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Ao invés de me repreender papai se junta a mim escondida em seu escritório tomando um de seus uísques caros. Ele se serve e se senta em uma das poltronas, não sem antes passar o dedo por meu rosto limpando as lágrimas que não param de cair.
Enterramos Sarah essa tarde e horas depois a sensação de ser preenchida por nada além de tristeza continua. E é tão forte que fico acreditando que nunca mais vai passar.
- Se lembra de como ela costumava entrar aqui e organizar todo o escritório só para te deixar feliz? - Pergunto após um longo gole.
Um pequeno sorriso ameaça surgir em seu rosto olhando ao redor do escritório.
- Ela nunca parou de fazer isso a cada vez que vinha. - Ele dá um gole grande no uísque. - Agora sinto que talvez não valorizei tanto tudo que ela era. Sarah era nossa alegria, gentileza, ela era aquele toque de frescor no mundo, e era meu braço direito quando eu precisava, o cérebro ligado ao meu. E ainda assim acho que não fui o que ela merecia, o que vocês mereciam.
Me levanto da cadeira principal do escritório e me sento no braço da poltrona o abraçando.
- Não tivemos nada do que reclamar. - Tento o confortar.
- É claro que tiveram. Sempre fiquei mais no trabalho do que em casa e sufoquei vocês com seguranças e outros funcionários. Deveríamos ter passado mais tempo todos juntos.
Assinto de leve porque concordo com essa parte. Ele pagava viagens para Sarah e eu, ou as vezes com a mamãe, mas ele raramente estava presente.
Puxo meu cabelo para trás ajeitando o coque que prende meus cabelos enrolados.
- Você e Sarah não passaram um bom tempo juntos nos últimos anos? Vocês trabalhavam juntos, e a chegada do Mikey uniu mais vocês, todos vocês. Tenho certeza que Sarah foi muito feliz. - Inclino meu rosto encostando no ombro dele. - Ela me fez prometer que ficaria por perto, pelo menos por um tempo.
Ainda não tinha falado sobre isso com ninguém, mas é algo que estou remoendo há vinte e quatro horas. Não sei se tenho a capacidade de estar aqui mais, eu não me encaixo mais, e sem Sarah aqui é ainda pior.
- Vai cumprir a promessa?
- Eu prometi que iria tentar, mas não sei se serviria de algo eu estar aqui. Mamãe não fala comigo direito, não sei como ajudar Landon, não sei nada sobre como agir com uma criança, e nem sei se consigo trabalhar com você como Sarah. Eu posso tentar e falhar.
Ele coloca a mão sobre a minha em seu ombro. - Ou tentar e conseguir fazer bem a pelo menos um de nós. Você já ficou longe tempo demais, Olivia. Não quero um dia me arrepender de não ter passado mais tempo com você também.
- Nem eu.
Eu só tenho que pesar se também não quero me arrepender de deixar meu melhor momento como DJ para recomeçar ou dar uma pausa em Chicago.
Me levanto e sirvo o copo outra vez e então vou para a porta. - Eu preciso tentar dormir.
Não consegui fazer isso na noite passada, não sei se conseguirei hoje, caso não consiga vou apelar a um calmante. Não aguento mais estar acordada.
- Certo. Amanhã é mais um dia.
E isso significa muito. O dia da morte foi inesperado, desesperador. Hoje que a enterramos foi vazio e triste. E quanto a amanhã? O dia que começa amanhã começa a de verdade moldar nossa vida sem Sarah nela?
- Boa noite, pai. Eu amo você.
- Eu amo você, Livvy.
Escuto a voz de Landon quando ainda estou no corredor do escritório, e o vejo parado em um canto da sala com minha mãe enquanto minha prima Melanie, do outro lado dela, tenta distrair Mikey, tristemente forçado a usar camisa e calça preta hoje. Ele nem entende o que está acontecendo.
