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      — Estamos prontos?
      Apesar de sonolenta eu assinto movendo a cabeça em afirmativa enquanto como uma panqueca.
      Por que alguém resolve fazer mudança tão cedo em um sábado? Oito da manhã é o mesmo que madrugada para mim.
      Papai continua a me olhar enquanto toma seu café. — Tem certeza que já acordou?
      Dou um sorriso e movo a cabeça em negativa dessa vez. Ele ri.
      Landon e Mikey estão se mudando hoje, a nova casa fica menos longe da mansão, mas em um bairro bem menos luxuoso, o que eu acho perfeito. A casa  mas tem um grande quintal na frente e outro nos fundos. Eu acho que combina com Landon.
      — Vamos. A empresa de mudanças vai chegar lá em breve.
      Enfio o último pedaço da panqueca na boca e me levanto colocando o celular no bolso.
       — Você vai dirigir ou vamos ter que carregar um motorista e um segurança? — Pergunto a ele enquanto caminhamos para o hall de entrada. — Pensei que talvez só hoje pudéssemos ser mais normais.
       — Eu prefiro que sejamos seguros. — Ele rebate.
      Paro na porta e seguro a maçaneta o impedindo de sair antes de eu tentar mais um pouco.
       — Pai, um acidente pode acontecer com qualquer um, seja a gente dirigindo ou o motorista, é a vida. E, pelo amor, você tem seguranças por causa do sequestro do vovô, mas isso foi há quinze anos, ninguém nunca nos fez nada. Não acha que é hora de afrouxar isso?
       Ele balança a cabeça em negativa e então eu dou minha última cartada, aquilo que funcionava bem quando eu era uma adolescente, a cara de pidona. Faço bico o olhando, estreitando meus olhos.
      — Não, Olivia.
      — Por favor.
      Junto minhas duas mãos em súplica a ele ignorando que não tenho mais idade para parecer tão boba.
      Papai bufa para mim e vai para a porta. — Apenas dessa vez.
      Ergo meus braços em vitória e me lanço para ele o abraçando e dando um beijo em seu rosto.
       — Para onde a família feliz vai? Um passeio? Os sorrisos estão bonitos.
       Desfaço meu sorriso imediatamente quando minha mãe fala, ela não gosta quando sorrimos, e talvez ela esteja certa e seja cedo demais para isso.
       Me separo do meu pai e olho na direção dela, ela parece péssima como quase sempre recentemente. As olheiras entregam que os calmantes não estão servindo para mais nada.
        — Vamos ajudar Landon com a mudança, eu te disse ontem a noite. — Papai é um pouco seco, isso é algo frequente agora.
       Eles parecem evitar passar qualquer tempo juntos, não que eles tivessem muita coisa em comum antes, mas agora parece que tem um abismo entre eles.
       — Claro, ele se apressou em descartar as lembranças da esposa também.
       Meus lábios se separam, estou pronta para defender Landon dessa acusação, mas se eu falar ela vai julgar do jeito errado. A olho por um instante mais e abro a porta de vez saindo com pressa.
       Uma vez que estou fora de casa eu  coloco o óculos de sol e respiro fundo uma única vez. Sei que não vai ser fácil Landon e Mikey deixarem a casa, mas sei que ele não faria isso se não achasse mesmo necessário.
        Meu pai demora alguns minutos para sair, e quando sai dispensa o motorista e seu segurança. É a primeira vez dele dirigindo desde o acidente de Sarah. Vejo os dedos dele inquietos sobre o volante antes de ligar o carro.
      — Nós vamos ficar bem. — Eu digo baixo. — Também estou com medo de seguir em frente, mas ela não gostaria disso?
       Ele concorda movendo seu rosto. — Ela assumiria a frente de tudo e faria todo mundo entrar nos eixos.
       Com certeza. Ela era esse tipo de pessoa, ela nunca deixaria nada sem uma solução. Queria ser mais como ela.
