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Abril de 2020

Alguém coloca um copo de vodca na minha mão, eu bebo de uma vez enquanto deixo a música em loop. Só quando termino de virar o copo é que solto a música outra vez e o público do festival explode com o refrão.
Eu amo fazer isso.
Mesmo com o calor de hoje e isso me deixar grudando eu ainda amo. É raro fazer calor assim em Londres, mais raro ainda é eu estar em casa. Normalmente eu estou viajando para festivais ou casas de música eletrônica pela Europa. É incrível.
Outro copo ocupa minha mão depois que faço a virada entre as músicas. Tequila, eu acho.
As coisas começam a ficar confusas, eu percebo as pessoas pulando, percebo as músicas, mas só isso. Eu sei que bebo bastante, que saio do palco quando termino, lembro de beber mais no camarim, e a próxima vez que lembro claramente de algo estou na cama de Charlie em algum momento da noite.
- Você me buscou?
Ele está sentado na cama enrolado um baseado.
- Quando eu não faço isso? - Ele sorri.
Sim. Quando ele não faz isso? Ele é meu anjo protetor. Charlie não bebe muito, e nem fuma nada além de cigarrinhos de maconha, o que quer dizer que ele sempre está melhor do que eu.
Me sento já sabendo que a cabeça vai doer e seguro seu queixo dando um beijo em seus lábios.
- Obrigada.
Ele pisca para mim e eu sorrio. Não é segredo que ele é bonito, eu sabia disso quando ele e Willow estavam juntos e obviamente sabia quando ele começou a cuidar dos meus shows. Também sabia quando ele ofereceu sua casa depois que a faculdade acabou e Willow foi morar com Henrich.
Eu devia ter voltado para Chicago, mas eu estava tão bem como DJ, eu ainda estou. Não vou abrir mão disso.
Willow também ficou de boa por eu ficar com Charlie as vezes, ela nunca esteve apaixonada por ele e também eu pedi permissão antes de beijar ele. É tudo sobre honestidade.
- Estou morrendo de fome, podemos pedir algo para comer? - Pergunto me deitando com a cabeça no colo de Charlie.
Ele insiste que temos um namoro, eu insisto que é só uma amizade colorida, porque nós dois vemos outras pessoas. Eu não namoraria Charlie de verdade, não posso perder a amizade dele.
- São quase três da manhã, Livvy. Por que não volta a dormir? - Ele acende seu cigarro. - Você tem que se segurar, vai começar a te atrapalhar durante as apresentações.
- Não comece. Eu só bebo quando saio a noite, não é como se eu fosse alcoólatra. - Resmungo.
Puxo meu celular da cômoda e abro as mensagens do WhatsApp. Tem Willow me lembrando que vamos ver alguma coisa sobre o casamento em algum dia, tem um monte de gente chamando para festas, e tem meu pai enviando fotos fofas de Mikey.
Sorrio para a tela.
Não vi Michael nascer, não estive nos seus aniversários, e nunca o vi pessoalmente. Quando ele está com meu pai ele faz chamadas e eu posso o ver.
Ele é adorável, esperto, fofo, tem o cabelo loiro de Sarah e o sorriso e os olhos de Landon. Ele nasceu no fim de setembro de dois mil e dezesseis.
Nunca mais vi sua mãe, ou seu pai, ou minha mãe. Nunca mais voltei a Chicago. Sei que meu pai continua esperando por mim desde que terminei a faculdade. Talvez algum dia.
Desligo o celular e o coloco de volta na cômoda.
- Não me acorde amanhã, quero dormir o dia todo. - Aviso a Charlie voltando para o meu travesseiro.
- Ok, mas a noite temos uma festa. É importante, um possível contratante vai estar lá.
Não é novidade, a maioria dos contatos novos são encontrados assim, em festas.
- Tudo bem.
Como previsto eu durmo muito, na verdade acordo algumas vezes para ir ao banheiro ou vomitar, mas só me levanto de verdade as três da tarde. E isso porque Willow está em casa, ela está arrancando o edredom de mim.
- Eu juro que vou deixar de ser sua melhor amiga. - Ela diz. - Olivia você ia olhar os dois possíveis locais do casamento comigo. Precisamos estar lá em vinte minutos.
Sério? Era hoje? Onde eu estava com a cabeça de deixar Willow marcar algo no dia seguinte de um festival?
Levanto meu rosto devagar e sorrio. Não posso deixar minha amiga na mão.
- Posso tomar uma ducha? - Fico de pé correndo. - Escolhe uma roupa para mim, saímos em dez minutos, vamos chegar uns dez atrasadas só. Me desculpe.
Abro os braços para a abraçar, mas ela ri dando um passo atrás.
- Você está nojenta. - Ela reclama e faz uma careta me olhando. - Não sei quem é mais corajoso, Charlie de dividir a cama com uma bêbada fedida ou você por dividir a cama com ele que fede a maconha.
Dou risada e corro para o banheiro. Willow ama Charlie e eu, mesmo que não aprove nossa loucura. Ela é mulher séria agora, ou quase isso, ela ainda tem seu estilo, é divertida, mas ela não sai mais bebendo por aí e nem parece uma chaminé de tanto fumar.
Faço o que disse e tomo um banho rápido, depois me visto com a roupa que Willow separou para mim. Não passo maquiagem ou ajeito muito o cabelo para não nos atrasarmos.
