Sexta-feira - 12 de setembro - Noite

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Os minutos naquele sofá de couro acolchoado se tornaram horas. Horas dentro daquela pequena cena de conforto, onde o Xiao deixava lágrimas mudas e finas descerem por seu rosto, enquanto era embalado como uma criança pelos braços protetores e quentes de Yibo. Não trocaram mais palavras, não era necessário. As presenças e os segredos trocados ali já bastavam para que se entendessem, percebendo que depois de tanto choro e mágoas, tudo o que o mais velho precisava - naquele momento, pelo menos - era um abraço de alguém que ele confiava e que tivesse ciência de todo o seu passado.

A calmaria foi interrompida quando se fez presente um grande barulho de água caindo, assim como o som do vento forte balançando a copa da árvores que enfeitavam o condomínio. Yibo olhou pela fresta da cortina na varanda, vendo apenas a janela de vidro inundada e alguns clarões originários dos trovões e clarões.

 - A resposta é não. - A voz do Xiao soou abafada e meio rouca pelo choro intenso e pelas horas sem usar. O mais velho não se mexeu um milímetro de como estava, apenas continuou com seu rosto enterrado na curva do pescoço branquinho, aspirando a recém descoberta fragrância  favorita. - Você não vai sair nessa chuva. Ficou louco?

- Mas... Eu nem sequer disse nada. - Yibo disse com a voz beirando a brincadeira, enquanto ainda afagava as costas do homem sobre si. Na realidade agradecia pelo o outro não conseguir ver seu rosto, tinha certeza que estava com as orelhas e o rosto vermelhos. Sim, ele pensou em como ir embora e deixar o outro descansar, afinal ainda estava na casa alheia. O jeito era esperar ela passar pra ir embora, mesmo que de madrugada.

- Você não vai esperar ela passar pra ir embora de madrugada, Bo-di. Não  seja tonto. - Tudo bem, agora o Wang ficou levemente surpreso. - Sim, você é tão óbvio quando parece. E não eu não leio mentes.

- Tem certeza? - A dúvida era real, nem sua irmã fazia aquilo. Se fizesse ela teria o outro na palma da mão e ambos brigariam mais do que já brigam, mesmo que fossem briguinhas bobas e meras provocações.

- Sou irmão mais velho de dois adolescentes retardados e sem freio. Ou eu criava um sensor pra quando fizessem merda, ou eu ia ficar na merda. - Zhan sorriu um pouco, fazendo com que seu hálito quente batesse contra a parte exposta do pescoço alheio, causando arrepios no pobre leão. - Tem um quarto de hóspedes aqui, pode ficar a vontade.

- Seus irmãos vão me matar se virem um homem estranho o irmão mais velho deles.

- Eles não vem pra casa esse fim de semana, estão em um acampamento perto da área das montanhas, não vai correr risco de vida, Didi. - Zhan se mexeu e se afastou um pouco, mas ainda se mantinha no abraço e sentindo o calor do outro. - Temos que dar um jeito de você tomar banho, acho que deve ter alguma roupa que te caiba.

- Você pensa nisso depois de comer. - Yibo viu que o outro iria retrucar, pois se remexeu inquieto. Em um ato impensado o Wang apertou o abraço de forma sufocante. - Ou você come por bem, ou eu pego aquela panela apimentada e meto na sua goela abaixo, me entendeu? - Era para soar em uma falsa ameaça, mas Xiao Zhan começou a gargalhar. Tanto que tombou o pescoço para trás.

- Está bem! Mas tem de comer comigo. Que tipo de anfitrião eu seria se te deixasse com fome? - O sorriso de coelho foi interrompido pelo som da campainha tocando. Yibo viu o outro sorrir e ir até a porta. Quando a madeira foi aberta, um cachorro de pelos negros e porte médio/grande pulou em cima de seu veterano, este que o recebeu com um largo sorriso e uma voz boba de bebê. - Yoda! Também senti saudades!

