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Eles chegarqm até ao final do corredor. Uma porta de metal os separava da saída.

A névoa havia se dissipado e a água no chão voltou a temperatura normal.

Gui ainda carregava a concha, não falará nada desde a aparição da deusa. Asoke não sabia em que ele estava pensando.

Eles forcejaram e a porta foi aberta com um rangido estridente.

O domínio da noite estava em seus últimos momentos e a claridade do crepúsculo infundia sobre o lugar — que talvés fosse um estacionamento de reserva.
Tiros zuniram, Asoke puxou Ana e Gui para baixo e esconderam-se atrás de uma parede de pedra.
— Imagine a minha felicidade ao descobrir que você conseguiu fugir — Miguel gritou, sua voz ecoou e parecia que vinham de todos os lados — Assim eu mesmo posso mata-lo.

Asoke olhou ao redor, procurando uma saída, todas elas implicavam passar pelo campo aberto a sua frente, onde Manuel teria a vista livre para atirar.

— Rapaz. Você me decepcionou. — Sua voz voltou a soar. Asoke concluiu que estava se referindo a Gui.

— Escutem — Asoke disse — Eu vou atrair a atenção dele e vocês aproveitam para chegar até o outro lado e arranjar um carro, alguns de vocês sabe conduzir?

— Não faça isso — Ana advertiu — Se fizer, vai acabar por morrer, eu vi, ela me mostrou.

Assoke encarou Ana, e, percebeu com pesar, que talvés essa fosse a altura de fazer outra promessa.
Ele não a cumpriria se a visão de Kianda estiver certa, mesmo assim, sentiu que devia faze-la.

— Esse jogo foi manipulado — ele começou — não temos como saber o que é real ou não, o que pode ou não acontecer. Eu prometo que encontro vocês.

— Você não precisa fazer, eu faço. — Gui sugeriu e tentou erguer-se. Asoke o puxou pelo braço.

— Você já fez coisas demais, Guilherme. Protegeu Kiiari todos esses anos…

— Eu não a protegi, ela fez isso sozinha — Ele interrompeu.

— É, mas ainda bem que você esteve lá para ajuda-la. Eu peço desculpas por não estar presente, era meu dever e eu simplesmente fugi não há desculpas para isso. Assim como não há desculpas pela forma como você fez seu luto.

Gui apertou a concha na mão, tentando se agarrar a algo físico para não sentir a pressão da censura, igual crianças faziam.

— O que você se tornou não têm desculpas, mas ainda a tempo de mudar as coisas, para de usar armas como um metódo de escape, tente superar.

Ele continuou:

— Podemos não conseguir vencer Kianda, mas não será hoje nem amanhã que ela terá nossas vidas. Vejo vocês depois.

Ele levantou-se e segiu o som da voz de Manuel. Ouviu passos atrás de si e gritou para abafa-los:

— Eu sempre quis dizer algo para você, Manuel!

Manuel se aproximou.

Eles estavam, agora, no centro do estacionamemto. Três metros os separavam. Manuel tinha a arma apontada para Asoke e seu sorriso era fino e parecia com mais uma das suas cicatrizes.

— E o que é? — indagou.

— Você têm um rosto de merda.

Manuel riu secamente. Asoke percebeu que o havia irritado. Irritado demais para matar alguém sem faze-lo sofrer.

— E aquela coisa de implorar por sua vida ou de suas criançazinhas?

Não houve resposta.

— Bom… — ele disse — Paciência.

Uma dor fria pungiu seu abdómem e o fez recuar, só em seguida ele ouviu o som do disparo.

Sua mão direita foi automaticamente para a região da dor, ele sentiu o liquido tíbio escorrer por sua mão.

Suas pernas fraquejaram o fazendo ficar de joelhos. A dor era insuportável e a cada movimento que ele fazia todo seu corpo rugia em protesto.

O sangue exalava um odor a metal enferrujado, isso o fez lembrar, das estátuas antigas no Huambo e que a muito tempo atrás pertenceram a presidentes, ele lembrou que quando chuvia, esse mesmo cheiro cobria as ruas de quase todo o planalto.
Pela peimeira vez Asoke se obrigou a pensar em Kiiari de verdade, pensar no lugar em que ela estava e se ia encontra-la.
Questionou como isso ia acontecer, se o molimo era o lugar para onde iria?

— Eu dedico está morte, a deusa dos mares, rios e lágoas. — Manuel recitou.

Ele começou a andar em direção a Asoke, apontando a  arma para sua cabeça.

Um som estranho, que parecia um rugido animalesco, invadiu o lugar e antes que Manuel pudesse desviar o carro o atropelou, fazendo suas costas embaterem sobre o vidro e capo, e jogando no chão.

Ana abriu a porta do passageiro e correu em direção a Asoke, usou seu casaco como compressa para o ferimento. Ela o ajudou a levantar.

Asoke viu Gui com a arma apontada para o corpo mal posicionado  de Manuel.

— Gui… — ele chamou, sua voz era fraca e empapada. — Gui, não faça isso.

Ele parecia não ouvi-lo.

— Chega de matar pessoas, não faça mais isso.

Houve um silêncio inquietante.
Gui jogou a arma para longe.

Eles entraram no carro. Havia uma fresta no vidro.

Asoke sentou-se na traseira. Ana comprimia seu abdómen com o casaco que começava a ganhar uma consistência pastosa. Gui deu a partida.

O frio era intenso e fazia seus dentes rangerem. O coração acelerado no peito, sua respiração era rápida e curta parecia com um assobio.

— Ele precisa de ajuda — Ana disse à Gui.

— Não — ele sussurou.

— Você precisa sim. — Ana insistiu.

Asoke sabia que não chegaria a tempo em um dos hospitais, já era tarde demais para isso.

— Vocês precisam continuar, vão… para o mais longe possível — Ele usou toda sua força para fazer Gui ouvi-lo.

— Segurem-se — Gui alertou — e eles embateram em algo.

O salavanco piorou a dor de Asoke.

Ele tentou posicionar melhor, de forma a poder ver a estrada.
Parecia a mesma com a de seus sonhos, porém, haviam construções ao redor.

Ele viu os primeiros raios solares desabrocharem sobre o horizonte. Começando a manchar o céu com tons de vermelho e laranja.

Se essa era a última coisa que veria, ele pensou, estava de bom grado.

— Tentem mânter-se vivos por tempo suficiente, mantenham-se juntos. Bela e Luena virão atrás de vocês.

Os olhos de Ana brilhavam tristemente. Asoke não entendia como alguém que quase não o conhecia pudesse chorar por ele. Mas se viu agredecido por ver isso. Morrer era horrível, mas morrer sozinho devia ser pior, sem rostos para tentar lembrar ou soluços abafando o zumbido em seus ouvidos.

Ele procurou por mãos humanas e ao senti-las apertou com força. Sua dor e o frio eram insignificantes agora.

— Eu sinto muito — ele disse para Kiiari. A irmã apenas sorriu.
Esse era o sorriso mais belo que ele ja virá, era esse o sorriso que mesmo depois de apagado por Kianda ainda rondava sua mente feito um fantasma.

Ele amava ver esse sorriso.

Suas palpebras pesavam toneladas e ele já não sábia se elas estavam realmente abertas.

Uma voz dentro de si o incitava a dormir, se ele fizesse isso, todo o cansasso sumiria, disolveria-se igual papel na água, e ele seria livre, livre para continuar dormindo. Num sono profundo, plácido e satisfátoria, um sono sem fim que o envolveria para sempre e o protegeria do mal do mundo lá fora.

Ele aceitou a proposta…

Era boa demais.

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