II

101 70 7
                                    

Mesmo com a ansiedade o corroendo, Asoke não conseguia parar de pensar em como a capital de Nova Angola parecia uma cidade fantasma.

Enquanto a névoa negrume e penosa cobria todas as 16 províncias desse país,  Luanda parecia ter uma barreira de luz que afastava tudo e todos que não cheirassem a Kwanza ou banhassem em óleo de amêndoa.
Ele disse para si mesmo:
Era como se os deuses bantu tivessem sangrado em suas ruas e cuspido bênçãos, o problema é que foram as pessoas erradas quem as receberam.

Ele olhava as ruas, os prédios e as estátuas untuosas de Odruarde D'os Santos ornamentadas com ouro, pelo vidro fumado do carro. Mesmo sobre a escuridão da noite e o vidro ofuscante, a cidade reluzia, irritando seus olhos.

Asoke concentrou-se no reflexo do vidro.

Um homem com cabelo e barba bem aparados e olhos cinzentos tempestuosos, o encarava. Está usando um fato de samakaka, com detalhes em dourado e vermelho. Ele devia estar sorrindo, mas sua expressão é de simples e pura confusão, como quando se esquece de uma palavra para uma letra de suas musicas.

— O que eu estou esquecendo? —  murmurou.

— Oque disse senhor? — O motorista questionou, olhando  para Asoke pelo espelho da frente.

— Não é nada, só estou revendo algumas notas.
— Grande dia não é?
— É, eu acho.

O motorista olhava curioso para Asoke, como se percebesse que esse não era o seu lugar. Sentar em um carro chique com motorista, poucos podiam fazer isso, e Asoke não era um deles.
Seu lugar é conduzindo, ele imaginou o motorista dizer.

— Eu sei que podia ser preso por perguntar isso a um dos convidados do presidente, mas você não parece ser um deles… senhor. Se importa se eu fumar um pouco.

— Não, tudo bem.

O Motorista tirou o chapeu, repousou sobre o banco de passageiro revelando uma cabeleira negra e untuosa.

— Minha mulher diz que o tabaco vai acabar por me matar. — Ele retirou habilmente uma maço de cigarros e um isqueiro de plasma — Mas sabe o que vai acabar por me matar? O ciclo vicioso que é essa vida de merda… quer dizer dessa porcaria de vida.

Ele apontou o maço para Asoke.

—Não, obrigado.

— Luanda não é uma cidade para se viver. Em outros lugares, nós vemos pobreza e fome, mas as pessoas lá são como baratas, é muito dificil mata-las. Aqui, há comida e bebida, trabalho e dinheiro, mas não têm saúde meu caro… como é mesmo o seu nome?

— Asoke Kiluanji.

Ele retirou um cantil do bolso do casaco, tomou um gole, Asoke se perguntou se aquilo era oque ele estava pensando.

— Nome dos antigos. Como eu dizia, Luanda é como uma droga, ela té da prazer, mas leva seu fígado junto.

O motorista balançou o cantil, frisando sua metáfora.
Asoke conclui que gostava do sujeito.

Ele parecia ser o tipo de pessoa inteligente o suficiente para escrever um livro, mas com esses ideias, ela não ia publicar nada aqui. Nada que o governo permitisse.

Nova AngolaOnde histórias criam vida. Descubra agora