- Outro dia eu trago ele para dormir, eu acho que é importante ele ficar mais comigo nesses primeiros dias. - Landon está falando calmamente, a expressão dele ainda está carregada. Ele está arrasado e mamãe continua o pressionando. - Nós dois teremos que nos acostumar a como vai ser agora.
- Eu sei disso, mas hoje foi um dia tão difícil, eu enterrei minha filha, Landon, a minha garotinha, meu amor. - Mamãe lamenta.
Eu tenho vergonha de admitir que por um breve instante as palavras dela me magoam, me enciumam, e eu não deveria sentir isso em relação a minha irmã que está morta. Landon me olha e eu assinto de leve, nem sei porque, talvez eu só esteja dizendo que estou bem. Tão bem quanto é possível, pelo menos.
- Só me deixe dormir perto dele essa noite, o abraçar. É o pedido de uma mãe. - Minha mãe começou a chorar.
Landon passa a mão pelo cabelo, franze a testa e depois coloca a mão sobre o ombro da minha mãe.
- Tudo bem, Anne. Ele pode ficar essa noite. Só essa noite.
Ela sorri para ele. - Vou subir para arrumar o quarto. Mel, suba com ele em dez minutos.
Minha prima assente e continua a montar blocos com Mikey. Não imaginei que ela levasse jeito com crianças.
Assim que minha mãe sai Landon suspira forte e se aproxima de mim olhando para o copo em minha mão. Eu estendo para ele.
- Está dirigindo?
Falar sobre dirigir me lembra que eu não sei como aconteceu o acidente de Sarah, quando foi, ou onde. Alguém bateu no carro dela ou ela bateu? Quero saber disso, não vai mudar nada, mas acho que devo saber então vou perguntar ao meu pai mais tarde.
- Henrich está com o meu carro e vai passar para me pegar. - Ele pega o copo e dá um gole no uísque. - Ele e Willow vão embora amanhã.
- Sim, ela me disse.
Olho na direção de Mikey e Mel de novo e Landon segue meu olhar.
- Você acha que vai ficar bem sozinho com ele? Talvez se forem para a casa dos seus pais...
- Minha mãe não é a maior fã de crianças, mas sua mãe por outro lado... Ela acha que eu deveria ficar aqui por um tempo.
É assim que começa. Querer estar junto sempre, poder manter um olho sobre a criança sempre.
- Não faça isso. Sarah me pediu para não deixar Michael na bolha de proteção da mamãe, então você precisa fazer sua parte. - Eu conto a Landon. - Se precisar de ajuda vou estar aqui.
- Então você está ficando?
Eu dou de ombros de leve, me sentindo tão cansada. - Acho que estou, por um tempo. Tudo bem por você?
- Não precisa me perguntar. É sua família, sua cidade. Tudo ficou para trás há muito tempo. - Ele aperta meu ombro como fez com minha mãe antes. - Eu também acho que pode ser bom para o Mikey nesse momento.
Fico feliz que não tenha sobrado nenhuma situação chata entre nós, nesse momento seria a última coisa que precisaríamos.
Meu celular vibra em meu bolso e eu o pego para ver o nome de Charles na tela. Eu falei com ele na noite passada, mas eu na verdade só chorei. Preciso atender para o tranquilizar e para dizer para cancelar qualquer compromisso meu para os próximos meses.
- Vou atender. Se Willow chegar pode dizer que estou lá fora?
- Eu aviso.
Assinto em agradecimento e aperto o botão de atender levando o celular a orelha enquanto caminho. - Oi Charlie, desculpa não atender antes.
- Ei, tudo bem, só queria saber como está se sentindo. Se precisa de algo.
Abro a porta para o jardim e saio. Charles é sempre muito bom comigo, mesmo que não tenhamos nada sério, ele é companheiro.
- Não estou bem, obviamente. - Respiro fundo quando a vontade de chorar volta. - Não tem nada que possa ser feito, nós todos vamos ter que passar por isso. Só não sei como ainda.
