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SETEMBRO

       — Quem é você e o que fez com a Olivia?
       É Willow tentando fazer uma chamada comigo me pedindo uma opinião sobre uma mudança na decoração do casamento que acontecerá no mês que vem. Acontece que são sete da manhã em Londres e uma da manhã em Chicago, eu estou morrendo de sono.
        — A Olivia Hill que conheço não sente sono a uma da manhã, ela é uma morcega e o horário de sono dela é entre as oito da manhã e seis da tarde. — Minha melhor amiga insiste.
        Involuntariamente eu bocejo e ela ri como se eu estivesse mais uma vez parecendo muito diferente da Olivia que ela conhece. Levo a mão a boca a cobrindo e olho a tela do notebook.
        — Eu acordo em menos de seis horas para trabalhar. — Puxo a garrafinha de água e dou um gole. — Terminamos?
         — Sim. Essa foi a última mudança que fiz na decoração, prometo. — Ela faz um gesto de promessa com os dedos. — Mudando de assunto, estou muito surpresa e orgulhosa de você. Você está tão madura.
       Felizmente sim. As vezes ainda sinto falta da minha vida, já são quatro meses e meio de uma vida que não planejei para mim, mas acabei nela por uma infelicidade do destino. Apesar disso eu aprendi a amar essa vida calma de tia, filha, arquiteta, amiga.
        — Obrigada, isso significa muito, de verdade. Você amadureceu bem mais rápido do que eu, deve ter sido um saco amadurecer enquanto eu continuava a agir como uma menina de dezoito anos.
 

      Willow dá uma risada alta e então olha para trás onde Henrich provavelmente está dormindo. — É para isso que melhores amigas servem.
         — E para estar acordada a essa hora falando de casamento. — Eu brinco.
        — Sim. Um dia vamos fazer isso de novo quando chegar a sua vez.
       É a minha vez de dar risada, eu não tenho essa disposição para conhecer alguém, deixar alguém me conhecer e então pensar em passarmos a vida juntos. Isso demanda algum esforço que não estou interessada em tentar.
       — Não conte com isso. — Digo a ela e bocejo pelo que deve ser a milésima vez durante a chamada. — Eu vou dormir um pouco, tudo bem?
       — Certo, vá dormir cachinhos dourados. — Willow faz bico na tela me mandando um beijo. — Te amo. Não vejo a hora de te abraçar no mês que vem.
       — Eu também te amo.
       É, Willow e Henrich vão mesmo se casar no mês que vem, nunca poderia ter previsto isso quando entramos na confeitaria onde ele trabalhava durante a faculdade. Landon, Mikey e eu vamos voar até Londres no próximo mês apenas para estar com eles nesse dia.
        Não durmo muito bem durante a noite, tem olheiras embaixo dos meus olhos quando estou tomando café antes de sair para trabalhar na manhã seguinte.
         — Você parece exausta. — Minha mãe nota enquanto toma um gole do seu chá. — Precisamos marcar um dia para relaxar em um spa, muitas massagens.
         Sorrio em resposta a ela, eu gosto que apesar de estar repensando algumas atitudes ela continua a ser ela mesma em personalidade. Resolver tudo com um dia no spa é algo típico dela e não nego que dessa vez eu acho uma ideia maravilhosa.
        — Vamos marcar, por favor, eu preciso muito. — Encho minha xícara de café e tomo um longo gole. — Papai já foi trabalhar?
        — O que acha? — Ela torce um pouco o rosto em desgosto.
       É eu também acho que ele sempre está trabalhando, agora muito mais do que antes. As vezes acredito que ele está em um sofrimento silencioso por causa de Sarah e nunca se abre com ninguém.
         — Ele é viciado em trabalho. — Comento. — É sexta-feira, eu só quero que o dia de trabalho passe depressa.
         Incrivelmente o dia passa mesmo depressa, quando dou por mim já é hora de sair do trabalho e depois hora de buscar Mikey na escola porque Landon tem reunião até as sete da noite. Levo ele para casa e estamos sentados esperando seu pai quando recebo uma ligação dele.
       — Imprevisto no trabalho? — Pergunto de cara porque é algo quase frequente de acontecer.
       — Hum, na verdade não. — Landon parece relutante. — Um amigo do trabalho faz aniversário hoje e vai ter uma social, eles estão insistindo sobre eu ir. Mas você está com Mikey então se quiser ir para casa ou talvez sair eu vou para casa.
