VIII

69 55 0
                                    

Enquanto banhava, os detalhes de seu sonho se esvaim tão rápidos quanto o vapor, tal igual todos os outros dias, porém, desta vez, deixavam uma dor de cabeça lancinante.

Asoke fechou o chuveiro e dirigiu-se ao espelho no centro do cúbiculo que era o banheiro.

Havia um ematoma roxo em sua bochecha esquerda e duas marcas minusculas de queimadura no peito. Um taser, Asoke pensou, o filho da mãe usou um taser.

Tudo aquilo fora real.

A apresentação, Luena Gonçalves, Bela, e até mesmo os olhos azuis brilhantes do motorista maluco.

Ele decidiu que a última coisa fora só algum tipo de alucinação ou projeção da luz.

Dirigiu-se até a cozinha onde comeu macarrão com frango, frio. Quando terminou, estava decidido a voltar a dormir. O telefone velho tocou, Asoke dirigiu-se até ao criado-mudo, encarou o telefone que servia apenas para uma coisa.

Ele não tinha um telefone portátil — que eram absurdamente caros — e nem amigos ou familiares que ligassem. Essa chamada só podia ser  do governo, e ela não significava coisas boas.

— Alô — Ele disse.

Uma voz feminina repetiu as mesmas palavras na outra linha do telefone:

Execução. Presença obrigatória. 12 horas.

— Ok — ele disse e desligou.

Era assim que Odruarde controlava as coisas, não só ele, mas como todos os outros Presidentes. Execuções públicas apagavam a chama de qualquer um que tentasse fazer frente ao sistema.

O problema é que Bela e Manuel não pareciam se assustar facilmente, não quando o assunto era a suposta emancipação do povo.

Asoke viu horas em um relógio que tirou da gaveta do criado-mudo. Faltavam duas horas para acontecer.

Ele vestiu calças jeans surradas, uma camisa branca e ténis pretos. Penteou o cabelo e a barba. Retirou uma nota de cinco mil kwanzas, que era o que restava de suas poupanças, e torceu para que a organização da festa de Odruarde enviasse o cheque com o pagamento o mais cedo possivel.

Dirigiu-se até a porta e saiu.
O sol escondia-se em nuvens negras e violentas, o ar estava estranhamente frio. Um clima perfeito para execuções, ele pensou. Voltou para dentro para buscar um casaco.

Pegou um táxi junto com um homem.

— Para onde? — o motorista questionou.

— Praça da Sujeição — responderam os dois passageiros em uníssono.

Nova AngolaOnde histórias criam vida. Descubra agora