4. O FIM DOS KARAS

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Enquanto estacionava a bicicleta em frente à sede da empresa que

organizava acampamentos de férias, o ex-líder dos Karas repassava a última reunião

secreta com seus companheiros.

E toda a dor daquele momento voltou a apunhalar-lhe o peito.

***

Irrequieto como sempre, com carinha alegre, excitado, Chumbinho antevia

mais uma ação perigosa, mas divertidíssima:

— Ei, Karas, o que será que Miguel quer, hein? Por que essa reunião de

emergência máxima?

— Não sei, Chumbinho.

— Uma emergência máxima sem a Magrí? Logo agora que ela está nos

Estados Unidos!

— É melhor esperar — encerrou Crânio. — Já vamos saber. Pelo alçapão,

Miguel surgiu naquele momento.

Chumbinho tremia, antecipando a emoção. Para ele, todas as aventuras

arriscadíssimas em que os Karas haviam se envolvido já eram passado. Ele

precisava de mais uma.

Decidido, Miguel sentou-se, fechando a rodinha sob a luz que se coava pelas

telhas de vidro.

— Pessoal — começou ele, sem usar a palavra "Karas" -, a junta diretora do

Elite vai demitir a professora de inglês. Como presidente do grêmio do colégio, vou

abrir um abaixo-assinado para pedir que...

Calú interrompeu:

— E o que têm os Karas a ver com o seu maldito abaixo-assinado?

Miguel continuou, ignorando a interrupção:

— ...para pedir que a professora não seja demitida. Os Karas têm uma

missão. Precisamos preparar os colegas, para que o abaixo-assinado tenha o maior

número de assinaturas possível.

— É assim, é? — perguntou Calú, com deslavada ironia na voz.

— É assim o quê?

— Olhe aqui, Miguel, já estou cheio dessa sua mania de mandar. A gente

não devia discutir o assunto primeiro? Descobrir por que a diretoria quer demitir a

professora?

— Olhe aqui você, Calú! — Miguel falou com dureza, sem encarar o amigo.

— O presidente do grêmio do Colégio Elite sou eu e pronto. E eu sei que a

professora de inglês...

— Ah, ah! — cortou Calú. — Você sabe tuuuudo mesmo! E nós não

passamos de cretinos que estamos aqui para fazer o que você manda, como

carneirinhos! Belo grupo o nosso!

Miguel percebeu na hora. Calú viera à reunião disposto a fazer exatamente o

que Miguel queria fazer. Sua decisão tinha um adepto.

— Ora, Calú, vê se cala a boca!

Crânio pulou:

— Que negócio é esse de "cala a boca"? Eu também já estou cheio desse seu

nariz empinado! Cale a boca você!

Calú piorou o clima ainda mais:

— Não se meta na conversa, Crânio! Eu também já estou cheio desse seu

arzinho de gênio, metido a saber mais que todo mundo!

— Ah, é? E você, com esse jeito de galãzinho de novela? O que você está

pensando? Pensa que pode com uma garota de verdade só porque a mamãe acha

você o garotinho mais gostoso do mundo?

— Olha aqui, Crânio! Não bota a mãe no meio!

Chumbinho, de boca aberta, não conseguia entender o que estava

acontecendo:

— Ei, Karas! Que história é essa?

Miguel entrou com tudo:

— Karas, ah! Mas que besteira essa de "Karas"! Não sei onde estava com a

cabeça quando inventei de criar essa maluquice! Isso é coisa de criança!

Chumbinho pulou:

— O quê?! Lutar contra o Doutor Q.I., contra a Máfia, contra os

neonazistas, foi tudo coisa de criança?! Você está querendo me gozar, Miguel?

— Desculpe, Chumbinho, mas procure me entender. — Miguel escolhia

cada palavra. Não podia ferir aquele amigo. Aquele fantástico Chumbinho. — A

gente tem de crescer um dia. Não dá mais para ficar brincando de detetive...

— Brincando?! — Chumbinho perdeu a calma. — Eu te conheço, Miguel.

O que está acontecendo, hein?

Miguel levantou-se.

— Já me enchi, Chumbinho. Estou fora dos Karas.

— Fora dos Karas?! O que você está dizendo, Miguel? Você não pode fazer

isso! Ainda mais agora, que Magrí não está no Brasil. O que ela vai pensar?

O nome de Magrí fez Miguel encarar um a um os três amigos.

— Se vocês quiserem, que continuem com essa brincadeira. Eu estou fora!

Calú levantou-se.

— Antes de você, caio eu fora dessa besteira!

— Você?! — riu-se Crânio. — Quem está fora sou eu!

Miguel já estava próximo ao alçapão.

— Chega! Não quero mais saber de nenhum de vocês. Acabou!

A boca de Chumbinho abriu-se como se fosse engolir um ovo, mas, dessa

vez, o menino dominou a raiva. Havia muito mais coisas no ar abafado daquele forro

de vestiário do que tinha sido dito. E a inteligência aguda do menino queria saber o

que estava acontecendo de verdade.

— Karas, vocês estão escondendo alguma coisa de mim. Isso não é leal!

Será que já não provei que...

Miguel agarrou-lhe o braço.

— Chumbinho, você...

O menino desvencilhou-se com um tranco.

— Eu não vou chorar, Miguel, pode ficar descansado! Não sei o que está

acontecendo, mas vou descobrir. Não vou deixar o grupo dos Karas morrer!

— Mas, Chumbinho...

— Ainda tenho Magrí. Quando ela voltar, nós dois vamos descobrir o que

está acontecendo!

Sem dizer mais nada, Miguel levantou-se e desapareceu pelo alçapão.

Chumbinho olhou suplicante para os dois amigos que restavam. Nenhum

dos dois o encarou e, um a um, deixaram o forro do vestiário do Colégio Elite.

Sozinho, Chumbinho cerrou os punhos e falou para as telhas, para as teias

de aranha, para o pó, para o vazio:

— Eu não vou deixar o grupo dos Karas morrer! !

A DROGA DO AMOR - Pedro Bandeira Onde histórias criam vida. Descubra agora