VII

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A luz da manhã entrava por frestas nos cantos das paredes de metal e iluminava o lugar.

Eles estavam parados por meia hora e Kiiari calculava que já tivessem chegado. Agora pouco tempo restava.

Ela encarou Guy pelo canto do olho. Ele era alto e magro, com traços bem delineados. Parecia um cachorro de rua quando ficava calado e ela sempre adorou isso.

Guy era alguém que podia aparecer quando se precisasse dele ou se tornar invisível quando não se precisasse. Era uma sombra ou uma bengala, dependia apenas de como ele enxergava a situação.

— Não pense que eu não vejo você — Ele disse. Kiiari sentiu suas orelhas queimarem e desviu o olhar.

—Você é um idiota — ela disse e percebeu que estava sorrindo.

— Não precisa se desculpar — ele continuou — as vezes eu sou meio dificil de ignorar, é a minha beleza estonteante.

Ela riu, mas abafou o sorriso quando as pessoas ao seu redor a encararam.

— Eu não estou pedindo desculpas e também não estava encarando você — sussurou — estava pensando apenas.

Guy entrelaçou sua mão com a dela, era isso a outra coisa que Kiiari adorava nele. Era sempre o primeiro a agir, desde que ela o dexafiara.

— Porquê você simplesmente não admite que estava me encarando?

Eles olharam um para o outro. Os olhos amêndoados de Guy pareciam ver através dela.

— Desculpa — Kiiari disse e sentiu seu estômago se revirar.

— Não precisa pedir desculpas …

— Não. Não por isso — ela o interrompeu, sua voz quase falhou e apertou ainda mais a mão de Guy — Desculpa por traze-lo  aqui, por fazer você se juntar ao grupo, por… por fazer você ser morto. Eu sei que você entrou por minha causa e peço imensas desculpas.

— É, eu me alistei por você, mas foi porque eu não pudia viver sem você, não ve-la todos os dias ia acabar por me matar.

Kiiari sentia que não possuía mais voz, apenas fez um gesto com a cabeça em negação. Guy continuou.

— Desde que você entrou naquela casa escondida atrás do seu irmão, eu queria ficar ao seu lado para sempre. Lembra quando você me avisou para que parasse de olhar?

— Mesmo assim você não ouviu.

— É. No dia seguinte você socou tão forte meu abdómem que eu pudia jurar que meu estomago havia estourado.

Eles riram baixo.

— Não importa oque aconteça hoje, eu escolhi isso. Não é sua culpa.

A porta foi aberta com um rangido estrondoso. A luz repentina os cegou por alguns instantes.

Tropas Cazumbi aguardavam armados.

— Saiam um de cada vez. Se tentarem escapar ou fazer uma coisa mais estúpida, serão mortos. — Uma voz disse.

Cada uma das figuras no contêiner fez oque lhes foi ordenado.

Guy tocou a lateral do rosto de Kiiari ergeu-o e a beijou.

Seus lábios eram mácios e pareciam pedaços de algodão. O mundo dissolveu-se e só eles restavam. O momento pareceu durar para sempre, mas até esse sempre possuia um fim.

— Eu preciso que você prometa algo — ela disse arfando — Se houver uma chance de escapar, você vai aproveita-la. Sem olhar para trás, sem pensar duas vezes.

— Não — Ele disse.

— Prometa, pelos deuses. — Kiiari insistiu.

Guy a encarou com o sobrolho franzido. Ele mordeu o canto do lábio inferior e respondeu:

— Eu prometo.

Ele dirigiu-se para a porta, mas Kiiari segurou seu braço, o puxou para perto dela e o beijou novamente.

Era a primeira vez que ela tomava a dianteira. Pareceu tão fácil que ela se perguntou como não o fizera tantas outras vezes.

Concluiu que pensar demais travava as pessoas e as impedia de realmente fazerem as coisas.

As vezes precisamos agir sem pensar. Correr e só depois ver se a trilha é a mesma. Porque quando o doloroso final chega — e ele acabava sempre por chegar — não se pode fazer muito.

O tempo era um velho carrancudo que aceitava quilapes, tantos quanto fossem possíveis, mas quando chegava para cobra-los, era implável em sua recolha e nada nem ninguém podia impedi-lo.

O tempo cobrava sempre suas divídas.

Ela percebeu que o seu tempo havia terminado e a divída estava sendo cobrada.

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