A manhã não havia clareado ainda quando meu alarme tocou, fiquei meio disperso por alguns minutos até lembrar o que tinha programado para os próximos dias. Levantei um tanto sonolento e, depois do banho, encontrei com a Rosalee na cozinha. Tomamos café juntos enquanto discutíamos os últimos detalhes para viagem.
O plano era voltar ao México, para uma visita é claro, mas uma visita um tanto lamentável. Depois da morte dos nossos pais, comemorávamos o "dia de los muertos" todos os anos. No âmbito mexicano, essa data ganhava muita ênfase, sendo considerada um dos feriados mais populares do país. A tradição acredita que os entes queridos podem voltar à terra para rever seus parentes, amigos ou pessoas amadas.
Desde que eu e a Rosalee éramos pequenos, participávamos dos desfiles e festividades que aconteciam no centro da cidade. Naquela época não entendíamos o real sentido da noite no cemitério, mas com o tempo nossa abuelita nos ensinava o significado das fotos, comidas e velas em torno dos túmulos.
Era um tanto estranho comemorar algo que lembrava a morte, mas não deixava de ser um meio de ficarmos mais perto daqueles que um dia fizeram parte das nossas vidas. Nos primeiros anos, a ficha não tinha caído ainda, era muito difícil acompanhar o ritmo quando se tratava de um integrante da família. Conforme o tempo foi passando, o processo se tornou um hábito e foi ficando mais fácil para nós enxergamos as coisas por um outro lado.
Como isso envolvia toda a família, combinávamos com a tia Kelly de voltarmos juntos todos os anos e esse não seria diferente. Na semana passada a Rosalee tinha falado com ela para irmos até lá e de lá pegarmos o vôo para o México. Por causa do seu trabalho em um dos maiores restaurantes gastronômicos do Kansas, ela tinha certos privilégios, como conseguir descontos nas passagens.
Sempre deixávamos essa tarefa para a tia Kelly, até porque a primeira e última vez em que tentamos comprar uma passagem, digitamos algum número errado dos documentos e perdemos aquele voo. Resultado: tivemos que pegar passagens de última hora e, além de ser o dobro, quase chegamos atrasados para as comemorações. Depois disso, achamos melhor não arriscar mais.
Depois do café, enchi a tigela do Nachos e troquei sua caixa de areia. Acariciei-o por alguns instantes enquanto ele ronronava em minhas pernas. Tinha combinado com o Gabe de vir cuida-lo enquanto estivéssemos fora. Ia deixar a chave de casa no lugar combinado, até porque para entregá-la agora era cedo demais.
O gato que agora estava sentado na bancada parecia entender o que acontecia, ele me olhava com desgosto como quem dissesse "vai me abandonar é?" Fiz um último carinho entre suas orelhas antes de ajudar a Rosalee a levar as malas pro carro.
Eu tinha pego o básico para passar o fim de semana, levando apenas uma mochila. Já minha irmã, tinha uma mala de rodinhas, uma mochila pequena e mais uma bolsa - mulheres - eu sabia que ela não ia usar nem metade do que estava na bagagem, mas nem adiantava eu dizer isso porque não seria ouvido.
Antes de deixar a casa, nos certificamos de que os documentos estavam em mãos, assim como nossos passaportes. Queria deixar bem claro que eu odiava a foto que tínhamos tirado para o registro, meu corte de cabelo na época não combinava comigo. Como se isso não bastasse, minhas espinhas estavam no auge da minha adolescência. É sério, não era nada legal.
Pra resumo de conversa, mudei o corte e minha irmã me obrigou a fazer uma terapia contra os acnes indesejados. Agradeço ela até hoje, minha pele mudou drasticamente e, felizmente, não ficaram marcas nem manchas. Eu admito que tinha vergonha de contar pras pessoas sobre o tratamento, mas depois que vi os resultados, deu vontade até de fazer propaganda para o kit de produtos que tinha usado.
Enfim, depois de trancar a casa coloquei a chave dentro de um vaso de planta que ficava suspenso no teto da varanda. Esse fora o lugar combinado para o Gabe pegá-la quando acordasse. Assim que eu e a Rose entramos no carro, já puxei o celular para deixar uma playlist rodando, nisso percebi uma mensagem na barra de notificações e sorri com o fato.
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Mexicano
Novela JuvenilThomáz Sánchez, um quase formado estudante de ensino médio. O último ano promete festas, brigas, amores e, quem sabe, uma amizade improvável.