       — Então, vamos dar orgulho a ela.
       Quando o carro sai da garagem sei que ela está mesmo orgulhosa, todos nós estamos dando um passo de cada vez. Não todos, há alguém que estagnou.
       Assim que chegamos a casa de Landon o caminhão do frete já está parado em sua porta. Acho que nos atrasamos um pouco.
       — Vovô! Tia Livvy! — Mikey grita do jardim onde Landon está também conversando com dois homens. — Eu vou para o meu quarto novo hoje.
       É, na idade dele o atrativo é ter um quarto ainda mais legal que o anterior. Eu me abaixo o abraçando.
       — Sim, é um quarto muito legal, não é?
       — Muito! Você tem que me ajudar a pegar tudo no quarto.
       Pelo jeito que ele puxa minha mão acho que estou recebendo uma ordem desse garotinho. Dou um tapinha no ombro de Landon ao passar por ele.
       — Não precisa carregar nada, Ollie, se conseguir manter esse senhor inquieto distraído já é suficiente.
       — Se estiver sendo apenas educado e achando que não posso carregar peso devo lembrar a você que o equipamento de mixagem é pesado? — Paro de andar, mesmo com Mikey puxando meu dedo.
       Landon esboça um sorriso pequeno. — Eu só preciso do seu trabalho de tia mesmo, não estou sendo educado, estou usando sua capacidade de o distrair. Só um pai precisando de ajuda.
       Eu rio de leve. — Vou ver o que posso fazer.
       Não é nada difícil distrair Mikey, ele não é essas crianças que se cansam de brincar com algo depois de cinco minutos. Pego um dos jogos dele e ficamos brincando por quase uma hora enquanto Landon e meu pai ajudam os dois rapazes do frete.
       Aliás, algo que nunca pensei em ver é meu pai carregando caixas e móveis de mudança. Para mim ele é o cara vestido em terno caro que passa o dia no escritório, claro que já tivemos momentos de lazer, mas foram raros.
       Em quatro pessoas o carregamento do caminhão é rápido e quando terminam fazem uma pausa para tomar água antes de irmos.
       — Eu marquei com a diretora da escola para depois de amanhã. — Landon me conta. — Achei que talvez sua mãe gostaria de ir junto, opinar.
       Ela com certeza gostaria de opinar, mas a questão é, ele está disposto mesmo a isso? Ela não vai dar só uma opinião, é até possível que vá colocar defeito em cada coisa e então dizer que não serve.
       — Se estiver preparado para isso acho que ela ficaria agradecida por a chamar. — Eu opino.
       — Não quero que ela se sinta excluída da vida dele.
       Ele é um dos caras bons no mundo, ele se importa. Mamãe não perde uma chance de o criticar por tentar continuar sua vida, mas ele ainda tenta ser legal.
        — Podemos ir? — É meu pai quem pergunta enquanto tem Mikey de cavalinho em suas costas.
        Vejo a expressão de Landon endurecer, ele não está pronto ainda.
        Estico minha mão na direção dele. — Me dê as chaves, nós levamos Mikey e vamos descarregando. Leve o tempo que quiser ou que precisar.
        — Não, só preciso de alguns segundos.
        — Landon, dê as chaves. — Meu pai ajuda a insistir.
        Ele tira as chaves do bolso e coloca na palma da minha mão. — Obrigado, Ollie.
        Assinto com a cabeça e sigo meu pai para fora da casa. Não tive a chance de ver Sarah ali e ainda assim a sensação de saber que uma parte da vida dela ficará alí é esmagadora.
        Landon chega a outra casa cerca de meia hora depois de nós, ainda estão descarregando a mudança e Mikey está correndo pelo jardim dos fundos. Particularmente, eu gosto mais da arquitetura dessa nova casa. Ela é moderna, cheia de retas, madeiras e materiais frios se intercalam no revestimento da área externa, mas minha coisa preferida é que ela tem grandes janelas de vidro, muitas delas, e vidros fechados que ocupam quase paredes inteiras enchendo a casa de luz natural.
