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       Eu queria conseguir voltar a dormir, mas preciso de água e uma aspirina. Meu coração continua acelerado, minha boca seca, a cabeça doendo e eu vomitei incontáveis vezes, tudo isso enquanto Charlie continua dormindo tranquilo como se essa merda não fizesse efeito nenhum.
        Não sei onde eu estava com a cabeça quando disse que queria, quer dizer, minha cabeça estava focada na sensação de euforia e era tudo que me importava.
        Depois de tomar uma aspirina deito no sofá da sala com a mão sobre o peito sentindo os batimentos acelerados. A casa está em silêncio porque todos estão de folga.
     Pego o meu celular, que encontrei no chão do quarto, para olhar as conversas da última noite. Duas coisas me surpreendem, eu respondi minha mãe e há várias ligações perdidas de Landon e vários áudios que mandei para ele, e um áudio de resposta.
         — Merda...
         Minha preocupação imediata é a mensagem que enviei para minha mãe, eu posso ter escrito uma merda gigante enquanto estava um pouco fora de mim. Clico na conversa com ela e leio minha mensagem.
         
Nós estamos bem Mikey vai começar a escola ele sente sua falta e para ser honesta eu também há muito tempo

        Apesar da falta de vírgulas e pontos eu me surpreendo com as palavras certas, santo corretor, mas não é isso que mais me chama a atenção, e sim eu ter dito que sinto falta dela. É algo que eu dificilmente admitiria sóbria.
        Ela ainda não respondeu, acho que nem viu, eles só acessam o celular na clínica uma vez durante o dia.
        Abro a conversa com Landon depois e meu dedo treme antes de clicar para ouvir o primeiro áudio.
       — Está tocando Don't stop the music! Talvez você não se lembre, mas foi a última música que você tocou na noite que nos conhecemos, você estava olhando para mim.
       A música está ensurdecedora no áudio e eu estou gritando por cima dela. Por que eu disse isso para ele? Clico no áudio seguinte.
       — A música está colorida, ela é de tantas cores. Você já viu cores nas músicas? Eu já te agradeci por me dar a chance de amar a música.
        Ok. Até aqui foram só áudios chatos de se mandar na madrugada, mas nada do que eu tenha que me envergonhar.
        Clico no último e mais longo.
        — Quando comecei a tocar era como se a música preenchesse o vazio que você deixou. Eu sei que parece dramático, mas eu estava saindo da adolescência, eu recém tinha feito dezoito anos e estava apaixonada. Naquele momento eu só queria ter uma chance de viver uma história de verdade com você, e talvez se tivéssemos vivido tudo agora seria diferente para todo mundo.
       Esse é um pouco vergonhoso na verdade, eu nunca tinha dito assim com todas as letras que estava apaixonada, que senti falta dele e que queria ter tido uma chance real. Até porque nunca mais coube isso ser dito dado os rumos que nossas vidas tomaram.
        O áudio dele é dessa manhã, de três horas atrás, ele provavelmente só ouviu as mensagens quando acordou.
       — Ollie você já está em casa? Como assim estava vendo a música colorida? Me diga que não estava fazendo besteira. — Ele parece preocupado e ignora todo conteúdo dos meus áudios.
       Isso é bom, não é? Se falássemos disso seria muito patético, é melhor fingir que nunca aconteceu.
       Há um outro áudio depois de uma hora atrás.
       — Ei, eu estou preocupado, pode só me dizer que está bem, se não aparecer em uma hora vou até sua casa.
       Não quero que ele venha, me olhei no espelho cinco minutos atrás, depois de uma noite bebendo e usando outros coisas, e acordar passando mal eu estou um lixo. Se ele me olhar vou parecer uma problemática, não é essa a imagem que quero passar.
        Aperto o botão de gravar o áudio e aproximo o telefone da boca. — Eu cheguei e apaguei, não era para se preocupar com as mensagens, sinto muito. Estou bem.
         Não tanto quanto eu gostaria, mas estava pior quando acordei mais cedo e passei meia hora vomitando, agora tirando a dor de cabeça e a pulsação ainda um pouco acelerada eu estou bem. Escrevo uma mensagem para o meu pai perguntando como está a viagem.
        Ainda nem apertei enviar quando uma solicitação de chamada de vídeo invade minha tela. É Landon.  Esfrego meus olhos e me sento direito no sofá, puxando meu cabelo para trás. Atendo em seguida.
          — Nossa, você está um lixo. — É o primeiro comentário dele. — Acho que eu estava certo quando ouvi suas mensagens de voz.
        Passo a mão pelo cabelo outra vez me olhando na tela do celular preocupada se eu pareço mesmo tão mal. Eu só pareço exausta, eu acho. Um contraste com ele parecendo limpo e saudável, usando um boné, algo que eu só vi ele usar na nossa viagem.
        — Certo sobre o que? — Pergunto a ele.
        — Que não estava só bêbada, nem mesmo bêbada você mandaria aquelas mensagens. E você estava vendo a música colorida, até onde sei você não tem sinestesia.
       Assinto devagar para a conclusão da análise dele. As cores agora são só borrões se fecho meus olhos, não lembro de nada, apenas das cores. É perturbador.
        — Desculpe pelas mensagens.
       É a vez de Landon assentir com uma expressão séria. — Não estava preocupado com as mensagens, só com você sendo irresponsável. E me senti meio culpado se é isso que você costumava fazer em todas as suas noites como DJ, culpado por te colocar nisso. Não achei que faria nenhuma burrice.
