XI

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Os passos e gritos atrás de si estavam mais altos.

Gui entrou em um beco e escondeu-se atrás de um caixote de lixo.

Ele frixionava a mão direita sobre o sangramento em seu outro braço e arfava como um cachorro.

Era inútil, disse para si mesmo, eles iam acabar por me encontrar.

Ergeu os olhos para o céu nublado. Ainda chuvia fortemente, mas nem a água apagava o ardor em seu peito e nem omitia uma dor mais profunda ainda.

Kiiari estava morta. Ele sentia isso e em breve também estaria.

Decidiu que não morreria como um cão, de hoje até os seus últimos minutos de vida, deixaria de ser apenas um simples espectador que as vezes era chamado para opinar.

Não!, chega disso, concluiu.

Você não parece o tipo de Pessoa que luta, Kiiari disse para ele quando descobriu que também estava se alistando, você parece o tipo de pessoa que espera as coisas encontrarem você, o tipo de pessoa que não faz nada até ter a certeza que será satisfatório.

Esse comentário o fez mudar e agir. Foi quando ele a beijou, e soube, bem no fundo do seu ser, que nunca mais ia querer beijar outra pessoa. Nunca mais.

Os passos estavam mais proximos. Gui procurou alguma coisa que pudesse usar.

Achou uma haste de metal enferrujada, com 40 cm de altura, embaixo do caixote.

— Saia agora — Uma voz soou.

Gui ergeu-se e andou em direção aos homens, segurando um pedaço de metal como se fosse a melhor arma de toda a história.

Oito guardas apontavam seus rifles para ele, as miras de laser em direção a sua cabeça.

O homem do meio riu histericamente.

Sua tez era clara e o bigode hirsuto o fazia parecer um maníaco.

— Olhem para ele, parece um cão. — Disse — Implore por sua vida miúdo, talvés assim eu o polpe.

— Não! — Gui berrou.

Foi a única coisa em que conseguiu pensar. Não era tão bom com as palavras como Kiiari.

Sentiu um aperto no peito quando pensou nisso.

É assim que se sentiria sempre que pensasse nela? Questionou, mentalmente.

— Não? Rapazes, abaixem suas armas — o homem disse.

— Merda Beto, de novo isso? — O guarda ao lado do homem chamado Beto lamuriou.

— Sim, o miúdo precisa de uma liçãozinha de vida.

Beto entregou a arma para um dos colegas e se aproximou.

— Ande logo cachorrinho, vejamos se aprendeu alguma coisa na academia de rebeldes.

Gui atacou.

Estocou com o ferro mas Beto desviou do golpe e contra-atacou desferindo um soco em seu rosto.

Tudo a sua volta girou, ele se equilibrou, mas outro soco o atingiu, e outro e outro.

Beto e os amigos riam aos prantos. Gui pensou que talvés essa não fosse uma morte tão digna.

Todo seu rosto dóia e ele não acertara um golpe sequer.
Ergueu-se mais uma vez.

— Você devia continuar no chão rapaz, é melhor — um dos guardas sugeriu.

Gui apanhou a haste. Seu braço esquerdo começava a latejar.

Tiros resoaram sobre o ar e cada um dos guardas caiu, apenas Beto sobrará. Ele tentou proteger-se, mas um tiro o atingiu na perna, o fazendo urrar de dor e prostrar-se de joelhos.

Gui o encarou, seu ódio o consumindo e ganhando gosto.

— Implore por sua vida … — Gui disse, colocando a mão livre sobre o ombro do guarda — talvés assim eu o polpe.

A haste de metal perfurou a garganta de Beto. Houve uma leve resistência, a mesma que os balões faziam antes de serem estourados por algo pontiagudo.  Beto engasgava em seu próprio sangue. O som sobrepondo-se a todo o resto.

Foi fácil demais, Gui pensou, como se tivesse apenas a golpeado um pedaço de carne.

Arrancou novamente a haste e mais sangue jorrou, respingando para seu rosto. Era uma sensação ruim tanto quanto era boa. Cinquenta por cento de cada lado.

Gui nunca havia matado um homem, mas achou que quando acontecesse, e ele tinha certeza que ia acontecer — mesmo antes de se alistar — alguma coisa ia mudar, talvés a forma como via as pessoas.

Mas enquanto encarava fixamente o homem sufocando e a tentar se agarrar a vida. Tudo que ele conseguia pensar era se devia terminar logo com o sofrimento dele, ou deixa-lo sofrer ainda mais. Optou pela segunda opção.

Os movimentos convulsivos do Guarda Beto cessaram.

Gui olhou em volta e figuras cercavam as passagens, pareciam quase imóveis e apenas encaravam a cena.

Alguns minutos depois, uma delas se aproximou. A figura parecia uma montanha. Gui segurou a haste com mais força. Era sua única arma.

— Belo espetáculo… — O homem enorme proferiu, seu rosto era coberto de cicatrizes — A próxima vez, não retira o objecto.

— Quem são vocês? — Gui indagou.

— Somos os reforços,  rapaz. A mudança blá blá blá blá. A porra do vento e essas coisas.

— E o que fazem aqui? — Gui rugiu.

O homem Gigante o encarou incrédulo.

Gui não queria parecer uma criança desamparada, mas não podia mais guardar toda a raiva e rancor para si.

— Vocês não acham que estão atrasados, porra. — rugiu.

— Quanto aos seus amigos, não podiamos ajudar, sofreriamos ainda mais baixas.

— É? Então o que fazem aqui?

— Você escapou, de algum jeito, você conseguiu, não podiamos deixa-lo simplesmente morrer. Bela ordenou que pelo menos salvassemos um.

— Porquê todo mundo acha que eu preciso de ser salvo? An? Eu… eu…

— Eu sei que você consegue miúdo e se alguém duvidar, basta perguntar para esse guardazinho aí — O homem cuspiu para o corpo de Beto — precisamos ir agora, você vêm?

Gui sabia quem era Bela, bom, ele já ouvirá falar muito dela.

A líder de tudo isso. Kiiari queria conhece-la e havia rumores de que quem participasse no assalto do armazém podia ter essa chance. Por isso ela decidiu participar. Agora só ele restava. Alguém que, só, fez tudo isso porque ama demais outro alguém. Amava demais. Não era justo, porém, era tudo que tinha.

— Vou — respondeu.

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