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      Eu estou na moto de um desconhecido, cujo qual só sei o primeiro nome e ainda assim me sinto animada quando talvez devesse estar com medo.
      É um pouco depois da meia noite e Londres ainda está agitada. Não faço ideia de para onde Landon está dirigindo.
      — Mais rápido? — Ele pergunta alto, sobre o barulho dos carros e dos bares.
      — Sim, que tal tentar voar?
      Embora eu diga isso não sou tão corajosa, meus dedos apertam a camisa dele no momento em que ele acelera. Estou usando a jaqueta dele, mas o vento gelado ainda bate em minhas pernas me fazendo perceber que moto e vestido não combinam.
      Ainda assim a sensação é maravilhosa.
      Não conheço Londres muito bem para saber onde estamos quando ele para sua moto. Mas é longe de onde estávamos antes.
      — Está com fome? — Landon pergunta e começa a caminhar e eu o sigo. — Eu fico faminto depois de tocar, nós só vamos pegar a comida e ir para outro lugar.
      — Ok, eu estou com fome também.
      Ele logo empurra uma porta entrando em uma lanchonete pequena escondida entre dois grandes restaurantes.
       — Onde estamos? Que bairro é esse?
      — Soho. Você não conhece muito Londres né?
      Movo a cabeça negando, mas nenhum de nós se estende nisso, principalmente porque ele vai até o balcão segurando minha mão fazendo eu ir com ele.
      — Henrich!
      Um dos atendes o olha e faz sinal para que ele espere um pouco.
      — Ele e eu dividimos o apartamento, mas eu estou deixando em algumas semanas e ele tem mais um ano em Oxford. — Landon explica. — Em que ano está?
      — Vou começar o primeiro no próximo semestre, estou aqui só para conhecer. — Conto.
      — Um bebê praticamente.
      — Pronto. Em que posso ajudar?
      Henrich se aproxima de nós, ele é bem britânico. Onde Landon é forte e com músculos, ele é esguio. E enquanto Landon parece muito relaxado para se portar ou falar, Henrich tem uma postura e fala mais formal.
      — Pode montar uma sacola com scones, sanduíches e doces para nós? — Landon pede. — E, talvez me ajudar a conseguir uma manta.
      — Você tem idéia que horas são? Nós vamos fechar em poucos minutos. — Henrich diz a ele. — Você não deveriam estar em uma festa ou algo parecido? E o leilão?
       Landon ergue a mão mostrando onde nossas mãos continuam unidas.
       — Eu o comprei. — Me adianto parando de ser apenas espectadora da conversa. — A propósito, sou Olivia.
      Ele estica a mão para mim e eu a aperto.
      — Henrich, mas acho que já ouviu. De qualquer forma, você é uma garota louca Olivia por investir seu dinheiro nele. — Ele aponta seu dedo para Landon que faz uma cara de ofendido. — Mas por você eu vou conseguir alguns lanches.
       — Eu agradeço.
       Ele se vai e Landon me olha estudando meu rosto.
      — Você não precisa de muito para conquistar as pessoas, não é? É como dar uma piscada e sorrir e pronto. — Ele analisa. — Por que não apareceu antes Ollie? Eu poderia te carregar comigo e a fazer conseguir coisas por mim.
      — Me sinto lisonjeada por ser cogitada para ser uma facilitadora para você. — Eu esboço um sorriso.
      Dez minutos depois deixamos a lanchonete com o que precisamos, segundo Landon.
      — Para onde está me levando?
      — Finalmente perguntou. — Ele para pegando o capacete. — Estava com medo de simplesmente se deixar levar por um estranho sem nem perguntar.
      No fundo eu também estou com medo de mim por fazer algo tão estúpido. Landon é um desconhecido.
     — E então? — Pergunto colocando o capacete que ele me entrega de volta.
     — Ah, nós vamos ao cinema nômade, eles estão no Parque Queen e depois vamos esperar o sol nascer no Parque Richmond.