- Zhan, ele chorou o dia todo querendo vir, as vezes acho que ele te ama mais do que me ama. - Uma senhora na casa dos 60 se fez presente, com roupas de estampas floridas e um longo cabelo grisalho, mas por incrível que pareça o mais chamativo na senhora eram as tatuagens já gastas e de traços estourados em sua mão. A mulher lhe viu sentado no sofá e deu um sorriso um tanto estranho ao Xiao - Seu namorado gosta de cachorros, não é? - Ambos os garotos se acanharam, o que serviu de confirmação para a senhora entender que não namoravam, ainda. O animal de quatro patas por outro lado, não gostou nenhum pouco do fato do Xiao parar de acarinha-lo, sendo assim, percebeu o homem desconhecido no sofá de sua babá. Como o bom babão que era, não tardou em ir dar as boas vindas ao azulado, sendo recebido de braços abertos e pelos olhos do Wang que brilhavam para Yoda. - Pelo visto gosta. Bem, eu já vou indo. Boa noite, queridos. Se comporte, Yoda.

- Tome cuidado, senhora Ling. Boa noite! - Zhan fechou a porta e ao se virar pode se separar com um alegre vira-lata sendo muito bem mimado pelo azulado. Foi impossível não sorrir. - Didi, este é o Yoda. Yoda, este é meu Didi, Yibo. Aquela senhora é dona dele e os netos dela vem todo final de semana, mas um deles tem problemas de pulmão, então eu cuido do Yoda. - Xiao continuaria a falar sobre o animalzinho, quando um trovão se fez presente. Assustando não só os dois homens como o cachorro que pulou em Yibo buscando proteção. Zhan foi até a varanda, fechando seu vidro e as cortinas buscando abafar o som. - Prontinho, Yoda. Agora, vamos comer, Didi. - Zhan iria acompanhar o outro até a cozinha, mas lembrou de um detalhe que lhe fez ganhar um rubor nas bochechas. - Ahn... Bo-di, pode ir indo pra cozinha, fique a vontade. Eu preciso pegar uma coisa. - Dito isso o mais velho sumiu corredor a dentro, entrando em um dos cômodos do apartamento.

O estudante de educação física estava notavelmente acanhado, mas obedeceu o outro indo a cozinha sendo seguido por um animado cãozinho preto. Yibo se deixou observar a residência alheia. A sala era de um tamanho adequado para acomodar quatro pessoas no sofá de couro e mais duas acomodadas nas poltronas postas em casa lado do sofá, todos os três virados para a televisão posta na única parede do cômodo pintada de azul claro. O mais novo pode ver as fotos dispostas pela casa, sempre os três irmãos unidos e fazendo trilhas, na praia, mas o que mais chamou atenção foi uma foto mais antiga e que parecia ter sido restaurada. Uma mulher de longos cabelos negros e um sorriso doce, olhos meigos e uma pele branca. Ela era linda e segurava um bebê gordinho que lançava um sorriso banquela para a câmera.

- Minha mãe. - O Wang se assustou quando sentiu a mão fina tocando seu cabelo, no já tão conhecido cafuné. - Os meninos não lembram dela, então achei bom ter ela aqui.

- É você, Zhan?

- Sim, devia ter pouco mais de 1 ano.

- Você é igual a ela. - Yibo passou o dedo pelo rosto do bebê, sorrindo pela imagem tão adorável. - Até como bebê você já era lindo. Que injusto, Xiao Zhan.

- Já se olhou no espelho? Você é um dos garotos mais bonitos da faculdade. - Zhan tinha as bochechas coradas, o rubor se espalhou pelo nariz e pescoço quando o mais novo se virou pra si, dando de cara com o mais velho segurando seu diário na mão esquerda. - Isso é seu...

Yibo também corou, mas já estava na merda então já não adiantaria mais surtar, ainda mas quando sabia que era recíproco. - Leu tudo?

- N-ão, só a primeira folha. Eu soube que era tu pelo café... - Xiao viu o outro suspirar aliviado, mal sabendo o mais velho que o Wang detalhava seus sonhos molhados em seu caderno. - Vem, hora do jantar. Depois eu te mostro a casa, tá?

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