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       — Tem um minuto?
       Estou correndo para a porta quando minha mãe interrompe meu caminho. É fim de tarde de terça feira e preciso ir buscar Mikey na escolinha.
       — Dois minutos se for importante. — Respondo me virando para minha mãe. — Aconteceu alguma coisa?
       É sempre bom olhar para ela agora, ela parece saudável, em paz, claro que ainda a pego chorando algumas vezes ou com o olhar distante, mas faz parte da saudade.
       — Nós duas só não tivemos tempo de conversar no domingo a noite, ou ontem. — Ela faz sinal para nos sentarmo nas poltronas e eu acato isso. — Foi tudo bem na viagem? Quando encontramos vocês no aeroporto sua conversa com Landon parecia tensa.
       Ela percebeu, é claro que percebeu, as vezes a capacidade dela de saber tudo é assustadora.
       — Nós estávamos discordando em um assunto, nada demais. — Eu respondo a ela me odiando por mentir ou omitir algo agora que nossa relação está melhor. — Está tudo bem.
       Ela me olha um pouco cética, dá para ver no olhar dela e também seus lábios se separam e se fecham por duas vezes, mas ela desiste de falar.
       — Pode falar. — Movo as minhas mãos para segurar as dela. — Eu quero saber o que tem a dizer. As vezes não quero, várias vezes não quis, mas desta vez eu quero.
       — Quero que tome cuidado para não se envolver além do que é aceitável, ainda mais sabendo que vocês tiveram uma história no passado.
       Ainda acho estranho ter uma conversa amigável com a minha mãe, ela continua ela mesma, seu jeito de falar polido, calmo, firme, mas agora não é mais autoritário. Não parece que ela quer ser superior, nós somos iguais nessa conversa.
         — O que exatamente é o aceitável? Eu tenho minha visão do que é aceitável, é claro, mas quero saber a sua. Talvez pareça que estamos próximos demais ou que nossas vidas estão muito conectadas. Se parece isso pode me dizer.
        Preciso saber exatamente o que se passa na cabeça dela e saber exatamente qual nível de ruim seria se ela soubesse o que aconteceu em Londres, porque honestamente minha prioridade é manter uma boa relação com meus pais, fazer bem o meu trabalho e ajudar com Michael, Landon vem abaixo disso tudo. Obviamente eu me importo e tenho sentimentos por ele, mas se de alguma forma isso atrapalha o resto estou pronta para recuar.
      — Acho que Landon poderia encontrar uma babá para buscar Michael na escola e ficar com ele enquanto não chega do trabalho. — Mamãe opina. — Você fazer isso todos os dias parece uma obrigação, um compromisso firmado entre vocês.
       Não gosto da ideia de deixar de ver Mikey todos os dias, eu me  adaptei a ele.
      — Sei que gosta de Michael, muito. — Minha mãe parece ler meus pensamentos. — Mas isso parece te colocar como parte da família deles, te dando as mesmas tarefas que seriam de Sarah como mãe e esposa. Então sei que ama Michael e talvez tenha sentimentos por Landon, mas as vezes temos que administrar os sentimentos e fazer o que é certo. Não certo para mim apenas, mas para não confundir uma criança, para não deixar pessoas pensarem coisas erradas, para Landon não tentar suprir a falta de uma irmã com outra e para você não se iludir com uma história do passado.
       De tudo que ela falou a parte de Landon suprir uma irmã com outra é a mais forte para mim. Eu passei os últimos anos da minha vida me dizendo que o único cara que realmente amei fez uma opção entre minha irmã e eu, e se a escolheu foi porque a amava.
       Então obviamente eu sei que não sou a primeira opção dele, mas ouvir sair da boca de outra pessoa que eu seria só uma substituta é mais doloroso.
       — Eu não vou me iludir, nada disso vai acontecer, eu sei qual o lugar que me pertence na vida deles. — Garanto a ela e sorrio me levantando em seguida. — Preciso ir agora. Vou buscar Mikey e quando Landon chegar vou falar sobre a babá.
       — Certo, é o melhor a ser feito.
       Eu assinto com a cabeça e corro para fora indo até o carro onde Jordan já está me esperando. Me lembro de novo que tenho a resolução de renovar minha habilitação americana e voltar a dirigir. Talvez seja difícil convencer meus pais no começo, mas vou fazer isso.
      Quando chego a escola Mikey está emburrado, e assim ele permanece até estarmos no carro.
      — O que aconteceu?
      Ele bufa baixinho enquanto o arrumo na cadeirinha. — Aprendi uma letrinha hoje.
      É fofo como ele diz a palavra letrinha, o som não sai totalmente certo.
      — Que letrinha aprendeu?
      — A. Tem A no nome da mamãe, mas eu não consigo desenhar.
      Ele tem um grande bico quando diz isso, e não tenho certeza se é sobre a letra A ou se é a falta de Sarah.
      — Você vai conseguir escrever o A em breve. — Garanto a ele. — E o nome da sua mamãe também.
      — Nós podemos ligar pra ela?
      Isso é pior do que um soco, dói mais. Vejo Jordan me olhar pelo espelho, ele também sabe que é uma situação delicada. Respiro fundo antes de responder Mikey.
       — Você lembra onde a mamãe está? — Pergunto a ele.
       — No céu com Deus.
