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Novembro/2020

       — Uau, que princesa! — Jane me elogia e eu dou um giro me exibindo com um vestido preto longo com uma fenda desde a coxa.
       Estou pronta para ir jantar com Landon, mas primeiro tive que trazer uma pasta para o meu pai no escritório dele, as oito da noite.
       — Obrigada, eu me esforcei. — Respondo ao elogio. — Você já não deveria estar em casa?
      Preciso ter uma conversa séria com meu pai sobre exploração dos funcionários. Jane deveria estar em casa com a família, não ficando no escritório até tarde porque ele é um viciado em trabalho.
        — Eu vou sair em alguns minutos, Kevin está com as crianças. — Jane me responde e aponta a porta. — Quando vamos dar um jeito para esse velhinho parar de trabalhar tanto?
       Eu rio do comentário dela, essa é a liberdade que se adquire quando se trabalha com meu pai há doze anos.
       — Acho que ele precisa sair da cidade por uns dias, talvez eu o convença a viajar na Ação de Graças. — A ideia surge em minha mente e eu gosto dela. — Vou levar a pasta porque alguém vai passar para me buscar.
      — Hummm.
      Landon deve estar quase chegando, ele insistiu em me buscar para jantar e eu pedi para ele me pegar na empresa então, dessa forma não preciso me explicar para ninguém. Não que o jantar seja errado, nós vamos só conversar e esclarecer algumas coisas para seguirmos em frente sem algo entre nós.
        Também é o primeiro dia da babá, vai ser um teste para ela e para Landon também.
       — Vou levar a pasta. — Jogo um beijo pra Jane e vou para o escritório dando duas batidas rápidas na porta antes de a empurrar. — Serviço de entrega.
        Meu pai tira os óculos e ergue o rosto movendo a mão ao fazer sinal para eu entrar.
        — Preciso dar uma olhada nesse projeto. — Ele estica a mão e eu entrego a pasta a ele.
       — Precisa também trabalhar menos e estar mais em casa, nós precisamos da sua presença, gostamos dela. Eu e a mamãe.
       Puxo a cadeira para me sentar, mas desisto lembrando que preciso ir logo.
       Por alguns segundos enquanto meu pai abre a pasta e tira o projeto de dentro dela eu acho que ele não me escutou, mas então ele me encara e dá um sorriso torto. — Você talvez, sus mãe eu duvido muito.
        Sei que a vida conjugal deles não é um mar de rosas, mas eu acredito honestamente que minha mãe gostaria da presença dele, e que ela sente falta dele em casa, não só agora, mas há anos.
        — Tenho certeza que seria muito mais fácil para os dois se tivessem passado os últimos seis meses e meio com cumplicidade ao invés de se afastarem mais. — Meu celular vibra na bolsa, mas eu o ignoro por enquanto. — Minha mãe é extremamente difícil e eu sei, mas se até ela está tentando melhorar por que você também não faz sua parte? E nem precisa me responder isso, só reflita.
       O celular vibra outra vez e dessa vez eu o tiro da bolsa para ver uma chamada de Landon. Atendo.
       — Está aqui?
       — Sim, parado com o carro aqui na frente. — Ele informa. — Já vai descer?
       — Me dê dois minutos. Até já.
       Meu pai me olha atento durante o breve tempo da chamada, assim que eu desligo ele sorri e dá uma olhada melhor em mim.
       — Então tem um encontro essa noite. — Ele constata. — Alguém do trabalho?
       — Por aí. — Coloco o celular de volta na bolsa para evitar o encarar.
       Meu pai obviamente seria menos duro e preocupado com um jantar entre Landon e eu, mas prefiro não dizer nada.
        — Ok, vai lá, não quero te segurar aqui. — Meu pai faz um gesto como se me mandasse embora. — Só seja prudente, principalmente com seu coração. Nem sempre querer recuperar algo por amor dá certo, Sarah não teve tempo de aprender, mas você tem.
        Duas coisas me deixam curiosa, a primeira é ele saber que é com Landon que vou jantar, mesmo que não tenha me dito com todas as letras. A segunda é sobre Sarah não ter tido tempo de aprender, ele deve estar falando do período que ela e Landon estavam tentando deixar as coisas bem depois que ela soube de nós dois. Pelo jeito que Landon falou sobre não terem voltado a ser como antes e agora meu pai dizendo isso eu imagino que não funcionou bem.
