capítulo dezenove

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                                      ...

Depois de certificar que Luan estaria na cama ele foi para seu quarto trancou a porta e suspirou fundo tentando manter o controle.

"Isso realmente está acontecendo?"

Sua cabeça parecia pesar uma tonelada e suas pernas não aguentavam aquele peso todo, a respiração começou a ficar cada vez mais pesada e o coração a cada batida aumentava a velocidade. Iria acontecer de novo, a emoção sombria o atingiu novamente depois de tanto tempo.

Clarisse começou a notar o garoto inquieto se remexendo na cama, ele havia se deitado para evitar mostrar seu rosto odiava que ela o visse assim. A assombração que já tinha entendido o que estava acontecendo começou a murmurar uma música qualquer tentando desviar a atenção de Lucas de todos os problemas algo que era quase impossível mas ela tinha que tentar alguma coisa. O murmuro não ajuda em nada visto que o quarto permanecia sem oxigênio, ela delicadamente se deita ao lado do garoto que estava de costas para sua imagem.

O espírito não entendia como funcionava aquilo muito bem ainda mas parecia que sempre que estava perto do garoto podia sentir algumas de suas emoções tanto ruins quanto boas. Ela especula que talvez ele também possa sentir as emoções de um fantasma então teria que ficar mais calma possível.

Mexendo nos cabelos dele enquanto o ar voltava para seus pulmões algumas lágrimas solitárias desciam salgando seu rosto. A inquietude vai sumindo aos poucos quando sente uma calmaria surgindo em seu interior, a fantasma volta a murmurar o ritmo daquela música que Luis murmurava sempre pra ela quando criança para adormecer.

Dormir não seria uma opção hoje já que havia um homem nada confiável descansando na sala de estar.

- Você não vai dormir? -a fantasma pergunta após mais alguns minutos tocando os cabelos negros de Lucas.

- Acho que não consigo. -disse rouco, a fantasma para de fazer cafuné. -Não para. -ele mexe a cabeça levemente.

- Folgado. -brinca. 

- Obrigado. -Lucas sente um nó formar em sua garganta.

- Está me agradecendo por que?

- Mesmo depois de tudo que eu fiz você continua sendo a minha salvação. -disse envergonhado.

- Você não fez nada de ruim para mim, nem em ser humano nem em fantasma.

Nada era capaz de tirar o sentimento de culpa de seu peito, era algo que o garoto pensava que estava destinado a sentir para toda a eternidade.

Os dois agora estavam deitados na cama olhando pro teto de forro branco, Lucas tentou contar carneirinhos mas não foi de grande ajuda, Clarisse cantou algumas canções de ninar infantis o quê não resultou em adormecer mas sim em boas risadas. Quando ouviram passos descendo as escadas tentaram fazer o máximo de silêncio, Lucas imaginava sobre o que sua mãe iria pensar se ouvisse ele rindo no meio da noite "sozinho", principalmente em uma situação dessas.

"Ela iria pensar que eu usei drogas, certeza!"

O garoto não podia evitar sentir um pouco de felicidade naquele momento, o momento era crítico mas se sentia sortudo por tê-la ao seu lado. O sorriso, o cheiro, o som da risada, tudo dela ó encantava de uma forma que ele não conseguia explicar. Se ela fosse embora o vazio que sempre sentiu estaria novamente em seu peito mas sabia que esse dia chegaria em alguma hora, o que restava fazer era memorizar cada detalhe de seu rosto, o nariz arrebitado que ela sempre fazia questão de empinar ainda mais com suas provocações, os lábios avermelhados que quase sempre estavam com aquele sorriso delicado, as bochechas coradas e as três pintas discretas que tinha em cima de sua sombrancelha, aqueles dois pontinhos que Lucas adoraria depositar alguns beijos, somente se chegasse bem próximo ao rosto dela daria pra percebe-las alí.

- Quando eu era pequeno minha mãe contava histórias bíblicas para mim todos os dias, ela chegava do trabalho e antes mesmo de jantar me colocava para dormir com as histórias as de "Davi e Golias" e "Daniel na cova dos leões" eram minhas histórias preferidas. -disse quando de alguma forma o assunto começou a ser de como viveram a infância. Clarisse era especialista em trocar de assuntos rapidamente, isso veio a calhar quando Lucas teve algumas crises e ela precisava distrai-lo.

- Meu pai que me colocava para dormir, ele inventava histórias. -sorri ao se recordar. -Quando eu tinha uns dez anos ele começou a contar sobre mitologia grega.

- Você com dez anos ainda dormia com historinhas. -brinca.

- Idiota. -sorri.

- Eu era muito fã do Poseidon. -ele se interessava por mitologia e crenças que foram esquecidas ao passar do tempo seu interesse foi sumindo mas não tinha um real motivo de ter parado de ler e estudar sobre.

- Água. -disse zoando seu deus grego preferido. -O meu é Zeus.

- "Deus todo poderoso". -seu tom de voz era zombeiro mas ele também gostava desse deus era só para provocar.

- Meu pai me disse que quando fomos criados tínhamos duas cabeças, quatro braços, quatro pernas e uma só alma. Éramos seres tão completos que subimos ao céus e lutamos contra os anjos como castigo Zeus nos separou e assim ficamos incompletos e perdidos, os deuses nos jogaram na terra novamente e pela busca do que faltava ficamos condenados a procurar a nossa outra metade até sermos felizes novamente. -Lucas formou um ò perfeito com a boca, era tão bom ouvir ela falar de assuntos que dominava. -No final descobri que era tudo um mito, estudando filosofia soube que essa história foi escrita por Platão.

- Isso tirou toda o romantismo da história. -Lucas vira a cabeça olhando o perfil da assombração.

- Me desculpa. -seu tom de voz era risonho. -Somos feitos de poeira cósmica e sua alma gêmea é simplesmente uma poeira feita da mesma estrela que você.

- Você acredita em alma gêmea? -Lucas questiona.

A fantasma vira a cabeça enxergando os olhos de Lucas, estava escuro mas seu olhar era iluminado.

- Não sei ao certo, talvez eu acredite mesmo que seja minimamente. E você? Acredita que a parte que te deixa completo está vagando por aí?

"Vagando talvez não mas deitada ao meu lado."

- Acho que somente quando é impossível das almas ficarem completas que elas se encontram, talvez seja parte do castigo. -Clarisse curva seus lábios para cima com um sentimento de amor invadindo seu ser.

- Faz um pouco de sentido. -diz voltando seu olhar para o teto.

Naquela noite Lucas teve a confirmação de seu dilema:

Ser um egoísta ou ser um prisioneiro?

De qualquer forma ele aproveitava os momentos com ela e torcia para não ser aquele o seu "último desejo", sua idéia principal continuava ser liberta-la e se entregar a polícia.

Separados Pelo Acaso Unidos Pelo DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora