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       — Lembra do que conversamos? O que eu disse?
       Landon está ajoelhado na frente de Mikey na porta da sala de aula. Mikey está um verdadeiro garotinho crescido com sua mochila nas costas e uniforme da escola.
       — Eu estou com amigos e não preciso chorar. Você vai vir me buscar depois. — Mikey diz parecendo ter entendido o que o pai quis dizer. — E quando vamos ver a vovó?
       A última parte é comigo. Minha mãe volta para casa essa tarde e depois da escola vou levar Mikey para vê-la. Eu estou ansiosa para vê-la, desde que a respondi duas semanas atrás quando eu estava sob efeito de drogas nossa relação evoluiu, a passos de bebê. Nós passamos a nos comunicar, o que já é uma vitória.
       — Depois que você entrar alí e ficar um pouco com os novos amigos. — Respondo a Mikey me abaixando um pouco também. — Tem alguma coisa especial que quer comer hoje?
       — Fritas! — Ele ergue os braços gritando.
       É segunda-feira e ele só pode comer batata frita aos fins de semana, porém acho que podemos abrir uma exceção.
       — Toca aqui? — Abro a mão esperando ele bater e ele faz isso. — Vá lá brincar.
       Ao invés de ir de uma vez ele envolve seus braços pequenos em meu pescoço e me abraça. — Te amo tia Ollie.
       Isso me desmonta. Quando ele muda o abraço de mim para Landon eu ainda estou pensando no que ele disse, obviamente ele ainda não entende sobre amor e seus significados, mas ainda assim ouvir fez meus olhos encherem de lágrimas.
        — Hora de ir sua chorona. — Landon cutuca meu ombro enquanto Mikey entra junto com a professora.
       Passo a mão pelos olhos antes que as lágrimas resolvam cair. — Disse o cara que chorou vendo O Diário de uma Paixão.
       Ele revira os olhos enquanto ajeita a gola da camisa olhando uma última vez na direção da sala de aula e quando ele respira fundo eu sei exatamente o que ele está pensando. Sarah não viu o primeiro dia do seu filho na escola.
       Respiro fundo também, mas não me deixo levar por esses pensamentos por muito tempo. — Você vem buscar? Se precisar que eu venha avise.
        Paro de andar no estacionamento porque ele está com o carro dele e eu com o motorista, ele vai trabalhar e eu vou para a casa.
       — Eu venho e vamos para a mansão. — Landon diz e se inclina em minha direção dando um beijo em minha testa. — Espero que tudo corra bem hoje.
       Sorrio pelo gesto e assinto. — Nem sei o que esperar, mas tenho certeza que ela está melhor do que quando foi.
       — Isso. Tenho que ir. — Ele dá um passo para se afastar. — Te vejo no fim da tarde.
       Me apresso para Jordan me levar para casa, mamãe chega em três horas e eu quero deixar tudo pronto para ela. Que tudo esteja como ela gosta e a receber com um café da tarde.
        É a isso que me dedico quando chego, checar tudo com as funcionárias da casa, escolher louças, arrumar a decoração da sala, colocar lençóis novos no quarto dos meus pais, dispor a mesa do café com perfeição. Eu aprendi tudo isso até ter dezoito anos, eu só nunca tinha colocado em prática até agora.
        Mamãe costumava dizer que esse era o básico da tarefa de qualquer esposa. Nunca fui uma esposa, não sei se serei, e mesmo se for não serei uma que queira pensar sobre a organização da casa acima de tudo, mas não nego que me distrair nisso por horas é meio terapêutico.
        Terapêutico o suficiente para me fazer nem perceber as horas passarem até ser avisada que o carro está sendo estacionado na entrada da mansão. Meu pai foi com seu motorista a buscar.
        Penso se devo sair e a esperar na entrada, mas decido que isso parece muito ansioso então fico esperando no hall de entrada até que eles entrem. Eu me sinto com sete anos de repente, quando meus pais viajavam sem nós e Sarah e eu esperávamos eles exatamente onde estou agora, sem ela.
         Quando a porta se abre eu dou um passo, mas paro olhando para minha mãe, ela parece bem mais saudável, ela também cortou os cabelos e escureceu um pouco. E, como de costume, não sei o que fazer na presença dela, e o que me conforta é notar que ela também não.
        — Bem vinda de volta. — Eu sorrio. — Deve estar querendo um banho depois de uma hora e meia no carro.
       Papai aparece logo atrás dela com as duas malas, eu espero que ele também esteja disposto a tentar recuperar a relação deles.
        — Um banho seria ótimo. — Mamãe concorda com poucas palavras e eu apenas assinto. — Não quer me ajudar levar as malas até o quarto?
        Eu? Ela está pedindo minha ajuda? — Claro. Eu fico com isso, pai.
        Ele murmura algo sobre estar em casa para a minha mãe e beija minha testa em seguida. Cada uma de nós pega uma mala para subir as escadas.
        — Tinha esquecido como escadas são ruins. — Mamãe reclama.
        Tenho que concordar com ela, eu detesto escadas. — Nenhuma escada na clínica?
        Olho para trás para a ver responder já que estou subindo na frente dela e ela move a cabeça em negativa, de um jeito que ainda exala elegância. — Não. É um lugar extremamente relaxante e acolhedor.
         — Que bom que sentiu isso. — Fico aliviada porque fui eu quem pesquisei e entrei em contato. — Como se sente?