        É estranho como eu sinto no tom de voz dele que ele está desesperado para me ouvir dizer que ele deveria vir para casa, mas eu não vou dizer isso. Ele tem estado em casa há cinco meses, é hora de começar a encarar o mundo de novo, além do trabalho e da paternidade.
        — Você vai, quer dizer, você deveria ir. — Digo a ele. — Mikey e eu vamos ficar bem, só vá relaxar sua mente. Você merece isso.
       — Tem certeza?
       Olho para Mikey sentado no sofá assistindo algum desenho de super heróis.— Certeza absoluta.
       — Obrigado Ollie. Vou ficar só uma ou duas horas.
       — Disponha.
       Assim que ele desliga a primeira coisa que faço é me jogar ao lado de Mikey no sofá e o abraço por um segundo, ele ri e tenta se soltar dos meus braços como se eu o estivesse atrapalhando. Esse garoto só vai fazer quatro anos na próxima semana, crianças dessa idade não deveriam gostar de serem fofinhas?
        — Não posso abraçar? — Pergunto o soltando.
        — Estou vendo desenho tia Ollie. — Mikey revira seus olhos verdes para mim e logo voltando a se concentrar no desenho.
        Me endireito no sofá e pego meu celular procurando por um número de telefone. — Que pena, porque se me abraçar vamos pedir pizza, mas só se me abraçar.
        Imediatamente Mikey esquece a televisão e pula sobre mim abraçando meu pescoço. — Vamos pedir pizza, por favor!
        — Seu garoto interesseiro. — Rio e dou beijos em seu rosto. — Uma pizza bem grande então?
        — Isso! Mamãe não vai ficar brava, não é? Ela não gosta de pizza. — Ele olha para o porta retratos com a foto de Sarah quando diz isso.
         A psicóloga disse a Landon que Michael entende que Sarah se foi para sempre, que não vai mais estar presente, falar, andar, comer, sorrir, ou abrir os olhos. Mas ele não percebe isso de um modo sentimental ainda. Ele sabe que ela não está aqui, mas gosta de falar dela, e na verdade é ótimo que ele goste.
        — Ela não vai ficar brava, ela sabe que é só uma vez. Tudo bem?
        Ele assente e eu dou um último beijo no rosto dele antes de ligar para a pizzaria e pedir uma pizza grande. Obviamente Mikey só come duas fatias, eu como três e o resto eu guardo para Landon e ele comerem talvez amanhã.
        Após o jantar vemos um filme, depois o coloco no banho e em seguida para dormir. Depois das dez, o que é totalmente contra a recomendação que Landon sempre dá quando Mikey dorme lá em casa. Por falar em Landon, ele não voltou em uma ou duas horas, o que é ótimo e quer dizer que ele se distraiu o suficiente.
         — Vai deixar uma música tocando e uma luz acesa? — Mikey me pergunta quando o cubro. — E espera eu dormir.
        — Não vou a lugar nenhum. — Beijo a testa dele e coloco uma música calma no meu celular. — Durma amigão.
        Não só ele dorme como eu cochilo junto, quando acordo com o barulho da porta batendo eu pego meu celular para desligar a música ainda tocando e vejo que passam das onze. Cedo para muitas pessoas chegarem em casa em uma sexta a noite, mas para Landon isso é meio tarde.
        Me levanto da cama e deixo o quarto deixando uma luz ligada na tomada. Quando chego a sala Landon está sentado no sofá, todo largado, a gravata jogada ao seu lado e a camisa aberta nos primeiros botões.
        — A noite foi boa? — Eu pergunto e ele ergue o olhar para mim sorrindo torto, acho que ele bebeu um pouco.
       Landon dá de ombros levemente. — Foi estranho, mas valeu pelo álcool. Você tem noção de quanto tempo fazia que eu não bebia despreocupadamente?
        Imagino que bastante tempo, ele está sempre tentando ser o bom filho, bom diretor de negócios, bom pai, e ele se esquece um pouco. Ando até ele e fico em sua frente me sentando na mesa de centro.
        — É tão estranho. Tudo. — Ele continua a falar e se inclina para frente olhando para mim enquanto quer conversar. — Meus pensamentos estão meio embaralhados e acho que é uma péssima hora para ficar revivendo algumas lembranças.
        A voz dele está meio lenta para falar e eu dou um riso breve involuntariamente. É diferente ver ele perder a postura segura.— Algumas lembranças são boas de reviver.