- É difícil. Quando perdemos meu pai demorou meses até entrarmos nos eixos como família de novo. - Ele conta. - Vai ficar tudo bem, eventualmente. Só não fuja da dor Livvy, você tem essa tendência, mas se demorar a aceitar a dor ela vai demorar a passar.
Normalmente eu detesto que ele e Willow praticamente me chamem de covarde porque eu fujo dos sentimentos que doem, mas dessa vez é mais fácil admitir que eles têm razão.
- Quando você voltar vou tentar te ajudar com tudo.
- Eu não vou voltar. - Eu decido contar de uma vez. - Vou ficar em Chicago por um tempo.
- Ah.
Só "ah". Mas eu conheço Charlie ele deve estar querendo dizer várias coisas, principalmente sobre meu trabalho, já que é meu empresário, mas ele não vai dizer porque se importa com meus sentimentos.
- Você quer que eu arrume as coisas para você aqui? Precisa que eu envie algo importante?
Esboço um sorriso. Ele sempre cuida de mim.
- Willow e Henrich estão voltando, tudo bem se ela passar aí durante a semana e vocês organizam juntos o que preciso que enviem?
- Claro.
Eu sabia que ele não se oporia, mas é bom perguntar, afinal ela é a ex dele e não posso simplesmente a mandar ir até a casa dele sem aviso.
- Se eu tiver que pagar multas me avise, vamos resolver isso. - Digo a ele. - E Charlie... obrigado por sempre estar comigo.
- Não precisa agradecer. - A voz dele parece preguiçosa, o que é compreensível porque já é madrugada em Londres. - Vou sentir sua falta, Livvy. Fique bem, ok?
- Vou me esforçar.
Não percebo que não estou sozinha até ser abraçada por trás com força.
- Charlie desligue o telefone, preciso me despedir da minha garota. - Willow tira o telefone de mim. - Vou repassar o eu te amo para ela.
Faço careta. É óbvio que ele não disse isso, ela só está o provocando.
- Falo com você depois. - Ela encerra a chamada e encosta o queixo em meu ombro. - Eu não queria te deixar.
Seguro a mão dela sobre meu ombro e dou uma olhada de lado. Eu amo essa mulher. Ela é tão minha irmã quanto Sarah. Nos seis anos que nos conhecemos não houve nenhuma vez que ela deixou de ficar ao meu lado quando precisei.
- Dessa vez precisa deixar. - Aperto os dedos dela pensando que também não quero ficar sem minha amiga. Ela me ajuda a andar na linha. - Eu não sei fazer isso de ser uma adulta responsável.
- Claro que sabe. E daqui um tempo vou te encontrar e vamos estar nos últimos preparativos para o casamento e conversar de como você ajudou a colocar a si mesma e a família em ordem. - Os dedos dela ajeitam um cacho rebelde. - Eles precisam de apoio, todos eles. Landon vai querer parecer forte pelo Michael, mas ele não parece bem, ele está se segurando e uma hora vai explodir.
Viro meu rosto e encosto na mão dela aproveitando aqueles últimos minutos que sei que temos antes dela ir para o aeroporto.
- Vou tentar deixar tudo certo antes de ir embora. - Digo sem convicção nenhuma sobre quando irei.
Solto os braços de Willow do meu ombro e me viro para ficar de frente para ela.
- Eu amo você.
Ela abre um sorriso muito discreto. - O que fiz para merecer esse eu amo você?
Dou de ombros.
- Eu não quero mais ir embora ou deixar ninguém ir sem ter dito a melhor coisa possível. Não quero me arrepender de novo.
Willow abre os braços e vou entre eles, as lágrimas que já viraram minhas amigas inseparáveis voltam a cair.
Eu odeio despedidas temporárias, não mais do que odeio as permanentes.

Todas as batidas imperfeitasOnde histórias criam vida. Descubra agora