       Nós já tivemos conversas sobre isso antes. — E no céu tem telefone? — Espero o rosto dele se mover negativamente. — Isso, não tem, então precisa pedir para Deus dar o recado que precisa quando falar com ele essa noite. Certo?
        — Certo.
       Claro que ele não parece feliz com essa solução, eu também não estou, mas é a única possível.
        Faço o processo de todo dia quando chegamos a casa deles, primeiro banho, então sentar na sala e ver se tem tarefa, se tem nós fazemos e se não tem ele assiste desenhos. Hoje tem tarefa sobre a letra A.
       Nós mal terminamos a atividade e guardamos o material no quarto quando a porta da frente se abre revelando Landon com a gravata frouxa e o paletó pendurado no ombro. Mikey e eu estamos sentados no chão vendo televisão e apenas eu me viro para ver Landon.
       Ele ergue dois dedos acenando parecendo cansado. — Tudo bem por aqui?
       — Uhum, a gente tava fazendo a letra A. — Mikey conta ao pai finalmente se virando. — Quer ver?
       — Quero sim.
      O interesse dele faz o filho se levantar rápido e correr para o quarto. Antes dele ir dou um um beijo apressado no rosto dele e então pego minha bolsa de cima do sofá e me levanto.
       — É a minha hora de ir. — Eu digo e vou para a porta.
       Eu quase acho que posso passar por Landon sem trocarmos nenhuma palavra com ele, mas então a mão dele segura meu braço para não me deixar ir.
       — Então vai continuar correndo?
       — Não estou correndo, estou indo para casa. — Eu tento parecer indiferente a proximidade, ao toque. — Mas que bom que me parou porque preciso te dizer algo. Acho que deveria ter uma babá para Mikey, para buscá-lo na escola e cuidar nesse tempo até você chegar. Não que eu não ame fazer isso, mas acho que seria melhor.
       A mão dele se afrouxa em meu braço e ele me encara jogando o paletó na direção do sofá. — Essa foi uma idéia sua?
       Obviamente não. — Sim. — Eu respondo a ele.
       A reação dele é rir, ele literalmente ri de algo que não tem nenhuma graça.
      — O que?
      — Você mente mal, sua irmã também mentia, vocês erguem o olhar, suas sobrancelhas sobem, quando estão mentindo.
       Involuntariamente ergo a mão e passo os dedos pela sobrancelha. Eu nunca reparei nisso, e ninguém nunca mencionou, e eu também nunca notei isso em Sarah. Mas a mulher também era um poço de honestidade, eu nem lembro de a ouvir mentir alguma vez.
        — Ok, foi ideia da minha mãe, mas acho que ela está certa, principalmente depois de tudo, mesmo que ela não saiba.
      — Hum, ok para a babá.
      Que bom, achei que poderia ser mais difícil. Na verdade, esperava que ele não concordasse logo, que não me quisesse longe facilmente.
       — Mas assim que eu encontrar uma babá a primeira noite dela aqui nós dois vamos sair e jantar juntos e falar sobre Londres e sobre porque supostamente é melhor Mikey ter uma babá. — Landon propõe ou impõe. — Ou é isso ou não vou procurar uma babá.
        Dou um olhar firme a ele. — Não pode me obrigar a conversar com você com chantagem.
        — Não é uma chantagem, é uma condição. — Ele ergue a mão tocando meu cabelo, mechendo em meus cachos. — Você também sabe que precisamos conversar, aquela manhã significou algo.
        — Não significou, não tem porque significar. — Minha respiração forte me trai um pouco, eu sempre acho que tenho essa reação quando estamos próximos. Landon tira meu ar. — Podemos concordar que aquilo foi só dois adultos com tesão?
        Não sei muito bem o que acontece, mas em um segundo meu corpo é puxado e colocado contra a parede pressionado pelo dele. Minha primeira reação é olhar para o corredor com medo de Mikey aparecer, mas a segunda é muito mais física porque meu corpo relaxa contra o dele como se aquilo fosse confortável demais, quase normal.
       — Eu concordo que teve tesão, dá para sentir.
       A voz dele perto de mim é difícil de ignorar. Eu movo minha mão até a camisa dele.
       — Mas não é só isso, tem mais envolvido e acho que pela primeira vez a gente não devia se afastar deixando dezenas de coisas não ditas. Você não acha, Olivia?
       Eu mal estou processando a frase e ele a termina me chamando de Olivia, a seriedade que ele diz meu nome inteiro é meio obscena.
       — Aqui!
       Fico aliviada que Mikey grite antes de chegar a sala nos dando tempo para nos afastarmos. Quando ele aparece eu tento sorrir apesar do nervosismo.
       — Boa diversão vendo a letra A garotos.
       Puxo a maçaneta da porta para ir, mas Landon segura para não abrir.
       — Por favor, só um jantar.
       — Ok.
       Eu não deveria ceder a insistência dele, mas honestamente não foi pela insistência que ele me ganhou, foi uma frase em específica que ele disse. Foi "pela primeira vez a gente não devia se afastar deixando dezenas de coisas não ditas", e ele tem toda razão, desde que nos despedimos naquela viagem seis anos e meio atrás sem eu abrir meu coração é como se sempre estivéssemos deixando assuntos pela metade.
        Mas não dessa vez.
      
      
      

Todas as batidas imperfeitasOnde histórias criam vida. Descubra agora