3. A FUGA DO PIOR DOS BANDIDOS

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Miguel montou na bicicleta e começou a pedalar lentamente, saindo do

portão da garagem para a rua. O local em que seriam feitos os treinos para monitor

de acampamento era meio longe. Talvez meia hora de bicicleta.

"Cuidar da criançada! Ufa! Um monte de moleques mimados, cheios de

vontades... Bom, preciso me ocupar nessas férias, senão vou ficar maluco!"

Pedalou sem vontade. Naquela marchinha, levaria uma hora para chegar.

Pensava na discussão furiosa que o tinha levado àquela decisão. A pior decisão de

sua vida... Mas a única que ele poderia tomar.

Uma decisão que tinha significado o fim do grupo dos Karas. A discussão...

Miguel não se lembrava direito de como aqueles minutos horríveis tinham

começado. Mas se lembrava perfeitamente de que, na hora, percebera que aquela era

a sua oportunidade de acabar com tudo, de afastar para sempre o problema que o

enlouquecia.

"Magrí... Como eu poderia disputar você com Calú? O menino mais bonito

do Colégio Elite, o atorzinho paquerado por todas as meninas... E com Crânio? O

aluno mais inteligente da história do colégio? Ah, que os dois briguem por Magrí.

Eu não posso.. "

A briga começara com Calú, quase uma briga mesmo, quase... E Crânio?

Entrara na discussão como um incendiário, botando lenha na fogueira, dizendo

coisas que... E Chumbinho! Ah, pobre Chumbinho! Como poderia ele entender o

que aconteceu?

***

— Detetive Andrade! É com o senhor...

O gordo detetive pegou o fone estendido pelo guarda.

— Quem é?

— É o diretor da Penitenciária Estadual de Segurança Máxima.

Andrade nem pôde iniciar os cumprimentos de praxe que o telefonema de

um diretor de penitenciária merecia. Foi interrompido antes de completar "boa

tarde".

Apenas ouviu. E o que ouviu deixou-o gelado.

— Ele... ele conseguiu fugir?!

***

O ano estava no fim. Só compareciam ao Elite os alunos que tinham provas

de recuperação. Não eram muitos, pois o Elite era um colégio especial, para

estudantes também muito especiais.

Convocado para aquela que seria a última reunião dos Karas, Calú

caminhou apressado para o vestiário. Suas notas já estavam fechadas muito antes, e

quem o encontrasse no colégio o veria apenas como o diretor teatral do grêmio

estudantil.

Sumiu no quartinho das vassouras e, ágil como um trapezista, pulou para o

alçapão, desaparecendo na vastidão do forro, protegido de todas as vistas e de todos

os ouvidos.

Crânio e Chumbinho já estavam sentados no forro, esperando. Magrí não

viria. Estava nos Estados Unidos, para o Campeonato Mundial de Ginástica

Olímpica.

Iluminados apenas pelas poucas telhas de vidro, que deixavam entrar um

pouco de luz natural no forro, os três sentavam-se como budas, à espera de Miguel.

***

O detetive Andrade desligou o telefone, sem acreditar no que acabara de

ouvir.

Seria um desastre para a sociedade se qualquer um dos prisioneiros, que

eram fechados a sete chaves na Penitenciária de Segurança Máxima, conseguisse

fugir. E, de todas aquelas feras humanas, um era o mais perigoso. Porque era o mais

inteligente. E o mais amoral.

Andrade sabia. Tinha prendido aquele monstro inteligente, educado, culto,

frio como uma navalha. Alguém para quem o crime era a razão de sua vida. Alguém

que jamais tivera razões sociais, de pobreza ou ignorância, para escolher o crime.

Aquele homem nascera com o crime no sangue. Ele era o mal.

Sua ação devastadora pretendia apenas o poder. Considerava lícito usar

jovens como cobaias, seqüestrar e assassinar, no seu sonho louco de controlar as

vontades. O detetive, com a ajuda dos seus queridos meninos, conseguira prendê-lo,

pondo fim ao rumoroso caso da Droga da Obediência.

E, agora, o Doutor Q.I. desaparecera da Penitenciária de Segurança

Máxima!

Ninguém estaria seguro com aquele homem à solta.

E os seus meninos? Sim, porque Andrade considerava Magrí, Chumbinho,

Miguel, Calú e Crânio como os seus meninos. Aquele monstro haveria de querer

vingar-se, pois eles tinham sido os verdadeiros responsáveis pelo fim de sua carreira

de crimes.

O Doutor Q.I.! Maldito! Em liberdade, aquele criminoso nunca descansaria

até vingar-se dos meninos!

Não! Isso ele jamais permitiria. Os seus meninos nem ficariam sabendo da

fuga do Doutor Q.I. Andrade o prenderia de novo, antes mesmo que a imprensa

descobrisse aquele desastre. Não importava o que custasse.

— Eu juro! Eu vou pegar esse canalha de novo! — falava sozinho,

enxugando o suor da careca com o lenço. — Meus meninos não podem correr

perigo!

A DROGA DO AMOR - Pedro Bandeira Onde histórias criam vida. Descubra agora