      Eu não ligo que cinema e nascer do sol pareçam clichês, é um bom plano. Mas eu realmente não sei se deveria passar a noite toda fora, é um pouco fora da minha zona de conforto. Eu fui criada como uma boa filha, uma boa garota.
      — Ollie me dê seu celular, diga um amigo para quem posso escrever e dizer onde vamos e dar meu número, endereço, enviar uma foto do meu rosto. — Landon pede. — Se isso te deixar mais confiante, ou posso te levar para sua casa, o que você quiser.
      Sei que ele não está chateado por eu estar relutante ou em talvez ter que me levar ao hotel, dá pra ver isso na expressão dele. Por outro lado, não sei, essa pode ser uma boa noite com um cara legal que eu vou deixar passar por medo.
      Tiro meu celular da bolsa e entrego a ele.
      — Willow. Escreva para Willow.
      Fico olhando quando ele parece fofo escrevendo onde irá me levar e quando ele parece sexy olhando a câmera tirando uma selfie.
      Willow vai querer me matar por isso, eu sei que vai.
      — Willow já sabe aonde vamos. Pronta?
     Ou ele simplesmente mentiu sobre qualquer coisa que disse e está me levando para um lugar diferente, mas eu ignoro isso e subo na moto.
      Quando descemos dela no Parque Queen e vejo a multidão sentada no gramado olhando para a grande tela de projetor eu sorrio. O filme está prestes a começar então Landon se apressa para comprar os ingressos.
      — Qual o filme da noite? — Pergunto a ele quando volta.
      — É um clichê, você sabe romance, lágrimas e corações partidos. É O Diário de uma Paixão. — Ele revela revirando os olhos. — Eu não imaginei que seria esse.
      — Parece ótimo para mim.
      — Imaginei que sim.
      Landon passa o braço sobre meu ombro enquanto o outro leva a sacola que Henrich nos arrumou. Andamos até um lugar vazio, recebendo alguns protestos nos dizendo para nos sentar logo porque o filme já vai começar.
      Ele se senta primeiro e eu faço o mesmo. Primeiro ele nos cobre com a manta de Henrich e depois tira os lanches da sacola.
      — Acho que não agradeci ainda por entregar o celular, muita gente nem tentaria ter o trabalho de encontrar o dono. Obrigado, Ollie.
      O queixo dele encosta em meu ombro e ele está tão perto que consigo sentir o cheiro de sândalo e pimenta que emitem uma sensação de dias quentes que parece me tirar de Londres por alguns instantes.
      — Não tem de que. — Me lembro de dizer.
      Nós não conversamos muito durante o filme, por motivos óbvios, então nós comemos e volta e meia fazemos algum comentário sobre a história ou sobre os personagens.
      As mãos de Landon sobem e descem por meus braços tentando me deixar mais aquecida enquanto me encosto nele.
      — Você sabe, naquela época compreensível perder o contato, mas se pensar nisso hoje em dia seria a história de duas pessoas covardes ao invés de uma história de amor. — Ele comenta quando Noah e Allie se reencontram após sete anos e ela está noiva de Lon.
      — Eu não sei, talvez não seja só as falhas de comunicação que levariam a sete anos separados, tem muito mais.
      — Talvez.
      A maioria dos caras se acha muito foda para assistir O Diário de uma paixão, Landon também não parece ceder todas as vezes que chama o filme de clichê, mas quando o filme termina eu vejo seus olhos brilharem. As lágrimas não caem, ele não choraria, mas ele parece emocionado.
      — Essa parte sim seria impossível nos dias atuais, amar até ficar velhinho. Ou as pessoas se separam ou elas morrem antes. — Opino quando os créditos sobem.
      Landon ri. Ao contrário das outras pessoas não estamos nos levantando ainda.
      — Uma visão bem realista. — Ele comenta. — O sol vai nascer em uma hora e cinquenta.
      Lembrar que vamos sair daqui e subir na moto enfrentando o frio faz meu corpo se encolher embaixo da manta.