       Me perturba um pouco pensar que os dois momentos que Sarah e Landon tiveram problemas no casamento foram culpa minha, talvez indiretamente.
        — Só quero ter uma conversa como adultos, de coração aberto e sem fugir, nós nunca tivemos isso. Acho que merecemos ao menos isso.
       — Vocês merecem.
       O fato dele entender isso me deixa em paz. Dou a volta em sua mesa e me inclino o abraçando pelo ombro e beijando seu rosto. — Amo você.
       Alguns minutos depois estou deixando o prédio da Hill e vejo Landon encostado do lado de fora do seu carro esperando por mim. O sorriso que ele dá é destruidor.
      — Não sorria assim. — Mando enquanto me aproximo. — Demorei?
      — Muito tempo. — Ele estica a mão quando me aproximo e me faz rodar sobre os saltos. — Tentando matar um homem?
      Dou um riso breve. Confesso que gosto desse flerte, é diferente, normalmente nos últimos anos eu não tive essa coisa de encontro, flerte, era sempre só a parte de sexo. Dessa vez eu terei flerte e encontro sem sexo.
       — Tudo bem com Mikey? Ele ficou bem com Arya?
      Landon abre a porta do carro para mim enquanto assente. — Está bonzinho. Vou mandar mensagens para Arya durante a noite.
      Ele fecha a porta e entra do lado do motorista. Nossa conversa no carro se resume a comentar as músicas que tocam, principalmente os lançamentos. Obviamente nós concordamos sobre ouvir música eletrônica, a minha favorita no momento é Space da Becky Hill. Me empolgo quando a ouço dando batidas no painel e cantarolando junto.
       — Se você voltar a tocar deveria começar a cantar suas próprias músicas.
       Se eu voltar. Parece tão distante agora, mas é uma vontade que está guardada dentro de mim.
       Agora no carro com Landon eu penso mais nisso. — E se eu fizesse isso você trabalharia comigo? Teria que produzir todas as minhas faixas.
       — Sou um administrador, não um produtor.
      Faço cara feia para ele. — E eu sou uma arquiteta, e o que mais eu quiser.
       — Com certeza é.
       Landon entra no estacionamento do edifício John Hancock, o que me faz saber onde vamos jantar. Tem um lounge com uma vista linda, a parte chata é que temos que subir noventa e cinco andares para isso.
       O suspiro que dou quando finalmente saimos do elevador é mais alto do que eu previ. Landon ri ao meu lado.
      — Ok entendido, não escolher um restaurante tão no alto para encontros. — A mão dele está em minhas costas enquanto nos guia até o maitre.
       — Não estamos em um encontro, estamos aqui apenas para uma conversa amigável.
       Olho para o lado bem a tempo de o ver revirar os olhos para mim quando chegamos até o maitre.
       Só quando estamos na nossa mesa com a vista mais linda de Chicago, bebendo um bom vinho e já tendo pedido nossas entradas depois de falar amenidades sobre o restaurante é que parece que surge uma tensão, aquelas do tipo pressionando sobre o porque de estarmos aqui.
       — Você pode falar se quiser. — Dou um gole no vinho antes de dizer isso para criar um pouco mais de coragem. — Não vamos conseguir evitar a conversa sobre termos transado em Londres. É por isso que estamos aqui.
       — Principalmente por isso. — Landon concorda. — Embora não seja sobre o sexo em si, mas sim sobre os sentimentos que levaram a ele e os que vieram após ele.
       É a vez dele dar um gole no vinho antes de voltar a falar.
       — A questão mais importante é que quero que saiba que não transei com você sem sentimentos, e que nas últimas semanas desde antes da viagem eu já estava me sentindo confuso, eu estava pensando muito sobre você, sobre nós.
       Eu evito olhar para ele e encaro a taça de vinho.
       Assinto com o rosto tentando parecer séria e indiferente as palavras dele. — É eu sei, tivemos aquela conversa sobre escolhas, você disse que pensava como seria se as coisas fossem diferentes, e eu te disse que estava pensando nisso porque queria uma forma que Sarah estivesse viva. — Eu recordo nossa conversa. — Ainda acho que tudo isso, sua confusão, é apenas sobre a falta de Sarah, não sobre nós.