- Livvy, não esqueça que temos compromisso a noite! - Charlie me lembra quando estamos saindo.
Aceno fazendo um sinal de positivo com o dedo e fecho a porta. A claridade do dia quase me cega e me obriga a colocar o óculos de sol.
- Onde vão? - Willow pergunta indo até seu carro.
- O de sempre, alguma festa, para fazer algum contato para conseguir um lugar para tocar. - Respondo a ela e entro do lado do passageiro.
Ela tem aquele olhar de quem quer me dizer algo, mas vai nos poupar da conversa. Provavelmente eu já sei, ela diria se não estou cansada disso, e então eu diria que a música, a batida, é a única coisa que me faz sentir viva, que isso é a unica coisa na qual nunca falho.
- Então, por que meu cunhado não está aqui?
Por cunhado quero dizer Henrich, já que Willow e eu somos como irmãs.
- Eu já te contei por telefone. - Ela sai com o carro. - Você não devia estar sóbria. Ele está em Chicago, resolvendo algumas questões na filial americana da empresa.
Tem isso. Henrich viaja com certa frequência para Chicago, Willow as vezes vai com ele, então eles vão a jantares com Landon, Sarah e Mikey. Dessa forma, além das ligações com o meu pai, é assim que continuo a ter notícias e ficar feliz sabendo que todos estão bem.
- Você não foi para poder olhar os locais para o casamento? Qual a pressa?
Sou recompensada com outro olhar de Willow que significa: você é péssima.
- Olivia, meu amor, minha linda, eu sei que você é alérgica a casamento e a uma vida a dois, mas deve saber que é difícil conseguir uma data. - Ela volta a olhar para o transito. - Nós queremos casar em cinco meses, esses dois locais ainda tem vagas, mas talvez se não olhasse hoje na próxima semana não teriam mais.
Isso é desesperador. Eu não serviria para ficar pensando em cada passo de um casamento. É por isso que sou um espírito livre.
- Desculpe, eu vou te ajudar a escolher com carinho. - Me inclino encostando o rosto no ombro dela.
- Eu sei. Porque você me ama. - Ela fica convencida.
- Isso mesmo.
Não há nada que eu não faria por ela. Quando eu estive mais sozinha na vida foi Willow quem esteve lá, me abraçando, me deixando chorar, sendo minha família.
Se ela quer que eu aja como alguém que sabe organizar uma festa eu farei isso.
Nós vamos as duas opções e eu acabo me empolgando genuinamente ao analisar ambos, notando desde a arquitetura até a conservação da área verde. A arquiteta em mim resolveu tirar o pó de si mesma e aparecer por alguns instantes.
Também analiso o tamanho, a beleza e a funcionalidade para receber os duzentos e cinquenta convidados da lista deles. Poderia ser bem mais, a família de Willow não vê problemas em bancar uma festa para quinhentas pessoas, mas minha amiga bateu o pé e cortou a lista pela metade.
- Eu gostei do primeiro. - Tiro o óculos de sol quando entramos em uma café pequeno perto da segunda locação. - E você?
- Honestamente? O primeiro também parece o melhor lugar para uma recepção de casamento, mas não sei se é o que quero. - Willow faz sinal para a garçonete. - Talvez eu deva ver outros lugares.
Nada como a indecisão de uma noiva. Ela me tirou da cama para nada no fim das contas. Mesmo assim sorrio e seguro a mão dela.
- Vamos encontrar o lugar perfeito. - Garanto a ela.
Já são seis da tarde e eu não sei a que horas preciso sair para a tal festa, mas quero passar mais tempo com Willow hoje, então talvez eu só não apareça.
- Que tal eu não ir a festa e eu vou com você para o apartamento e aí vemos série juntas? - Proponho me convidando.
Ela joga o cabelo longo para um lado do ombro e me encara sorrindo.
- Eu sou tão sortuda! Olivia Hill está dispensando uma festa e bebidas para ver série comigo. - Ela exagera.
Do jeito que ela fala até parece que as vezes não sou alguém que gosta de seus momentos caseiros.
Mexo em minha bolsa para pegar meu celular e dizer a Charlie que não vamos a festa, mas ele não está lá. A última vez que o vi na verdade foi quando o desliguei de madrugada, provavelmente esqueci de pegar quando acordei.
- Me empresta seu celular? - Peço a Willow.
Ela assente e procura dentro de sua própria bolsa, vejo a testa dela franzir quando ela olha para a tela do celular.
- Deixei no silencioso e Henrich ligou, quinze vezes. - Ela aperta para ligar para ele. - Só um segundo, preciso ver o que ele precisa.
Claro. Ninguém liga quinze vezes sem ter um motivo para isso.
- Ei amor, eu não vi as ligações. Está tudo bem? - Ela é a Willow animada habitual em um instante e no instante seguinte sua expressão se desfaz. - Ela está comigo, esqueceu o celular em casa.
Há um silencio enorme depois disso, ela parece estar ouvindo atentamente. Por que Henrich queria saber de mim?
- Willow... - Chamo atenção dela.
Minha amiga suspira pesado. - Eu vou dizer a ela e vou organizar tudo aqui e então aviso. Me mantenha informada.
Ela desliga e olha para mim, seus olhos marejados. A mão dela segura a minha sobre a mesa. Algo aconteceu em Chicago.
- É Sarah. - Willow diz.

Todas as batidas imperfeitasOnde histórias criam vida. Descubra agora