        Landon ergue a mão e então levanta o indicador o movendo em um gesto de negação. — Não essas, elas são de todas as vezes que tomei uma decisão errada. Coisas sobre mim, sobre você, sobre Sarah e a manhã do acidente. Eu fiz tudo errado.
          Nós nunca falamos sobre o acidente, sei que um motorista ultrapassou o sinal vermelho e colidiu contra o carro dela. Mas não sei onde Sarah estava indo, era final de semana então talvez estivesse indo para casa dos nossos pais, só que não sei porque ela iria sem Mikey.
         — Algo aconteceu aquela manhã? Que decisão errada?
        Landon esfrega os olhos e balança a cabeça negando devagar. — Eu só não deveria ter a deixado sair ou sair com ela.
       — E então talvez todos vocês estivessem mortos. — Coloco a mão no joelho dele querendo a atenção dele para mim.
        Landon coloca a mão sobre a minha em seu joelho, mas seu olhar parece muito distante.
        — Não acho que você seja do tipo que pensa que tudo que acontece é porque era para ser assim.
         — E não é? Pensa em tudo que aconteceu nas nossas vidas, tudo que aconteceu é porque era necessário, cada passo que demos nos trouxe aonde estamos hoje. Não a morte de Sarah, mas a todo o resto, carreira, família, Mikey. — Eu explico meu ponto de vista para ele e ele aperta minha mão. — Tem sido uma estrada bonita, mesmo com as dores. E ainda será mais, nós vamos ver Mikey crescer e isso é um presente.
        Minha voz embarga um pouco e eu suspiro fechando os olhos.
        — Algumas das dores são resultados das minhas escolhas erradas. — Landon insiste em falar de erros. — Eu nunca me desculpei com você. Por sumir quando vim embora, por não contar sobre Sarah, por não dizer a ela aquela noite mesmo toda a verdade ao invés de a deixar acreditar que você tentou algo comigo, quando claramente foi o contrário.
        Puxo minha mão do joelho dele e fico em pé muito rápido, eu não quero falar com ele sobre essas coisas todas. Elas deixaram de importar há muito tempo, são só parte do passado.
         — Está tudo bem, não precisamos falar disso. — Eu forço um sorriso. — Vá tomar um banho, você está péssimo. E eu vou para casa.
        — Nós temos, nós nunca falamos. — Ele diz e fica em pé também. — Tudo poderia ser diferente se eu só tivesse sido honesto e tentado estar com a pessoa por quem eu estava apaixonado no começo de tudo.
        — Chega...
        Minha voz sai contida, mas eu estou ficando um pouco brava com a conversa. Nós não temos porque falar disso, não temos nem esse direito depois de tudo que ele e Sarah viveram.
        — Eu só estou tentando dizer que...
        — Não Landon. — Minha voz sai mais alta agora e ele arregala um pouco os olhos, não sei se ele está confuso ou atento. — Só pare, isso nem importa, não depois de você e Sarah terem construído tanto, não depois de Mikey. Você acha mesmo que importa uma paixão idiota que a gente sentiu em três semanas? Você diz que tudo poderia ter sido diferente, mas por um segundo você consegue imaginar não ter vivido sua vida com Sarah, não ser pai do Michael e ao invés disso ter vivido algo real comigo? Honestamente Landon, você não queria que tudo tivesse sido diferente porque queria ter ficado comigo, queria que tudo tivesse sido diferente para Sarah estar viva. E eu entendo o sentimento, mas não ouse dizer que queria que fosse diferente para viver algo comigo, essa merda de pensar como poderia ter sido machucou muito na época, eu não quero lembrar disso de novo.
        Ele ergue uma mão em um gesto estranho que poderia ser uma desculpa ou um deixa para lá, ou ele simplesmente ainda está digerindo tudo que falei porque o álcool está afetando seu raciocínio.
       — Me d...
        Ergo a mão e tampo a boca dele com pressa, não quero desculpas, eu nem quero mais conversar por hoje.
       — Vá descansar e eu vou para casa. A única conversa que quero ter com você é amanhã sobre termos que fazer um bolo para Mikey na próxima semana, mesmo que seja estranho, é o aniversário dele.
       Ele assente e eu descubro a boca dele. Landon se inclina para mim e beija minha testa, um gesto que já se tornou mais do que comum entre nós.
       — Você não está dirigindo, está? —  Landon me pergunta e movo a cabeça negando porque vou chamar Jordan para me buscar. — Bom, boa noite pequena Ollie.
      

Todas as batidas imperfeitasOnde histórias criam vida. Descubra agora