Uma das várias lembranças que havia recuperado era de sua mãe. Eram vagas, porém, traziam sentimentos profundos que o mantinham focado.
Uma mulher que estava sempre acompanhada de um sorriso e que cantava sempre que pudia. Cuidava de seus ferimentos e em algumas, raras, vezes dava um corretivo nele.
Ele lembrou que em todas as histórias dela havia uma figura sobrenatural, que fazia tanto o mal quanto o bem, dependia apenas de como isso a favorecia.
A figura sempre acabava por vencer e isso deixava Asoke furioso, a mãe dizia que era impossível vencer porque era poderosa demais. Simples assim, dissera uma vez, tudo que se pode fazer é torcer para que esteja do nosso lado.Asoke concluiu que Kianda estava do lado dos rebeldes. Se fosse o contrário porque atenderia a prece de Kiiari? E mais importante: O que ela ganharia com isso? Quanto mais pensava mais perguntas se formavam.
Ninguém falara desde que entraram no carro.
Asoke estava sentado no banco do pasageiro encarando Manuel de soslaio e Gui pelo retrovisor da frente.
Ele achava que o miúdo estava de certa forma quebrado. Não pelos feridas que cobriam seu corpo, mas alguma coisa mais profunda. Algo que não se podia ver ou ouvir, no entanto, continuava ali, brilhando frouxamente e rugindo em seus ouvidos.
Era inquietante.
- Como você conheceu minhã irmã ? - Ele questionou.
Pelo retrovisor, Asoke viu o miúdo comprimir o maxilar. Ele aguardou a explosão, mas isso não aconteceu. Gui apenas soltou o ar e virou o rosto para a janela.
- Quando vocês os dois chegaram em casa de Matilde e Francisco, eu era uma das crianças que lá estava. - Gui falou.Asoke tentou lembrar dos dois velhos que o acolheram, mas seus rostos eram graus de areia em um deserto soturno e confuso.
- E como eles estão? - perguntou.
- Mortos.
- Como vocês se aguentaram?
Gui não respondeu a isso. Asoke concluiu que se para ele lembrar da irmã, que havia abandonado, era dificil e doloroso, era muito mais para Gui que convivera com ela todos esses anos e que parecia conhece-la muito melhor.
Eles passaram por uma bifurcação, Miguel escolhera o caminho da esquerda. A estrada ia ficando cada vez mais vazia, até só eles restarem.Os edificios pareciam velhos sob a luz dos postes. Essa era uma região de Luanda que Asoke não conhecia. O brilho dourado da província era ofuscado neste lugar.
- Onde Estamos? - ele questionou.
- Cazenga - Miguel disse - O lar da resistência.
Miguel estacionou o carro entre dois edificios, eles desceram e caminharam por mais ou menos uma hora. Entrando e saindo de becos, parecia que estavam andando em circulos. Tentavam evitar as poças de água, mas a luz dos postes era fraca.
Pararam em uma casa antiga. A porta foi aberta por uma mulher idosa.
Miguel fez um gesto com as mãos que Asoke calculou ser um comprimento. A mulher afastou-se para que eles passassem.
- Senhora - Asoke saudou, mas não houve resposta.
- Não se preocupe - Manuel disse - Felícia é surda e muda.
A casa cheirava a poeira. O mesmo cheiro que as ruas tinham quando a primeira chuva anunciava o término do tempo seco.
Na sala um homem, também idoso, dormia em uma poltrona.
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Nova Angola
Short StoryO futuro é um tempo obscuro e muita coisa pode brotar na escuridão. Sinopse: [{EM REVISÃO}] Em uma Angola distópica. Uma deusa, um grupo de rebeldes e um ditador, lutam para alcançar seus objectivos. Um dos poucos cantores a quem o governo déspota...