        Burrice? Ele está me chamando de burra e me dando sermão? Ele não tem que dar nenhuma opinião sobre o que eu faço com a minha vida.
        — Se estiver assim por culpa fique tranquilo, zero culpa, nem todas as minhas escolhas giraram ao seu redor. E, caso interesse, eu não fazia isso sempre, ocasionalmente sim, mas não sempre. — Eu elevo um pouco minha voz. — E mesmo que fizesse, não vejo como isso é da sua conta.
       — Sarah não gostaria disso.
       — Sarah não está aqui!
       Os olhos dele se arregalam quando eu grito, foi inesperado até para mim. Agora sei como mamãe se sentiu quando tentei dizer a ela que deveria ficar bem porque Sarah iria gostar. Por que temos que agir para agradar alguém que não está mais conosco?
         Landon está mexendo na aba do boné quando olho para o celular. — Só estou tentando dizer que...
         — Tentando me dizer para não me divertir, para ser só a chata, responsável, enfiada em um escritório. Não é isso? Mas esse é você, você escolheu uma vida chata. — Eu nem sei porque estou tão irritada com ele, mas é uma raiva vindo de algum lugar dentro de mim. — Na minha idade, já tinha se casado e teve um filho, e sabe o que aconteceu? Você ficou viúvo e com um filho para criar aos vinte e oito anos. Eu não tenho culpa se você foi um imbecil e arruinou a sua vida para sempre.
         — Me casar com a sua irmã e ser pai do seu sobrinho foi arruinar minha vida? Certo... — Ele respira fundo. — Bom saber que pensa assim.
         Ele encerra a chamada e então minha ficha cai, eu não quis dizer isso, quer dizer eu queria dizer que ele não viveu a vida que queria e se tornou monótono, mas não que a culpa foi de Sarah ou Mikey.
          Chamo ele de volta porque preciso me explicar, mas ele não atende. Mando dois áudios pedindo para me atender e também não tenho resposta. Eu sou uma idiota.
         Subo as escadas correndo, apesar de parecer que tem uma tonelada sobre minha cabeça quando faço isso, e entro no quarto pulando Charlie jogado no chão. Vou para o closet e puxo uma camiseta e um jeans me trocando com pressa. Quando termino Charlie está encostado na entrada me olhando.
         — Onde está indo?
         Eu detesto ser mal educada e deixar uma visita, mas isso é mais urgente. — Landon e eu nos desentendemos e eu preciso falar com ele.
         — Achei que não tivesse se sentindo bem.
        Me sento no chão para calçar meu tênis e assinto. — Não estou, mas é urgente.
         — Por que? — A pergunta me faz olhar para ele. — Sei lá, podia esperar até amanhã.
         Não gosto dessa versão de Charlie, a que me questiona, ainda mais em relação a assuntos pessoais.
        Termino de colocar o tênis e fico de pé indo até ele, colocando a mão em seu ombro. — Ele é o pai do meu sobrinho, e eu amo aquele garoto, não quero ficar mal com Landon.
         Charlie esfrega os olhos sonolentos. — Hum, só isso? Nenhum outro motivo?
          Agora estou ficando irritada, claro que só isso, o que ele acha? Landon era marido de Sarah, ela morreu há menos de quatro meses, é até nojento pensar que eu tenho outra intenção com ele.
         — Vou fingir que não entendi a insinuação. — Beijo o rosto dele. — Não tem nenhum empregado, mas tem comida, fique a vontade, eu vou voltar logo. Prometo.
         — Ok, vou estar esperando.
         Peço um Uber, também conhecido como a melhor coisa de se morar nos Estados Unidos e não na Inglaterra onde o serviço não funciona. Vinte minutos depois estou atravessando o quintal da frente e indo até a porta.
         Eu toco a campainha, três vezes. O carro está na garagem então eles estão em casa, a não ser que saíram sem ele. Estou cogitando isso quando a porta se abre me mostrando Landon com a pior expressão que alguém pode receber uma visita. Aquela expressão que diz "vá embora".
          — Me desculpe. — Eu disparo antes que ele me expulse. — Eu não quis soar cruel ou como uma vadia, não estava tentando diminuir a vida que viveu e vive, é que você estava falando da minha vida e eu me irritei, mas eu sei que isso não justifica.
          — Vai ficar tagarelando aí fora ou vai entrar?
         Eu fecho a boca olhando para ele que me dá espaço para passar. — Estava tentando falar tudo antes que fechasse a porta na minha cara.
          — Você merecia, mas não ia fazer isso. — Ele fecha a porta que eu entro. — A propósito, eu desculpo.
          — Simples assim?
          Fico feliz que seja simples, mas eu estava nervosa achando que ele tava muito puto comigo e ele no máximo estava chateado.
          Ele faz sinal para eu o seguir e vamos até a cozinha. Mikey está sentado a mesa comendo.
          — Ele vai fazer quatro anos, ele pode ficar bravo e emburrado, mas nós somos adultos. — Landon explica. — Ei a tia Ollie está aqui.
          Mikey desvia a atenção da tigela de cereal e seu sorriso fica tão grande quando me vê que não resisto a ir até ele e o abraçar forte. Não existe nada de chato ou arruinado tendo esse garoto em nossas vidas.
         — Tudo bem? Você não parece bem. — As duas mãos pequenas dele seguram meu rosto.
        — Não pareço?
        Landon ri atrás de nós. — Eu disse que sua aparência estava ruim. Já comeu algo hoje?
        Movo a cabeça negando. — Acordei com o estômago ruim, e vomitando.
        Ao meu lado Mikey diz um "eca" baixinho me fazendo rir.
        — Se estiver melhor agora posso fazer um café da manhã. Quer?
        Puxo a cadeira ao lado de Mikey e me sento. — Seria ótimo.

       

         

      
       

Todas as batidas imperfeitasOnde histórias criam vida. Descubra agora