      — Prometo que a vista vale a pena, e a companhia. E olhe pelo lado bom, agora podemos conversar. Vou poder saber quem é a Ollie, e quero muito saber.
       — Você vai ficar entediado quando souber da pacata vida da garota de Chicago.
      — Chicago? Você é de Chicago? Eu deveria ter percebido pelo sotaque. — Landon me olha. — Bem, eu sou de Chicago também pequena Ollie, e eu quero saber o que outra filha daquela cidade está fazendo longe de casa.
      — É uma resposta chata.
      — Eu acabei de ver duas horas de O Diário de uma Paixão, eu tenho paciência para histórias chatas.
      Abro a boca chocada com o comentário dele, mas não tenho tempo de responder antes dele puxar a manta de cima de nós quando as pessoas começam a dispersar.
      — Frio! — Eu grito.
      — Se ficar ai parada vai ficar com mais frio.
      Ele já está de pé e sua mão esticada para mim, eu me seguro nela e fico em pé também.
       — Eu espero que a vista valha a pena.
      Não sei sobre a vista, mas quarenta minutos sentada em uma moto não era exatamente o que eu tinha em mente. Honestamente, eu não acho que tenho qualquer coisa em mente esta noite.
      Minha irmã ficaria horrorizada se eu contasse a ela tudo sobre essa noite desde a festa de fraternidade até os quarenta minutos sentada numa moto apenas para ver o sol nascer. Sarah é seria demais para isso.
      — Pode ser meio frio por causa do lago. — Landon avisa.
      — Não me diga, essa noite está sendo toda sobre frio, e a propósito, você é péssimo em encontros. — Eu disparo. — Não que a gente precise considerar isso um.
      — Você me comprou em um leilão Ollie, nada pode superar isso.
      Eu estou prestes a argumentar e lembrar que só fiz isso por causa do celular que precisava devolver, mas sou interrompida por risos.
      Um grupo de amigos está na margem do lago, mais a frente um casal ajusta uma câmera no tripé, e logo depois um casal, dois caras, estão conversando de rosto colado.
      — Todos aqui pelo pelo sol?
      Landon assente e aponta um lugar para nos sentarmos. Eu estou tremendo de frio por causa da brisa soprando do lago.
      — Você vem aqui sempre depois que toca? Como um ritual? — Eu me sento com ele como fizemos no cinema, mas ele me puxa mais perto.
      — Não um ritual, é só que as vezes eu gosto de me conectar, boas energias e tal. — Ele olha para além do lago onde o sol irá nascer. — Tocar puxa minhas energias, as vezes. Depende do público, tem público que gosta de coisas mais genéricas, tem público que gosta de ser desafiado por coisas novas. Um me faz sentir meio vazio e outro cheio de vida.
       — Quando pode tocar as coisas que cria de verdade? Tipo o que estava escutando essa tarde no notebook.
      — Você ouviu. — Não é uma pergunta. — Festas de fraternidade não tem ninguém que realmente esteja interessado na música, não em essência. Poucas percebem que estou tocando uma mistura de techno americano e rave britânico, ou no bpm de cada música que escrevo e produzo.
      Ele ama música, e ele quer que as pessoas a amem. Eu costumo ler e ouvir que música eletrônica não tem alma, mas Landon me faz acreditar que tem.
       — Então você cursa música? — Pergunto a ele.
      — Longe disso. Eu cursei negócios. — A resposta não é nada do que eu esperava. — Eu vou embora para Chicago em duas semanas. Foi a última vez que toquei.
      Me lembro dele dizer isso no microfone da festa, sobre ser a última vez que tocava e que iria sentir falta disso.
      — Por que? — Fico curiosa.
      — Tenho uma empresa para cuidar em Chicago.
      É a mesma velha história de sempre. É a minha história também. Em quatro anos serei eu saindo daqui rumo a entrar nos negócios da família.