        — Eu tenho vinte e oito anos, sei bem o que sinto. Sei muito mais do que quando tinha vinte e dois anos. Por que é tão difícil acreditar que eu quero você por perto por quem você é? E que se quero transar com você é porque eu te quero? Toda vez que tento te falar que eu pensei em você todos esses anos, que eu gostaria de termos tido uma chance você torna isso sobre Sarah.
         — Talvez porque seja óbvio. — Dessa vez eu o encaro. — Você estava casado por anos e amava sua esposa, então de repente ela morre e você se diz confuso sobre seus sentimentos. Escuta Landon, não estou tentando te julgar, eu entendo, mas... nós devíamos deixar essa história como ela esteve nos últimos anos, esquecida.
       Dou um leve dar de ombros. Só estou tentando ajudar nós dois, tem vários motivos para enterrarmos essa história, não confundirmos nossos sentimentos, não confundir Mikey, para não causar desconforto a ninguém.
        — Então estava esquecida? Bom para você, porque é uma tortura mesmo com a sua vida estando ótima, mesmo amando alguém, você quase todos os dias pensar em outra pessoa. — Os dedos dele estão batendo na beira da mesa expondo um pouco de nervosismo. — Eu procurei seus vídeos tocando, eu perguntei de você a Willow e Henrich a cada conversa nossa e pedi para não te contarem, eu olhei para as fotos e vídeos daquela viagem por tantas vezes que perdi a conta. E sim, eu me senti culpado por isso, porque nunca consegui ignorar.
        Eu estou bebendo vinho ao final de cada frase dele, como se a bebida pudesse conter sentimentos.
        — Eu ficava pensando se tudo isso é porque nós não vivemos nossa história, nunca levamos nossa paixão de verão a um amor, nunca nos conhecemos melhor. E pensava que talvez se nos conhecêssemos de verdade iríamos nos detestar e isso morrer ou então nos amaríamos de verdade. Quase sete meses de convivência agora e eu sei a resposta.
         Olho para a taça vazia agora que acabei com o vinho. Só Landon está falando, e as palavras dele estão me confundindo porque vim aqui com um objetivo e agora não está mais tão claro. Tenho duas opções, fingir indiferença ou ser honesta como ele.
       — Também pensei muito sobre você, reli a sua carta uma centena de vezes, pelo menos. — Admito e respiro fundo me preparando para dizer tudo que está guardado há anos. — Eu não consegui me abrir de verdade com ninguém, não consegui sentir nada parecido, e isso me dava raiva porque eu me achava idiota de não conseguir superar, de ainda pensar enquanto você estava bem, feliz, completo. Todo meu ciclo vicioso de raiva, de música, bebidas e sexo era apenas para esquecer, mas nunca deu certo, não totalmente. Sei lá, parece que o tempo todo eu fui uma grande mentira.
       — E o que você é agora?
       Acho que essa é a grande pergunta para qual eu não tenho uma resposta. — Talvez ainda buscando minha verdade, e no momento com medo dela, medo dela estar ligada a alguém que não deveria.
        — Meu medo é a gente perder isso de novo, deixarmos a chance ir embora. — Ele está me olhando tão fixo que não duvidaria que ele conseguiria enxergar dentro de mim se quisesse.
        Me sinto exposta e vulnerável.
        É bom que o garçom peça licença nesse instante para servir nossas entradas, isso me dá tempo de desviar o olhar e acalmar meus ânimos.
        Landon olha para o garçom com ansiedade enquanto ele se afasta. — Vou dizer uma última coisa antes de comermos e o resto da conversa fica para o final, porque talvez você já esteja com muito para pensar. — Ele diz quando estamos sozinhos outra vez. — Sei que você tem todos os motivos para ser insegura sobre isso porque eu não tentei de verdade ficar com você anos atrás, e eu sinto muito. Também fica insegura porque eu tenho uma história com Sarah e eu não posso apagar isso, e honestamente nem gostaria, porque essa história, o amor que vivu com ela, é importante para eu ser o homem que sou hoje. E você também tem medo de como isso vai parecer para o resto das pessoas, e acredite, eu entendo. Mas apesar de tudo isso estou aqui na sua frente para perguntar: é tarde demais para nós?

       
      
      
     
     
       
      
      

Todas as batidas imperfeitasOnde histórias criam vida. Descubra agora