco de laranja. Deixou cair a

camisolinha no meio do quarto e correu nua para o chuveiro.

A DROGA DO AMOR - Pedro Bandeira Onde histórias criam vida. Descubra agora