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Julho

      Meus planos para hoje se resumem a aproveitar o sol na beira da piscina. Eu não entrei na piscina desde que cheguei, eu nem tive ânimo para isso, mas ontem Willow e eu tivemos uma longa conversa ao telefone que me fez pensar em muitas coisas.
      Nós conversamos sobre a vida, sobre aproveitar todos os dias mesmo nas pequenas coisas.
      Sarah morreu há dez semanas e todos nós continuamos pensando muito nela, vivendo a morte dela enquanto devíamos estar vivendo as nossas vidas. Foi isso que Sarah fez, ela viveu, tenho certeza que ela aproveitou pequenos momentos em sua casa, seu trabalho.
      Se eu quero fazer algo aqui preciso começar por mim, por isso eu decidi que viveria um pequeno momento apreciando o sol essa manhã.
      — Não quer se juntar a mim? — Pergunto a minha mãe durante o café. — O sol parece estar agradável.
       Ela me lança um daqueles olhares que eu gosto de interpretar como "por que você ainda não foi embora?", e cujo qual eu finjo que nunca me importo.
       — Vou para o quarto.
       É tudo o que ela faz quando Mikey não está aqui, ela se tranca lá e se isola do mundo. Então meu pai sai para o clube e fica o dia todo fora para não ter que lidar com isso.
       — Talvez outro dia. — Eu digo com calma. — Ou podemos fazer outra coisa no próximo fim de semana.
       Outro olhar estranho e ela deixa a mesa. É, eu não faço ideia de como me aproximar dela.
       Vou para a beira da piscina sozinha após o café, eu até pensei em ligar para Melanie, mas acho que não estou pronta ainda para conversar com pessoas que não sejam as mais próximas. Exceto no trabalho, aí tenho que falar.
        Estou deitada aproveitando o sol da manhã antes de entrar na água quando o meu celular toca. Só pode ser Willow ou Charlie.
        Estico meu braço e o pego na mesinha. Não é ninguém que imaginei, é Landon. Atendo rápido porque ele nunca liga, ele raramente responde as mensagens que envio perguntando se está tudo bem.
        — Landon? — Não recebo uma resposta para isso. — Está tudo bem?
        O ouço respirar fundo. — Você pode vir até aqui? Acho que está na hora, mas preciso de ajuda.
       Ele nem precisa dizer na hora de que, nós dois sabemos. É hora de mexer nas coisas de Sarah. Ver o que vamos guardar, doar, nos desfazer. É minha vez de respirar fundo porque sei que será muito difícil.
       — Estou indo para aí. — Respondo finalmente. — Vai ficar tudo bem.
       Não faço ideia se digo isso para mim ou para ele. A ideia de viver as pequenas coisas do dia terá que ser adiada.
       Quando Landon abre a porta para mim uma hora mais tarde o nervosismo parece escorrer de seu rosto.
       — Você tem certeza? — É o que digo antes de qualquer coisa.
       — Tenho. — Ele dá espaço para eu passar. — Eu refleti muitas coisas que a terapeuta disse e a terapeuta do Mikey, nós precisamos aceitar e olhar para frente, não é?
        Assinto para ele. Infelizmente é assim que é quando estamos lidando com a morte.
       — Por onde começamos? Quarto ou outras coisas nos armários?
       Landon aponta para o corredor dos quartos. — Mikey! Sua tia está aqui.
       Eu ainda me impressiona como esse garotinho roubou meu coração para ele definitivamente. Assim que ele vem pelo corredor eu me abaixo para o abraçar.
        — Oi amigão! O que está fazendo?
        — Brincando com meus carros. Vem, você pode brincar comigo.
        Dou uma risada quando ele diz "pode", como se eu estivesse pedindo para brincar com ele e não o contrário.
         — Eu vou ajudar o seu pai primeiro e depois brinco com você, tudo bem?
         Ele não parece muito feliz com isso, mas assente. — Está bem.
          Bagunço o cabelo dele e o deixo voltar para o quarto enquanto olho a porta do outro quarto. Das poucas vezes que entrei na casa eu nunca estive ali. Landon faz sinal para eu entrar, sinto minhas pernas pesarem uma tonelada enquanto entro.
         Tem algumas caixas no chão preparadas para o que vamos fazer. Nós precisamos a deixar ir e guardar só as memórias.
         Ficamos os dois parados na frente do guarda-roupa, nenhum dos dois tem coragem de abrir por alguns instantes, mas sei que tem que ser eu. Dou mais um passo e empurro a porta de correr para o lado.
        Lá estão as roupas da minha irmã, seus pertences. Eu respiro fundo e vou primeiro para uma parte no meio com roupas no cabide, pego vários juntos e coloco na cama.
        — Vai tudo para as caixas? — Minha voz sai baixa, não consigo ficar tão firme quanto queria.
        — Tudo. — A voz embargada de Landon diz.
        Eu tiro a primeira roupa do cabide para dobrar, minhas mãos tremem e eu mordo meu lábio, fecho meus olhos depois os abro de novo, tentando me controlar. Landon vem ao meu lado e pega uma roupa também.
        — Vamos conseguir.
        Eu assinto e começo a dobrar.
        A gente faz isso a maior parte do tempo em silêncio, as vezes Landon conta alguma lembrança de Sarah usando determinada roupa. Eu gosto de o escutar contar.
