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Kiiari estava com medo, mas sabia que essa era a única maneira.

Seu coração retumbava no peito enquanto caminhava pela viela escura e fria. Seus passos eram acompanhados por outros.

Homens e mulheres aos quais ela se juntou para completar a missão. Eram doze no total e nenhum deles se atrevia a grunhir sequer.

Eles treparam e adentraram em um velho edificio quase decrépito, que como todos os outros da pequena cidade do Huambo, Kiiari pensou, tinha um odor fétido a carne estragada.

Dentro do edificio, iluminado por uma fraca luz azulada que saia de uma das lampadas no teto. Kiiari viu caixas, uma centenas, talvés. Estampadas com a insignia do VLP-14: um escudo dourado.

Ela se aproximou e abriu uma das caixas, seu rosto se iluminou.
Ela sabia que sorrir refletiria sua verdadeira idade e com isso sua fraquesa. Sabia que o corte de cabelo curto, e roupas velhas masculinas de nada serviriam quando sorrisse. Mas não conseguiu evitar.

Era comida de verdade que ela estava vendo e não aquelas porcaria de pão mofado e carne seca com que estava habituada.

Haviam maças verdes, bananas empacotadas em sacos de plásticos, potes de geleia e leite, farinha integral e muitas outras coisas que ela não sabia nomear.

- Está tudo aqui, Walter - disse.

Walter aproximou-se, era baixo e tinha quase a mesma altura que Kiiari. O rosto em carranca e enrugado, olhou para dentro da caixa, porém não demostrou qualquer expressão. Ele fez um gesto, um homem e uma mulher se aproximaram.

- Preparem os transpostes - ordenou. Sua voz era fanhosa e irritava Kiiari. Os dois jovens se apressaram a fazer o que lhes foi ordenado.

- O restante, ajudem a carregar as caixas.

O som ríspido de metal sendo friccionado invadiu o lugar e uma corrente fria arrepiou a nuca de Kiiari.

Meia hora depois, as caixas estavam todas arrumadas nos seis veículos e cada um deles deu partida, escolhendo uma estrada diferente para não chamar atenção.

Kiiari subira em uma van cinzenta, junto com Walter. Estava sentada no banco de passageiro enquanto ele dirigia.

A adrenalina abandonava seu corpo e o cansaço tomava o lugar. Sentiu que estava sendo vigiada e percebeu com desgosto que era Walter.

- Você se saiu bem - Ele disse tocando sua coxa. Ela fingiu indireitar-se na cadeira.

- Obrigado - Disse e cerrou os punhos tão forte que começaram a doer.

Para pessoas que conheciam Walter a duas semanas, Kiiari pensou, diria que ele é um homem correcto e de certa forma bom. Que como todos os outros queria derrubar o governo ditador e trazer a Angola de 100 anos atrás, mas para quem conhecia Walter por mais tempo que isso e tinha o infortúnio de ser mulher e possuir não mais que 19 anos, diria que ele é um filho da puta estrupador de crianças.

Uma conversa com uma amiga brotou na cabeça de Kiiari, ela contava tudo que Walter a fizera. Kiiari desejou, de todo o coração, que esse homem morresse, que os deuses amaldiçoassem Walter e que cortassem seu...

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