IX

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Ela estava com raiva.

Raiva do VLP-14, de Odruarde D'os Santos e até de seu irmão e de todas as pessoas presentes na Praça da Sujeição.

Um ódio que nem a possivel morte pudia apaziguar, que corria por suas veias e ia direto para o coração.

Ela estava decepcionada com todos, principalmente com as pessoas que a encaravam como se ela fosse causadora de todos os seus problemas. Como se ela fosse o monstro que ceifa seus bens e destrói seus lares, mata suas crianças e estupra suas mulheres.

O largo do 1° de maio estava abarrotado de pessoas.

Kiiari sabia que todas elas foram obrigadas a comparecer, mas achou que pelo menos algumas ofereceriam resistência. Ela concluiu que isso eram apenas seus devaneios.

Estandartes do VLP-14 estavam dispostos em postes por toda a praça. No centro dela, uma estatua dourada tocava o céu nublado.

Uma estátua de Odruarde, que quando ele fosse se aposentar, seria substituida pela do novo presidente escolhido pelo próprio governo.

Haviam telas em diversas aréas da praça, todas elas mostravam os prisioneiros. Os guardas Cazumbi formavam uma parede, impedindo que civis se aproximem.

Kiiari estava ajoelhada sob o piso de marmore à alguns metros da estátua, seus companheiros ao seu lado, as mãos algemadas e dormentes, o frio penetrava em sua pele, seus músculos, e se infiltrava até o tutano de seus ossos.

Ela tentou imaginar como pareceria para todas as outras pessoas. Uma criança idiota e assustada coberta de andrajos ou uma mulher rebelde cujo único arrependimento era ter trazido o amor de sua vida para as portas da morte.

Ela endireitou sua postura, cerrou o maxilar e encarou as figuras à alguns metros.
Odruarde se aproximou do microfone. Trajava um terno cinzento claro do mesmo tom que seu cabelo.

— Nossas leis nos protegem e nos guardam. Impedem que nos tornemos monstros… —  ele disse, sua voz ecoando pela praça — mas existem aqueles que se acham estarem acima dela. Aqueles que fazem de tudo para derrubar nosso modo de vida e nos imergir em uma névoa de monstruosidade e barbarices. Estes devem ser expurgados.

Ele ergueu a mão e apontou para Kiiari e seus companheiros, no mesmo instante que um trovão cortou o céu.

— Os inimigos do Progresso são uma praga. Não se deixem enganar pela a aparência desses bandidos, por trás da expressão falsa de desamparo está o olhar de assassinos, violadores e ladrões. Por isso foram sentenciados a morte.

Houve uma agitação na multidão e varias vaias. Os Cazumbis ergueram suas armas apontando para as pessoas ao redor deixando claro que qualquer um que se aproximasse demais, seria abatido.

O silêncio reinou novamente e Odruarde voltou a falar, dessa vez havia um tom de divertimento na voz.

— A vice-Presidente… — Ele disse e virou o rosto encarando a mulher a sua esquerda ao lado de uma jovem. — Acredita que nossa prosperidade se deve aos deuses antigos. Que devemos honra-los com nossos inimigos. Por isso, eu dedico está Execução a deusa dos mares, rios e lágoas.

Outro trovão reverberou.

Kiiari sentiu um arrepio percorrer sua espinha.

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