Maternidade

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Sua mãe alisava seus longos cabelos dourados enquanto cantarolava melódicamente uma cantiga de ninar.

"Não sei se tu tens um anjo
Que eu tenho um anjo sim
Meu anjo é uma pequenina
Que agora vai dormir
Dorme minha anja bela
Minha menina serafim
Que o sono vem vindo
Pra levar você de mim"

Os olhos azuis turquesa esboçavam a imensidão de um oceano, pobres orbes martirizadas pelos pensamentos lúcidos de terceiros ao qual se submeteu.

Sua mãe era bela, graciosa, delicada, uma frágil boneca de porcelana, e seu pai era o responsável pelos seus pesadelos, um monstro impetuoso e cruel. Sua mãe, Asami Senju, estava sempre coberta sob roupas largas e grosseiras para que pudesse esconder as cicatrizes que vivia sendo submetida. Seu rosto era vazio, uma mulher que há muito tempo já não sabia qual era o sentido de viver.

" Dorme bela anja
Bata suas asas
Corra da aliança
Corra da raiva incubada
Permita - se viver
Eternamente marcada"

- Mamãe, o que está fazendo? - A pequena criança perguntou ao ver sua mãe manejando cautelosamente uma pequena tesoura de jardinagem enquanto podava algumas plantas.

- Estou ajeitando o jardim. - Asami sorriu gentil, mas seus sorrisos eram sempre rasos e frívolos.

- Posso tentar? - Tsunade tocou o braço de sua mãe para fazer menção a tesoura, mas Asami se espantou e a-recolheu reflexivamente.

- Me desculpe mamãe. - A garota retirou a mão de perto de si cuidadosamente, entrelaçando os dedos com nervosismo.

- Está tudo bem. - Asami fitou um ponto fixo no chão expondo seu vazio interior. Suas feições pareciam serenas, ela nunca fora muito boa em se expressar desde que se entende por gente.

- Então.. Eu vou me retirar. - Tsunade declarou levantando da grama molhada do jardim, enquanto Asami apenas inclinou a cabeça para baixo, sem ainda olhá-la nos olhos.

" Minha anja toca os céus
Minha anja toca o chão
Minha anja sopra as nuvens
Minha anja flui nas águas
Minha anja cai em brasas
Minha anja atravessa os chãos"

Tsunade sempre ouvia gritos a noite, mas nunca havia se indagado de onde eles vinham ou porquê os ouvia, já estava acostumada aquilo, era uma trava mental para que não sofresse ao ouvir as vozes alteradas. Até que certa vez, sua curiosidade tomou conta de si e no escuro da noite pôde abrir uma pequena fresta da porta do quarto dos seus pais, e de lá observou seu pai chicoteando incansavelmente sua pobre mãe, que se debatia, arfava e se contraía perante aos ataques. O rosto dela estava pingando em sangue misturado ao suor, suas orbes pareciam carregar a imensidão do vazio que pairava sobre si, e percebeu ser notada por ela, que sibilou seu nome com dificuldade por causa dos espasmos.

- Tsu.. na..de.. - Ela disse antes de sua cabeça tombar lhe permitindo antigir a inconsciência. Seu pai a percebeu escondida e lhe fitou com aparente ódio e desgosto, aquele não era o seu pai, não parecia ele, claramente o corpo era dele, mas parecia possuído por alguma entidade maligna.

Os passos do homem fizeram o assoalho de madeira ranger. Tsunade tremeu quando viu a silhueta do homem se movendo, ao passo que ele agarrou seu braço e lhe apertou até o estalar de seus ossos, deixando a menina cair e bater a cabeça contra o chão.

Goteja
Goteja
Goteja
Goteja
Corta
Corta

Tsunade acordou fitando com dificuldade uma pequena machadinha no qual filetes de sangue escorriam até alcançarem suas mãos. Ela encarou o objeto com dúvida aparente, o que estava fazendo? Onde estava? Quando conseguiu recobrar parte de sua audição, ouviu o sangue gotejar e tremeu perante ao som, seus ouvidos pareceram latejar e seu corpo trepidar como se levasse uma onda de choque. Seu pequeno corpo foi de encontro com o chão enquanto ela não respondia por si, guinchando e se remexendo sob uma poça de sangue, seus olhos marejados com as lágrimas que surgiam, dificultavam sua visão, seu corpo beirava o desfalecimento, quando pôde ver a laringe de seu pai brutalmente cortada. Se remexeu desconfortávelmente sentindo feridas espalhadas por todo o seu corpo. Estava com medo e desesperada, sua memória estava falha e não lembrava de nada do que havia ocorrido antes de seu braço ser fraturado. Perscrutou o ambiente com os olhos atrás de sua mãe, e o que vira lhe deixou eternas sequelas. A imagem do estômago de sua mãe rasgado, o sangue se acumulando em uma poça, os olhos sem vida parecendo globos de vidro, e os cabelos tão belos tingidos com o carmesim, que tanto odiou naquele instante. Estava acabada, tão nova e tão abandonada no mundo. Encontrou forças para rastejar até sua pobre mãe, tomou sua cabeça em suas mãos e lhe deitou em seu colo, molhando- se inteiramente no sangue dela, seus dedos hábeis alisaram os cabelos de Asami enquanto entonava com a voz falha, a tão memorável canção de ninar.

"Não sei se tu tens um anjo
Que eu tenho um anjo sim
Meu anjo é uma pequenina
Que agora vai dormir
Dorme minha anja bela
Minha menina serafim
Que o sono vem vindo
Pra levar você de mim"

A enviada | JiraTsunaOnde histórias criam vida. Descubra agora