       — Por que ainda não está me contando sua história chata? — Sinto a barba curta dele raspar em minha bochecha e só então percebo a proximidade.
       — A versão resumida é que minha vida sempre foi sem graça, você sabe, rotina e horários certos sempre, pobre garota rica. Então minha irmã foi para a faculdade há quatro anos e desde então eu meio que era a substituta dela, em fazer coisas com a minha mãe e ir para a empresa com o meu pai, e agora que ela está de volta eu pensei: por que não ter quatro anos para ser eu mesma?
      — Soa como um plano.
      Fico ciente do sorriso dele em minha bochecha sentindo cócegas leves.
      — É um plano. Parabéns, por causa dessa noite você terá um capítulo no projeto "Olivia Hill fazendo coisas que não faria se estivesse perto de casa." — Brinco com ele.
      — O que vem nos capítulos a seguir? — Ele quer saber.
      Dou de ombros me virando um pouco para o olhar.
     — Passar as férias viajando pela Ásia e depois é só depois, não quero pensar. — Sou sincera com ele. — Se ficar fazendo planos então um belo dia quatro anos terão passado e eu estarei em um avião de volta para Chicago me arrependendo do que não fiz.
      — Sei como é a sensação.
      Estou prestes a perguntar do que ele se arrepende quando um bocejo me corta e me envergonha.
       — Acho que acabei de entregar que não sou uma pessoa das madrugadas. — Rio baixo cobrindo a boca sentindo outro bocejo começar.
       O ombro de Landon treme por causa de uma risada baixa dele.
      — Tudo bem se quiser cochilar, eu te acordo quando o show começar. —Ele se propõe.
      Não vou dormir aqui. Isso pode ser sei lá, uma gangue, um culto, todos na beira do lago se conhecem e vão me matar. Não importa quanto a noite esteja boa, eu ainda tenho uma parte racional ou só aterrorizada por filmes de terror.
      — Eu não vou dormir. — Garanto.
      Acho que ele diz que tudo bem, eu acho, não tenho certeza porque eu dormi. Acordo com lábios roçando minha orelha falando sussurrado.
      — Não seja preguiçosa bela adormecida, o nascer do sol não vai esperar por você o dia todo.
      Repuxo meus lábios em um sorriso. Parece estar menos frio agora ou é só o calor humano já que eu estou completamente abraçada a Landon. Ai Deus. Abro os olhos com pressa e ao invés de me desculpar sou pega pelas luzes no céu.
      O azul escuro já começou a se transformar em um azul mais claro do outro lado do lago, e um tom de lilás também começou a surgir. É como uma pintura sendo pintada segundo a segundo.
      — Só assiste. — Landon sussurra em meu ouvido enquanto a mão dele pega a minha debaixo da manta.
      E eu assisto fascinada o lilás dar lugar ao rosa, e o rosa deixar vir o laranja, e então o sol despontar ao fundo, devagar, se espreguiçando até resolver começar o dia em tons amarelados e azuis.
      O grupo de amigos ali perto começa a aplaudir, mas eu admiro em silêncio. Uma lágrima solitária escorre em meu rosto e nem faço ideia do porque.
      Talvez porque eu percebo que nunca fui capaz de fazer nem algo tão simples como admirar o sol antes. Decido que vou fazer mais isso de agora em diante, a Olivia de Londres vai valorizar pequenas coisas.
      — Então eu sou péssimo em encontros, certo? — A voz de Landon soa em meu ouvido e ele enxuga minha lágrima com o polegar.
      — Se ignorar isso posso ignorar seu quase choro no cinema.
      Me viro um pouco de lado para o olhar e sorrio.
      — Obrigada Landon, isso foi...
      Os lábios dele estão nos meus, tão gentis e quentes como se não estivéssemos no frio a noite toda. Eu subo meus dedos pelo seu ombro, seu pescoço.
      Acho que eu acabo de começar um dia maravilhoso.

     

      
      
      
     
    

Todas as batidas imperfeitasOnde histórias criam vida. Descubra agora