         Nós terminamos de subir e então colocamos as malas no chão para as puxar com a ajuda das rodinhas.
         — Em aceitação, mais saudável, mas ainda é difícil todos os dias. — Ela para de falar enquanto entramos no quarto e então solta a mala. — Você perdeu Sarah nos últimos anos, desde que soube da gravidez ela ganhou uma nova luz sobre ela. Ela sempre foi muito radiante, sempre chamou atenção, mas era diferente dessa vez, ela fazia qualquer um ao redor se sentir feliz, em paz.
          Mamãe está tirando os brincos da orelha enquanto fala comigo e eu presto atenção nela. Nós não nos parecemos tanto com ela fisicamente, puxamos ao papai, os olhos, a cor dos cabelos, mas meus cachos vem dela, porém ela não usa o dela cacheado há muito tempo.
         — Eu deveria ter visto isso, ter visto Sarah sendo mãe. — Me sento na cama mesmo que ela odeie que a gente se sente nas camas sem convite. — Me arrependi todos os dias de ir sem ser honesta com ela e de a deixar pensar coisas horríveis sobre mim. E me arrependo ainda mais agora porque não posso recuperar esses anos.
         As vezes, muitas vezes, eu pensava em tudo com tanta raiva ao longo dos anos. Raiva de Sarah por acreditar, da minha mãe por não me procurar, raiva de Landon por não ser honesto e desmentir tudo que eu disse. Muitas noites não era a música que me motivava, era a raiva por ter perdido tudo.
         Atualmente não é raiva, é mais um lamento por tudo que perdi. Eu ainda no fundo não entendo porque Landon demorou anos para contar a ela, não entendo a ausência da minha mãe, mas é que tudo ficou tão pequeno diante da morte de Sarah, que pedir uma explicação sobre isso me parece sem importância.
         — Não dá para recuperar com ela, nem entre nós, mas entre nós dá para pensar no futuro. — Ela coloca os brincos na mesa de cabeceira e então se senta na cama, em frente a mim. — Não só tentar fazer melhor que os últimos anos, mas melhor que a vida toda. Esse é meu jeito, rígida, exigente, penso em muitas coisas antes de pensar em carinho e por isso muitas vezes te afastei até afastar de vez. Nessas últimas semanas esse foi um tópico constante nas sessões de terapia.
        Na verdade eu esperava que o tópico fosse mais sobre Sarah e a morte dela, mas fico aliviada que ela tenha falado sobre mim também.
        — E agora? — A pergunta escapa antes que eu sequer consiga pensar. — Desculpa. É que não faço ideia de como se sente em relação a mim. Sei que costumava esperar que eu fosse como Sarah, e ao mesmo tempo quando eu tentava ser me acusava de querer ser como ela. Acho que nunca entendi quem eu deveria ser para você.
         Aí está algumas palavras honestas que nunca me atrevi a falar antes, mas agora preciso, porque talvez esse seja nosso momento "agora ou nunca".
         — Eu sempre cobrei demais de vocês, não foi? Mas você sabe que muito era proteção, quando seu avô foi sequestrado você ainda era um bebê, nós ficamos paranóicos, eu principalmente. — Minha mãe admite. — Eu criei vocês presas nessa redoma de vidro, e você sempre queria quebrá-la. Nós só começamos a relaxar e ter menos medo nos últimos anos por causa de Sarah, mas não é esse o ponto. O ponto é que nunca estive interessada em conhecer a pessoa que você é, então se ainda pretende ficar, eu gostaria de saber se pode me dar uma chance de conhecer a mulher que se tornou?
       As mãos dela de repente estão sobre as minhas, as segurando, e meu primeiro instinto as palavras dela e ao gesto é sorrir, em seguida meus olhos começam a lacrimejar.
       — Não pretendo ir a lugar nenhum enquanto não passar um tempo de qualidade com vocês, Mikey, e comigo mesma. — Movo um pouco as mãos abaixo das dela. — Eu vou adorar que a gente se conheça melhor.
       Os lábios dela se curvam em um sorriso muito contido, mas o suficiente para me fazer acreditar que esse momento é honesto. — Um presente para nós mesmas, e para ela. — Minha mãe dá uma breve olhada para o alto.
       Estamos falando de Sarah agora.
       — Está mesmo tudo bem falarmos dela? Não quero que doa.
       — Sempre vai doer, Livvy, mas falar e relembrar dela com amor faz bem, foi o que me disseram.
       É bom ver que ela está disposta a praticar tudo que absorveu e recebeu de conselhos. Nós ficamos em silêncio por alguns instantes e por um momento sinto que nós duas queremos uma palavra a mais, um gesto a mais, mas talvez ainda seja muito cedo.
        — Vou te deixar tomar banho e descansar. — Tiro minhas mãos da dela com calma e me levanto. — Mikey está ansioso para te ver.
        — E eu para vê-lo. — Ela sorri. — Está tudo bem mesmo com ele? E Landon?
       — Eles estão bem, ficando bem.
       Mamãe assente e eu deixo o quarto, acho que Landon também é um tópico que temos que conversar. Ela acha que sabe tudo sobre o passado, mas tudo que ela sabe é que nos conhecemos em Londres, que menti para o ver na cafeteria naquela manhã de Natal e que ele foi ao meu quarto na véspera do casamento dele. Ela precisa saber como tudo aconteceu de verdade. Ela precisa da minha verdade.

         
       

Todas as batidas imperfeitasOnde histórias criam vida. Descubra agora