        — Ele parece feliz. — Landon olha para o filho correndo livre. — Como você está?
        A pergunta me pega desprevenida e me faz o olhar, ele parece levemente melhor do que quando o deixamos sozinho na casa antiga.
        Não tenho escutado muitos "como você está?" recentemente. Papai as vezes pergunta, não sempre, no trabalho a maioria das pessoas se limita as relações profissionais e minha mãe nunca, em hipótese nenhuma, me pergunta isso.
       — Bem. — Não sei se é a resposta certa. — Eu acho.
       Landon se encosta em uma pilastra e me olha. — Acha? Queria estar em Londres, certo?
       Eu não sei mais se queria.
       — Acho que estou em crise existencial. — Admito para ele enquanto me sento em um degrau. — Quando saí de Londres eu não imaginei que enterraria minha irmã, nem que voltaria a morar com meus pais, ou começar um emprego careta. Ou que teria uma relação tão próxima do meu sobrinho. Nem que minha relação com a minha mãe podia ser pior do que antes. É muita coisa para processar. É quase como se ser DJ, beber até cair cada vez em uma cidade diferente, não ter nada me prendendo, tivesse sido uma outra vida e não algo que eu fazia até três meses atrás.
       Landon assente em compreensão ou apoio e então se desencosta e vem até os degraus se sentando ao meu lado.
       — Você não precisa ficar. Eu prometo que vamos ficar bem e seu pai também é uma força. — Ele faz uma pausa, uma careta surge em seu rosto. — Sobre a sua mãe, sei que é duro ouvir isso, mas ela não quer sua ajuda, talvez nem a de ninguém.
       Eu sei disso, mas Sarah queria que eu a ajudasse a passar por isso e eu continuo falhando porque não consigo derrubar as barreiras entre nós. Além disso, não sei se quero ir, pelo menos por enquanto.
       — Acho que quero ficar e só ver qual é, entende? Só saber como é ser a Olivia de vinte e quatro anos, trabalhando como arquiteta, perto da família. Ela talvez seja uma mulher melhor do que a que eu vinha sendo.
       Landon coloca a mão em meu ombro e me puxa devagar em um abraço de lado, meio sem jeito. — Eu acho que já é uma mulher ótima.
       — Obrigada por dizer isso.
       — Vou lá terminar de descarregar.
       E então ele vai e eu fico ali sentada olhando para Mikey correndo sem parar, um fôlego realmente impressionante. Com vinte e quatro anos eu me sinto uma preguiçosa com disposição de uma senhora de oitenta anos.
       Por isso é um sacrifício quando ele me chama para correr também. Eu fico suada e exausta em dois minutos, mas por incrível que pareça eu estou rindo. É o efeito que Mikey tem em mim.
       Ainda estou sorrindo com ele quando meu pai desce os degraus do fundo da casa com uma expressão que não sei decifrar, só sei que é ruim.
       — O que? — Me antecipo em perguntar.
       — Sua mãe, eles, o pessoal de casa a encontrou inconsciente, nós temos que ir para o hospital. Agora.
       Embora ele seja contido para falar eu vejo sua expressão de dor, quanto a mim por um instante parece que estou caindo. É o medo de viver tudo de novo e ser ainda pior.
        — Vamos Livvy. Vem Mikey, você vai ficar com seu pai lá dentro. — Ele pega Mikey no colo. — Olivia...
        — Eu estou indo.
        Nós não devíamos a deixar sozinha assim, um de nós sempre deveria estar com ela. Por que não pensamos nisso?
        Eu finalmente movo meus pés e sigo meu pai, e por todo o caminho minha mente está trabalhando para me deixar louca.
      
       
      

Todas as batidas imperfeitasOnde histórias criam vida. Descubra agora