        Nós tiramos cada cabide, abrimos cada gaveta, limpamos as prateleiras. Depois de enterrar minha irmã essa é a coisa mais difícil que já fiz na vida.
        Tem um último cabide, um que está coberto com uma capa, Landon me pede para deixar por último. E quando chega a hora ele mesmo abre a capa e me mostra o vestido de noiva de Sarah.
         — Ela estava tão linda, tão feliz. — Eu estico minha mão e toco o tecido. — Eu deveria ter parado e a admirado por mais tempo naquele dia.
         Mas eu estava chateada, chateada por Landon e eu, só queria sair de lá o mais rápido possível.
         — Você disse que eu fui o escolhido do coração dela. — Landon lembra do meu discurso. — E que desejava que nosso casamento trouxesse sopros de felicidade.
         — E trouxe, não foi? Sei que passaram algumas dificuldades nos primeiros meses, mas depois vocês construíram uma vida tão bonita. — Digo a ele já sentindo as lágrimas escorrerem. — Vocês estavam no destino um do outro, eu me sinto aliviada por saber que ela foi feliz com alguém como você.
         Ele assente devagar e se senta na cama, ainda sem largar o vestido de noiva com força.
        — Nós fomos muito felizes, mas pensando agora sempre fica aquela sensação que não foi suficiente, que eu poderia ter feito mais. Se eu tivesse feito poderia ser tudo diferente. — Os olhos dele já estão cheios de lágrimas.
        Me sento ao lado dele na cama e o olho, ele está tão quebrado.
        — Landon, foi um acidente. — Digo querendo dizer que não teria nada que pudéssemos ter feito. — E Sarah não iria querer nem por um momento que você pense que ela não foi feliz com você.
         — Eu não sei, Olivia. Talvez ela... eu não sei. Não consigo parar de pensar nisso.
         Como ele pode duvidar disso por um instante que seja? Eu não estava por perto, mas a cada vídeo que vi estava Sarah olhando para Mikey e Landon como se fossem seu mundo, sempre sorridente, feliz. Eu tenho certeza que minha irmã foi tão feliz quanto se é possível.
         Movo minha mão e puxo a mão de Landon que está agarrada ao vestido. — Não faça isso, você entregou seu melhor a ela.
         Aperto minha mão sobre a dele com força tentando mostrar o máximo de apoio. Nós ficamos em silêncio por alguns minutos.
        — Naquela noite eu disse a você que não amava Sarah. — Landon quebra o silêncio e eu fico tensa.
        Não gosto de lembrar daquela noite. Eu fechei todas as lembranças há anos e não quero as abrir.
        — Então por que acha que eu a amava e a fiz feliz? Naquela noite eu estava dizendo coisas a você, Olivia. E você ainda tem certeza que eu a fiz feliz.
         Meu estômago se revira. Eu gosto de fingir que nós nunca tivemos sentimentos um pelo outro, principalmente agora. O passado parece ainda pior agora.
         — Você estava confuso, foi há quatro anos e meio, Landon. Veja tudo que construíram juntos depois, é claro como água que a amou. Eu enxergo isso, e ela também enxergava. — Solto a mão dele e fico correndo meus dedos pelo vestido. — Você pode estar sendo negativo, mas se for necessário eu vou todos os dias te lembrar como vocês se amaram e foram felizes. Não pode acabar com todas as lembranças boas por causa de pensamentos estúpidos. Entendeu? Eu não vou deixar.
         Landon se vira para me olhar finalmente e assente devagar.
         — Quem te nomeou minha cuidadora, pequena Ollie?
         Ollie. Ele é a única pessoa que me chama assim e eu não escutava isso há anos.
         — Sarah. Ela disse que eu deveria estar aqui para todos vocês, e eu estou. Não se esqueça disso. — Dou um tapinha no ombros dele e me levanto. — Acho que terminamos o quarto. No escritório talvez tenham coisas da empresa que é melhor deixar meu pai dar uma olhada.
         — Sim, pode mexer lá. — Landon olha as caixas no chão. — Vou levar para a garagem, exceto a caixa para levar para sua mãe dar uma olhada, todo o resto vai para doação.
         — É o melhor a se fazer. — Digo a ele. — E quanto a casa, já decidiu? No mês que vem Mikey começa a ir para a pré-escola e você disse que queria que fosse próximo de casa ou do trabalho.
         A melhor coisa para Mikey é ir para a escolinha e conviver com outras crianças. Mamãe tem sido cada vez menos uma companhia saudável para ele.
         — Vou ver uma casa essa semana, esse também foi um dos motivos para eu fazer isso hoje. — Ele explica.
         — Ok. Me diz depois onde é, e eu faço uma pesquisa das melhores escolas próximas e adianto seu trabalho.
        Apesar dos olhos vermelhos de choro Landon esboça um pequeno sorriso.
        — Sarah deveria estar aqui para ver você sendo tão adulta, com trabalho e tudo mais. Ela estaria orgulhosa.
         Eu espero que sim, porque eu mal me reconheço. Como a mulher que tocava a noite toda e tinha que ser tirada da balada caindo de bêbada está se tornando essa pessoa centrada? Não tão centrada, eu acho, mas ainda assim é muito diferente de mim.

        
       
       
      
      
      

Todas as batidas imperfeitasOnde histórias criam vida. Descubra agora