AMÉLIA ELIZABETH
Eu estava acostumada com a solidão. Aprendi que não há ninguém melhor que eu mesma para confiar, amar, cuidar e proteger. Eu sou a minha melhor companhia — embora, às vezes, eu também queira encomendar meu próprio assassinato. Apesar de fazer parte de uma família meio torta, eu passava a maior parte do tempo em silêncio, sozinha, estudando e aprimorando a mim mesma sempre. Desde que Deckard virou um fantasma e Owen quase não aparecer em casa, Hattie e eu aprendemos a conviver com a falta deles. Magdalene não gostava de nos ver entregue às lamentações, pois segundo ela, ela não criou fracotes, criou seres fortes e destemidos que sabem o valor da família, mas também sabem se virar sozinhos. Ela disse que ser forte, era o mínimo que Hattie poderia fazer para compensar o estrago feito na vagina dela — já no meu caso, era o mínimo para compensar o dinheiro que ela investiu na minha educação.
Eu não sou uma Shaw. Nem mesmo sobrenome eu tenho, mas é como se eu fosse parte da família. Hattie me encontrou durante uma de suas travessuras e nós ficamos amigas. Eu estava morando em um boteco fedido em Londres, sob os cuidados de um homem um tanto duvidoso, mas que nunca me fez mal nenhum. Tobias era irmão de Olivia, mulher que pegara a responsabilidade de cuidar de mim quando eu fiz treze anos. No início, éramos só ela e eu, em Oklahoma, até que ela precisou voltar para o Reino Unido, onde Tobias a esperava de braços abertos. Quando o câncer a venceu, ele continuou cuidando de mim da maneira como pôde, embora não tivesse muito. Quando Hattie me achou, nós estávamos com a hipoteca do apartamento vencida, morando nos fundos do bar de um amigo e ele estava com um câncer avançado no pulmão. Não demorou muito para que o bolor e a umidade do local afetasse ainda mais sua saúde e o deixasse à beira da morte. Hattie me levou até Deckard e disse que não deixaria uma amiga sozinha. Magdalene Shaw assumiu minha tutoria até meus vinte e um, mas eu permaneci na família mesmo depois disso.
Com os Shaw, eu conheci o mundo de verdade e aprendi que minhas limitações não tornam nada impossível. Eu não sei como, mas parece que um acidente me deformou por dentro e eu sobrevivi por um milagre, com alguns discos de platina na coluna, alguns remendos nas costelas e ferro nos quadris. Eu costumo sentir mais frio do que as outras pessoas, por isso, mas isso não me impede de fazer mais nada. Deckard e Owen me ensinaram a quebrar as correntes invisíveis que me prendiam e a ultrapassar meus próprios limites — sem falar no dinheiro que gastaram para aprimorar as próteses dos meus ossos. Eles me ensinaram a não desistir e eu agradeço todos os dias por isso, sendo a mulher forte e determinada que Magdalene me ensinou a ser.
— ¡Por favor no dejes que eso suceda!
Aquele grito ecoava na minha mente enquanto eu distribuía socos no boneco de treino. Eram as únicas palavras que eu me lembrava com clareza e significavam um pedido de socorro. Por favor, não deixe que façam isso!
A imagem que eu tinha na cabeça era distorcida. Eu ouvia pneus cantando no asfalto e me lembrava apenas do olhar de um homem careca na minha direção. Ele estava assustado e gritou por mim quando algo colidiu violentamente contra mim. Era tudo o que eu tinha guardado sobre quem eu era antes de ser Amélia Elizabeth, sem sobrenome.
Frequentei psicólogos durante a maior parte da minha vida, fiz algumas sessões de terapia de regressão, revirei arquivos estadunidenses, mas nada fazia minhas lembranças voltarem e eu não fazia ideia de quem eu era. Não sabia o que tinha acontecido, como eu havia ido parar naquele hospital entre a vida e a morte com 60% dos ossos do corpo quebrados, não sabia nem porque meus pais não estavam comigo quando eu acordei sozinha, dois meses depois do acidente, mas eu não desistia de buscar por respostas. Eu queria entender o que havia acontecido comigo e com a minha antiga família, porque toda vez que eu sonho com o homem careca, ele está sorrindo pra mim de forma amável e dizendo que me ama, ao lado de uma adolescente gentil de cabelos pretos. Se eles eram os meus pais, por que me largaram naquele hospital? Será que não suportaram o peso de serem pais sendo tão novos? Será que sabiam o que tinha acontecido comigo?
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Bring Me Back - O Retorno de Toretto
FanficEla foi vítima de uma armação dentro da própria família e, desmemoriada, foi posta para adoção. Sem saber de onde veio e qual será o seu rumo, pulou de lar em lar, buscando nas famílias adotivas algo que preenchesse o vazio dentro de si. Com apenas...